O choco é uma das muitas espécies que usam as pradarias marinhas como berçários. Foto: Diego Delso/Wiki Commons

Torne-se um perito: Três motivos por que as pradarias marinhas são tão importantes

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Presentes no leito de estuários, lagoas e rias, estas “florestas marinhas sem árvores” existem em vários pontos da costa portuguesa. E há projectos em curso para a sua recuperação no Estuário do Sado e na Ria Formosa.

Ria de Aveiro, estuário do Mondego, Lagoa de Óbidos, estuários do Tejo, do Sado e do Mira, Ria de Alvor, Arade, Ria Formosa e estuário do Guadiana, baías abrigadas na costa da Arrábida e Algarve, e Madeira. Em Portugal, é nestes locais que se encontram as pradarias marinhas.

Estes dados são da associação Ocean Alive, que está a trabalhar para a conservação e recuperação destes ecossistemas no Estuário do Sado, que por todo o mundo estão a ser destruídos ameaças como a poluição das águas, técnicas de pesca destrutivas, dragagens e eventos extremos associados às alterações climáticas. Também na Ria Formosa está em curso um projecto de restauro das pradarias marinhas, associado aos cavalos marinhos. Mas o que acontece nestas pradarias? E porque são tão importantes?

1. Fornecem abrigo e comida a robalos, chocos, golfinhos e muitas outras espécies

Há vários anos que Raquel Gaspar, co-fundadora da Ocean Alive, visita as pradarias marinhas do Estuário do Sado. Durante estes mergulhos assiste ao desenrolar da vida lá em baixo, nestes autênticos “habitats berçários”, que “têm as mesmas funções que uma floresta”: “servem de casa, abrigo, local de reprodução, fornecem comida.”

Durante os mergulhos “vemos muitos crustáceos, caranguejos pequeninos, muitos bivalves e vermes como as poliquetas, que vivem no leito do rio. E também muitas aranhas do mar e muitos búzios, que depositam as posturas nas ervas”, conta à Wilder.

Tal como acontece nas pradarias terrestres, estas pradarias marinhas têm diferentes ervas como elemento central. Ao contrário das algas, são plantas vasculares e por isso têm raízes, flores e frutos e precisam da luz solar para realizarem a fotossíntese. E dependendo da espécie, ou ficam sempre submersas ou podem ver-se fora da água nas marés baixas. No Estuário do Sado, como as águas são turvas e as plantas precisam de luz solar, a profundidade máxima a que estão é de cerca de 10 metros.

Em Portugal há três espécies de ervas marinhas, conhecidas pelos nomes científicos – Zoostera marina, Zostera noltei e Cymodocea nodosa – todas elas presentes no Estuário do Sado.

Os moluscos e outros pequenos seres que vivem nestas pradaria alimentam por sua vez muitos peixes juvenis, como o linguado, a dourada e o robalo. Outra espécie emblemática que aqui se reproduz são os chocos, “que prendem os ovos às ervas marinhas”, tal como as raias. Estas plantas aquáticas servem também de abrigo para os cavalos-marinhos, que a elas se agarram com as caudas.

Choco (Sepia officinalis), no Parque Natural da Arrábida. Foto: Diego Delso/Wiki Commons

Tanto peixes como cefalópodes são depois presas importantes para outros animais, nota a mesma responsável, que dá o exemplo dos golfinhos roazes, que têm a única comunidade residente em Portugal no Estuário do Sado.

um golfinho roaz acompanhado por duas crias
Golfinhos-roazes. Foto: Shirehorse/Wiki Commons

2. São “excelentes sumidouros naturais” de carbono

As pradarias marinhas conseguem sequestrar 30 vezes mais carbono do que as plantas terrestres, sublinha a responsável da Ocean Alive, que as classifica como “excelentes sumidouros naturais” deste gás, cuja acumulação na atmosfera está ligada ao efeito de estufa e às alterações climáticas.

Neste caso, ao contrário do que acontece nas florestas, só uma pequena parte do carbono é absorvido através das trocas de carbono por oxigénio feitas por árvores e plantas. Em vez disso, “uma grande quantidade de carbono – cerca de 80% do total – é absorvido sem ser através da fotossíntese e não fica armazenado no corpo das plantas.” O que acontece, explica a bióloga marinha, é que “as pradarias marinhas o enterram no solo com as suas raízes.”

Zostera marina, uma das ervas marinhas presentes no Estuário do Sado. Foto: Ruppia2000/Wiki Commons

“Apesar de cobrirem apenas 0,1% do solo do oceano, estas pradarias são sumidouros de carbono altamente eficientes, armazenando até 18% do carbono oceânico do mundo”, acrescenta o relatório Out of the Blue: The Value of Seagrasses to the Environment and to People, divulgado pelas Nações Unidas em Junho de 2020.

3. Ajudam a limpar as águas

A reciclagem de azoto é outro dos serviços prestados por estes ecossistemas, “um dos elementos essenciais à produção primária e do qual depende a boa qualidade da água, pela depuração de efluentes urbanos e agrícolas azotados”, explica uma nota publicada pela Ocean Alive, que lembra um estudo publicado em 2010 sobre as pradarias da Ria Formosa.

Segundo o relatório da ONU e estudos científicos realizados, “as pradarias marinhas também podem travar a acidificação do oceano, contribuindo assim para a resiliência dos ecossistemas e espécies mais vulneráveis, como os recifes de coral”. Por outro lado, agem “como a primeira linha de defesa ao longo das costas através da redução da energia das ondas, protegendo as pessoas do risco crescente trazido pelas inundações e tempestades”.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.