Como ter um jardim num apartamento: plantas carnívoras

Flor da Pinguicula vulgaris. Foto: Ivar Leidus/Wiki Commmons

Na série “Abra espaço para a natureza”, Carine Azevedo responde às dúvidas que temos quando pensamos em tornar um espaço mais amigo do mundo natural.

As plantas carnívoras, também conhecidas como plantas insectívoras, são algumas das plantas mais fascinantes do nosso planeta e quando bem cuidadas deixam qualquer espaço bonito, colorido, com um ambiente exótico e único.

Estas plantas desenvolveram um conjunto de adaptações estranhas e maravilhosas que as ajudam a crescer e a florescer em ambientes pobres, onde a disponibilidade de nutrientes é quase nula.

Contrariamente ao nosso imaginário, estas plantas não são seres gigantes nem aterrorizadores. A maioria das espécies são pequenas e frágeis e não oferecem riscos à saúde das crianças, dos adultos e dos animais de estimação.

As plantas carnívoras, como todas as outras, realizam fotossíntese, mas como na maioria das vezes vivem em ambientes que são pobres em nutrientes, desenvolveram estratégias que lhes permitem atrair, capturar e digerir pequenas presas, geralmente insetos, para complementarem as suas necessidades nutritivas.

Pormenor de planta do género Sarracenia. Foto: Carine Azevedo

As estratégias desenvolvidas são inúmeras. Para capturarem as presas, estas plantas transformaram as suas folhas em armadilhas de várias formas e tamanhos. Assim, as armadilhas podem ser: 

  • ativas, quando apresentam movimento durante o processo de captura de presas; 
  • passivas, quando não apresentam movimento durante a captura da presa;
  • semi-ativas, quando são uma combinação dos dois tipos.

Para atrair as presas de que se alimentam, as plantas carnívoras desenvolveram inúmeros mecanismos de atração, incluindo a produção de substâncias pegajosas e néctares irresistíveis, odores fortes, uma coloração e brilhos que são intensos e sedutores.

Estas plantas também desenvolveram estruturas semelhantes a pelos e superfícies escorregadias, que complementam o processo de captura.

Como cultivar plantas carnívoras

As plantas carnívoras são relativamente fáceis de cultivar, mas é importante ter em consideração algumas necessidades básicas destas espécies – solo, água e luz.

Em primeiro lugar, não devem ser adubadas com qualquer tipo de fertilizante, pois têm preferência por solos pobres (o mais isento possível de nutrientes), muito ácidos e arejados. Idealmente, recomenda-se o uso de misturas de turfas loiras com perlite, vermiculite ou areia de sílica.

O uso de Sphagnum nas misturas ou simplesmente na superfície dos vasos também é uma escolha interessante. Este tipo de musgo é um excelente retentor de humidade, absorvendo até 20 vezes o seu peso em água. Desta forma, ajuda a manter o substrato fresco durante mais tempo, criando um ambiente mais húmido em volta da planta, e reduzindo a frequência das regas.

Plantas dos géneros Drosera e Dionaea. Foto: Carine Azevedo

Também são muito exigentes em humidade: deve garantir-se que o solo está sempre húmido, mas não encharcado. Precisam também de mais água no verão e de menos no inverno.

Quanto à rega, deve ser feita com água desmineralizada, preferencialmente da chuva, mas pode usar-se destilada na falta daquela. Outras boas opções são a água de um furo, sem qualquer tratamento químico, ou então libertada pelo ar condicionado ou provenientes de um desumidificador.

Para a maioria das plantas carnívoras, para garantir a humidade no verão, podemos colocar a planta dentro de um prato com dois a três centímetros de altura de água desmineralizada, que deve ser reposta quando o prato estiver praticamente seco. Quanto ao inverno, para evitar o apodrecimento das raízes, deve-se deixar secar o substrato entre regas.

Pormenor de planta do género Drosera. Foto: Carine Azevedo

A humidade atmosférica é fundamental. É aconselhável borrifá-las todos os dias com água desmineralizada, ajustando devidamente caso se verifique que há muita humidade no ar.

Para a maioria das plantas, os vasos de barro ou de terracota são a escolha mais acertada. Já no caso das carnívoras, os vasos de plástico são na verdade a melhor opção, pois o plástico é um material que leva muito tempo a decompor-se.  Além disso, na sua composição química não entram substâncias minerais que se possam lixiviar no solo e causar danos às plantas. Outras boas alternativas são ainda os vasos de vidro ou de cerâmica vidrada.

É também importante garantir que o tamanho do vaso é proporcional à planta e que este tenha orifícios na base, para evitar que o solo permaneça encharcado.

Planta do género Drosera. Foto: Carine Azevedo

A luz é outro fator fundamental. Estas espécies precisam de muita luz solar, exigindo em média entre três a quatro horas de exposição solar direta, diariamente. Podem ser, por isso, mantidas o mais próximo possível de uma janela.

