Estas são as prioridades de 2018 para conservar os linces do Vale do Guadiana

O núcleo populacional de lince-ibérico (Lynx pardinus) do Vale do Guadiana tem hoje 41 animais. No arranque da quarta época de reintroduções em Portugal, a Wilder falou com Pedro Rocha, director do Departamento de Conservação da Natureza e Florestas do Alentejo, para saber quais as prioridades para 2018.

 

É no Vale do Guadiana que se concentram os esforços de conservação in-situ desta espécie de felino Em Perigo de extinção em Portugal. Pedro Rocha, director do Departamento de Conservação da Natureza e Florestas do Alentejo do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), contou ontem à Wilder quais as principais apostas para 2018.

 

WILDER: Quantos linces existem hoje no Vale do Guadiana?

Pedro Rocha: São 41 linces: 27 foram reintroduzidos, 16 já nasceram ali, dois vieram por si próprios da população selvagem de Doñana (Andaluzia) e quatro acabaram por morrer. No total há nove fêmeas com territórios. Este número de cerca de 40 linces é o resultado de alguma sorte e de muito trabalho. Temos feito um seguimento intenso, uma fiscalização preventiva – todas as semanas feitas por vigilantes da natureza para detectar armadilhas no terreno – e temos tido o apoio de quem está no território. E a população de coelho-bravo tem permitido manter a espécie e a sua reprodução. O que hoje se passa com o lince na Península Ibérica devia ser um caso de estudo; há muitas tentativas de reintrodução de carnívoros mas poucos são os casos de sucesso.

 

Malva e as suas crias. Foto: Técnico/ICNF/LIFE Iberlince

 

W: Como estão os animais de saúde?

Pedro Rocha: Segundo o esquema de monitorização no terreno estão todos bem de saúde. E, nesta época do ano, os linces estão na fase das cópulas, podendo já haver fêmeas gestantes. As primeiras crias devem nascer no final de Março.

 

W: Quais as prioridades para os trabalhos de conservação no terreno este ano?

Pedro Rocha: Queremos continuar o esforço de reintrodução para aumentar o número de fêmeas territoriais no Vale do Guadiana. Este é o indicador mais importante para o sucesso da reintrodução. Este ano serão reintroduzidos seis linces, tendo sempre em consideração os territórios já existentes e a contiguidade entre eles. Neste momento já foi libertado um desses seis animais. Outra prioridade para este ano é melhorar o seguimento que fazemos dos linces na natureza.

 

W: Todos os linces estão a ser monitorizados?

Pedro Rocha: De momento, temos 34 animais com registos de há menos de seis meses. Mas isto não significa que os restantes tenham desaparecido de vez; acontece que os perdemos de vista no nosso esquema de monitorização e seguimento. Uma das coisas que vamos fazer este ano é capturar as crias que nasceram em 2017 para lhes colocarmos as coleiras de seguimento. Outra das prioridades é conseguir um maior número de amostras para análise genética porque isso permitir-nos-á pensar bem que linces vamos reintroduzir e de onde vêem, em nome da variabilidade genética. Por exemplo, foi muito importante terem entrado dois linces vindos de Doñana (Nairobi e Mundo).

 

Foto: CNRLI/ Programa Ex situ/ICNF

 

W: E quanto à melhoria do habitat, o que está previsto fazer?

Pedro Rocha: Há uma série de medidas que já temos vindo a implementar e que são para continuar. Como a detecção de armadilhas no campo, a vedação de poços e outros locais onde os linces possam cair e a melhoria do habitat para o coelho-bravo. É importante, por exemplo, fazer sementeiras e pastagens permanentes, vedar prados, construir marouços (estruturas onde os coelhos se abrigam e reproduzem) e locais de abrigo e instalar pontos de água.

 

W: O coelho-bravo é uma peça-chave na conservação do lince.

Pedro Rocha: É fundamental. Se não o tiveres, não vale a pena. Até pode haver áreas aparentemente com melhor habitat mas sem coelho, mas aí o sucesso seria diferente. Não vale a pena avançar sem critério. O coelho foi a grande exigência por detrás das áreas seleccionadas até agora pelo projecto LIFE Iberlince.

 

W: E para quando novas áreas para reintrodução de lince-ibérico em Portugal?

Pedro Rocha: Já começámos a fazer uma análise prévia para a adequabilidade de outras áreas, que indique algumas ideias de futuro. Mas ainda estamos a começar, não será para este ano. Tanto mais que o lince já se distribuiu para fora da região de Mértola, como em Serpa e Castro Verde, e assumiu territórios que não seleccionámos. São zonas com interesse para os linces e com capacidade para os manter. Temos de ir percebendo os sinais que os linces vão dando. Estamos sempre a aprender.

 

Mel espreita viatura. Foto: Técnico/ICNF/LIFE Iberlince

 

W: O que se prevê para 2018 quanto aos acordos com proprietários e gestores locais?

Pedro Rocha: Hoje temos cerca de 20.000 hectares contratualizados, onde o contacto é constante. Mas acredito que essa área devia ser alargada. Será importante reafirmar os acordos já existentes em Mértola e começar a fazer o mesmo em Serpa e Castro Verde.

 

W: E como tem sido a reacção das pessoas nesses concelhos?

Pedro Rocha: As pessoas sabem que têm linces e, geralmente não temos tido resistência. Os responsáveis pelos terrenos onde os linces se instalaram já foram contactados e já instalámos várias câmaras de foto-armadilhagem.

 

W: O que tem mudado nas populações locais de Mértola nestes três anos de reintroduções de lince?

Pedro Rocha: Inicialmente as pessoas pensavam que o lince iria trazer problemas, que iria proibir a caça, as montarias, que o coelho iria desaparecer. Mas agora vêem que não é assim, que isso era uma falácia. Até sentem orgulho em ter esta espécie. O lince foi assimilado culturalmente. Hoje há um clube de fãs do lince, há produtos locais e de artesanato baseados no lince, há um grupo no Facebook, e corços de Carnaval dedicados ao lince. A espécie está também presente nas conversas, especialmente entre pessoas que viram o lince. Começa a fazer parte da identidade de Mértola.

 

W: E quais os maiores desafios para a conservação do lince em 2018?

Pedro Rocha: O veneno é um problema gravíssimo que ainda não desapareceu. É fundamental trabalhar este aspecto. Outro dos desafios é a discussão sobre o novo Programa de Desenvolvimento Rural, actualmente a decorrer. Este programa deve incentivar práticas que promovam o habitat do lince, do coelho, que garantam a manutenção do sistema agrícola, florestal. Isto é uma prioridade absoluta. As medidas agrícolas são fundamentais para garantir que no futuro haja melhores condições para conservar a natureza.

 

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Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.