quatro golfinhos na água do mar
Golfinhos do Sado. Foto: Vertigem Azul

Golfinhos são o maior sinal da grande riqueza do Estuário

Lua, Sereia e Bolinha foram os três roazes que nasceram na comunidade de golfinhos do Sado, em 2017, aos quais se juntou uma cria este ano e que por agora não tem nome. Eram até agora encarados como sinais de esperança para o futuro da biodiversidade no estuário, que agora parece incerto devido ao anúncio das obras de dragagem no Porto de Setúbal.

 

Durante muitos anos, a comunidade de golfinhos roazes que residem no Estuário do Sado oscilou entre o risco de desaparecimento e a mera sobrevivência. “Todas as crias que nasciam morriam e muitos golfinhos iam embora para outras águas”, recorda Maria João Fonseca, da empresa de turismo de natureza Vertigem Azul.

Se durante a década de 1980, quando os cientistas começaram a estudar estes roazes, ali se contavam cerca de 40 golfinhos, as condições foram-se degradando. Em 2005 sobravam apenas pouco mais de metade – 22 – à mercê das águas poluídas.

Mas nos últimos 10 anos, “as crias começaram a sobreviver e os golfinhos pararam de emigrar tanto”, muito graças à aplicação de regras mais pesadas quanto à qualidade e limpeza das águas e a uma diferença de postura das autoridades, que começaram a apostar no turismo de natureza. “Não estamos a falar de um turismo de massas, mas num turismo que aposta na sustentabilidade”, sublinha a mesma responsável.

O resultado é uma população residente de golfinhos que se tem mantido estável nestes últimos anos e que conta agora com 28 roazes.  “Aqui nascem e aqui têm as suas crias. Esta população é única, não temos outro estuário com golfinhos residentes, que se conhecem individualmente.”

 

Foto: JCF

 

Ainda assim, o grupo continua a ser “vulnerável”, até por causa da idade: “Metade destes golfinhos são jovens, mas a outra metade são velhotes.” Estes últimos estão aliás referenciados desde os anos 1980, lembra Maria João Fonseca, que adianta que a esperança de vida destes mamíferos é de cerca de 50 anos.

Por outro lado, apesar das melhorias recentes, “o ecossistema tem as suas fragilidades” e a saúde do rio Sado continua afectada pela poluição. Este ano, aliás, morreu uma das duas crias nascidas, não se sabe bem porquê. “Os golfinhos vão-se mantendo por cá, mas sabemos que se deixarem de encontrar boas condições, vão abandonar o estuário”, avisa.

 

111 espécies de peixes

Mas não é só para os golfinhos que a região é importante. Estes mamíferos, predadores de topo, demonstram que “o estuário do Sado é o mais rico em biodiversidade do nosso país”, salienta por seu turno Raquel Gaspar, da Ocean Alive, uma cooperativa local de educação marinha.

No total, estão ali registadas 111 espécies de peixes, como a dourada, linguados e robalos, e ainda animais como os chocos, os polvos e várias espécies de moluscos. Todas elas estão intimamente ligadas às pradarias marinhas – um dos ecossistemas que a nível mundial têm dos papeis mais importante na retenção de carbono.

 

um choco
Choco, uma das muitas espécies que usam o Estuário do Sado como berçário. Foto: Amada44/Wiki Commons

 

“No Estuário do Sado, temos cerca de 30 hectares de pradarias marinhas, um habitat-chave para os golfinhos e para as presas de que estes de alimentam, e que ali se reproduzem, nascem e crescem”, destaca a bióloga marinha. “É como se juntássemos a Maternidade Alfredo da Costa com um refeitório para crianças, mais um ATL para jovens.”

No entanto, tal como noutras regiões, sabe-se que ali as pradarias marinhas “estão a diminuir”, avisa a responsável da Ocean Alive. “Um terço das pradarias marinhas já desapareceu em todo o mundo.” Um dos objectivos da cooperativa é conseguir mapear e monitorizar a situação deste ecossistema no Estuário.

 

plantas de folhas compridas na água
Zostera marina, uma das espécies de plantas características em pradarias marinhas. Foto: Wiki Commons

 

A importância desta zona levou à criação da Reserva Natural do Estuário do Sado, com mais de 23.000 hectares, em 1980, onde também assume relevo a área de sapal – em especial para a nidificação de muitas aves. É aliás reconhecida na União Europeia como Zona de Protecção Especial para as aves, tal como Sítio de Importância Comunitária, devido aos habitats que abriga e espécies que deles dependem.

Está ainda classificada internacionalmente como Sítio Ramsar, devido à importância como zona húmida, e abriga dentro dos seus limites a Reserva Botânica das Dunas de Tróia, desde 1980.

Mesmo ao lado situa-se outro habitat-berçário, igualmente importante para os golfinhos e outras espécies na região, o Parque Marinho Prof. Luiz Saldanha. Nesta área marinha protegida do Parque Natural da Serra da Arrábida, os pedaços de rocha que se foram desprendendo da serra criaram ao longo do tempo recifes rochosos, importantes para a fixação de corais e para a sobrevivência de muitas espécies.

 

[divider type=”thin”]Saiba mais.

Descubra quais são as três ‘armas’ dos cidadãos na defesa do Estuário do Sado.

Conheça melhor a comunidade de golfinhos roazes do Sado, neste artigo da Wilder.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.