Outro cuidado importante a ter é com a limpeza. A remoção de armadilhas e folhas secas e das hastes florais velhas é fundamental para que estas plantas direcionem a sua energia para a manutenção e formação de novas armadilhas, além de evitar a incidência de fungos, sobretudo durante o inverno.

Plantas carnívoras mais comuns

Estima-se que em todo o mundo existam mais de 800 espécies, distribuídas por 24 géneros. Em Portugal, as plantas carnívoras (ou insetívoras) mais comuns, e que facilmente encontramos em qualquer centro de jardinagem, são:

  • Dionaea muscipula, vulgarmente conhecida como apanha-moscas. Esta planta possui a mais sofisticada de todas as armadilhas. Em forma de mandíbula, a armadilha possui, no seu interior, pelos sensíveis que podem distinguir o toque de um inseto de uma gota de chuva, evitando que a armadilha se feche desnecessariamente.
Apanha-moscas (Dionaea muscipula), fotografada num jardim botânico. Foto: Rudolphous/Wiki Commons
  • As espécies do género Drosera, vulgarmente conhecidas como orvalhinhas. Estas plantas, quando capturam um inseto, desencadeiam um estímulo químico que faz com que os pelos brilhantes se enrolem sobre si próprios em direção ao centro da folha, onde é iniciado o processo de dissolução e digestão das substâncias corporais da presa.
  • Outras plantas que podemos facilmente encontrar são as do género Nepenthes. As Nepenthes spp., além de serem vistosas, são normalmente grandes e trepadeiras. Apresentam folhas transformadas em urnas (jarros) – chamadas de ascídios – que funcionam como armadilhas.
Pormenor de planta do género Nepenthes. Foto: incidencematrix/Wiki Commons
  • As plantas do género Sarracenia são as que melhor se adaptam às condições climáticas do nosso país, podendo ser cultivadas tanto no interior como no exterior. As suas armadilhas têm a forma de jarras altas e estreitas e possuem cores brilhantes e atrativas, libertando ainda um aroma convidativo para os insetos.
  • As pinguículas (Pinguicula spp.) formam uma roseta basal de folhas verdes cuja parte superior é revestida por uma mucilagem pegajosa, que “aprisiona” os pequenos insetos quando estes pousam em cima da folha.

Em Portugal também existem algumas espécies nativas:

  • A Drosophyllum lusitanicum, vulgarmente conhecida como orvalho-do-sol, erva-pinheira-orvalhada ou pinheiro-o-baboso, da família Drosophyllaceae.
Pormenor da erva-pinheira-orvalhada (Drosophyllum lusitanicum). Foto: Sylvain Bezy/Wiki Commons
  • A pinguícula (Pinguicula vulgaris), a pinguícula-do-gerês (Pinguicula lusitanica), a utriculária (Utricularia australis), a utriculária-menor (Utricularia gibba) e a Utricularia subulata, todas da família Lentibulariaceae.
Flor da Pinguicula vulgaris. Foto: Ivar Leidus/Wiki Commmons
  • As orvalhinhas (Drosera rotundifolia e Drosera intermedia) pertencem à família Droseraceae.
Orvalhinha (Drosera rotundifolia). Foto: Espirat/WikiCommons

Insetos benéficos versus presas

Todas as plantas carnívoras produzem flores belíssimas, duradouras e vistosas, que podem ter cores variadas, desde o branco e amarelo ao rosa, vermelho e violeta. A maioria das espécies floresce na primavera e no verão.

Estas espécies são mesmo fascinantes. Se por um lado atraem alguns insetos que lhes servirão de alimento, por outro também atraem diferentes insetos polinizadores que contribuem para a sua polinização. Destes últimos, os mais comuns são as abelhas, as borboletas e as moscas.

As plantas insectívoras são suficientemente inteligentes para nunca usarem as suas flores como armadilhas, mas apenas para atrair os insetos benéficos. Estas surgem sempre em hastes florais altas que se localizam bem acima das armadilhas, uma estratégia usada para que os insetos polinizadores não se transformem também eles em presas. Por outro lado, o odor libertado pelas flores atrai tanto insetos polinizadores como presas, mas o odor das armadilhas atrai apenas aquelas últimas.

Flor de uma planta do género Pinguicula. Foto: Carine Azevedo

Embora todas as espécies de plantas sejam fascinantes, as carnívoras são particularmente curiosas e poderão ser uma alternativa interessante para criar um ambiente exótico dentro de casa. Além disso, podem ajudar a controlar os insetos indesejados e contribuem para a decoração natural do espaço com a beleza rara das suas flores, que permanecem bonitas durante muito tempo.

Em breve explicarei como criar jardins interiores com outros tipos de plantas, mas até lá podem partilhar as fotos dos vossos jardins temáticos nas redes sociais com #jardimtemático e comigo no Instagram @biodiversityinportuguese e no Instagram da Wilder @wilder_mag.


Ao longo de mais de dois anos Carine Azevedo deu-nos a conhecer, todas as semanas, novas plantas para descobrirmos em Portugal. Encontre aqui todos os artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

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