Baleia. Foto: SeaEO Tours

Porque se veem tantas baleias fora de Lisboa?

No dia 26 de Junho de 2023 foi avistada e fotografada pela primeira vez uma baleia-sardinheira (Balaenoptera borealis) a três milhas náuticas da costa do Estoril a alimentar-se ao estilo skim-feeding, que consiste em alimentar-se de pequenos organismos à superfície e com o maxilar superior bem acima da água.

Além de ter sido a primeira vez que a espécie foi devidamente identificada nesta zona, é também uma baleia muito pouco estudada, provavelmente devido à sua baixa abundância e por estar classificada com o estatuto de conservação Em Perigo de extinção (Lista Vermelha).

Baleia. Foto: SeaEO Tours

Apesar de este exemplar ser ainda um “pré-adulto”, com apenas 10 a 12 metros, a espécie pode atingir cerca de 18 metros de comprimento na vida adulta. A baleia-sardinheira é considerada o terceiro maior cetáceo do mundo, em conjunto com o cachalote e a baleia-de-bossas.

Ainda que se trate de um avistamento raro junto ao rio Tejo, esta é uma espécie frequente nos Açores. A baleia manteve-se perto da zona durante dois dias, sendo observada sempre com o mesmo comportamento durante os passeios de barco da SeaEO Tours para observação de cetáceos em Lisboa.

Passado um mês, a 23 de Julho de 2023, foi avistada uma baleia-comum (Balaenoptera physalus), sendo que este é o segundo maior animal do mundo a seguir à baleia-azul. Mais concretamente, no canhão de Lisboa em frente à Fonte da Telha, Lagoa de Albufeira e Meco, estendendo-se para além do Cabo Espichel. Esta baleia encontrava-se entre uma centena de golfinhos-comuns e a nadar rumo a noroeste. Este indivíduo devia ter cerca de 16 a 18 metros.

Trata-se de uma espécie habitual na costa portuguesa e a sua identificação é relativamente fácil por apresentar uma mancha esbranquiçada sopra-ocular do lado direito. O avistamento foi tão emocionante que os 12 passageiros, acompanhados por dois biólogos marinhos, conseguiram registar o momento em vários avistamentos, sempre que a baleia vinha à superfície. É a mesma espécie do artigo anterior sobre “Baleias às portas de Lisboa”, e que apresenta um estatuto de conservação vulnerável na IUCN – União Internacional para a Conservação da Natureza.

Baleia. Foto: SeaEO Tours

No dia 20 de setembro de 2023, observámos também mais uma espécie que não é habitual nesta região entre o Cabo da Roca e o Cabo Espichel, sendo esse mais um marco histórico para a lista de espécies avistadas pela SeaEO Tours. Foram avistados dois indivíduos de baleia-de-bico, uma espécie de zífio (Ziphius cavirostris) que apresenta dentes na ponta dos maxilares, chega aos sete metros e vive em zonas com grandes profundidades. Esta espécie, apesar de tímida na presença de barcos, apresenta um estatuto de conservação menos preocupante. 

Até 30 de setembro, várias baleias-comuns foram avistadas por nós ao longo do Canhão de Lisboa, tendo sido iniciada a foto-identificação de cada indivíduo. Somando mais de 16 avistamentos ao longo de um mês e meio, houve um dia em que, entre barcos presentes na área, foram avistados pelo menos seis indivíduos de baleias-comuns.

Sabe-se que as baleias-de-bico costumam alimentar-se na costa portuguesa, como afirma o investigador Rui Peres dos Santos. Historicamente, a espécie teve um declínio gigantesco devido à caça, tendo por outro lado uma importância económica enorme durante uns anos na costa portuguesa entre o Cabo da Roca e Sines, com registos de capturas de mais de 800 baleias entre os anos 1925 e 1951. Tendo em conta que esta espécie pode viver para além dos 94 anos de idade e que desde 1981 a caça à baleia foi banida oficialmente em Portugal continental, possivelmente já podemos contar hoje com muito mais abundância de indivíduos pelas nossas águas.

Baleia. Foto: SeaEO Tours

A existência de barcos com licenças de Autorização para Observação de Cetáceos (AOC), atribuídas pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas em Lisboa e Cascais, duplicou desde 2021 para este ano. O facto de haver menor pressão da caça às baleias, dos indivíduos nascidos a partir de 1981 já serem considerados adultos, aliado à maior presença de pessoas embarcadas no mar naquela região do Canhão de Lisboa, permite concluir em termos não-científicos, contudo bastante seguros e analíticos, que este foi um ano de baleias.

Apesar de terem sido avistadas baleias com maior regularidade este ano, mais perto da costa naquela região, isso não implica que o seu alimento (sardinha, carapau, krill e outro zooplâncton) seja mais abundante. Aliás, pode também querer dizer que há depleção do alimento disponível, pois ali continua a haver muita pressão da pesca do cerco, o plástico à superfície é cada vez mais e infelizmente vão arrojando na nossa costa vários indivíduos com conteúdos estomacais assustadores. É por isso que devemos continuar a lutar pela educação e sensibilização ambiental, por promover a sustentabilidade das atividades económicas e para recolher o máximo de lixo marinho possível durante os passeios nas embarcações Ecoturísticas com a Bandeira Azul.


Sobre o autor

Sidónio Paes é biólogo marinho e sócio-gerente da empresa SeaEO Tours.