Foto: K.vliet/Wiki Commons
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O que procurar no Inverno: o aderno

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Carine Azevedo fala-nos sobre esta planta da mesma família da oliveira e do freixo-comum, que floresce por estes dias e é um motivo de destaque para Portugal.

O aderno (Phillyrea latifolia), também conhecido por aderno-de-folhas-largas, já está em flor.

Muito usado no passado como árvore ornamental, o aderno foi substituído por espécies de origens mais exóticas a partir do final do século XIX, tendo gradualmente vindo a recuperar o seu lugar nos jardins portugueses nas últimas décadas.

Sabia que o maior adernal do mundo está em Portugal? Venha descobrir onde.

Género Phillyrea

O aderno é uma planta da família Oleaceae, a mesma a que pertencem algumas espécies nativas bem conhecidas, como o zambujeiro (Olea europaea subsp. europaea var. sylvestris), a oliveira (Olea europaea subsp. europaea var. europaea), o jasmim-do-monte (Jasminum fruticans), o freixo-comum (Fraxinus angustifolia) e o alfeneiro (Ligustrum vulgare).

Foto: Zeynel Cebeci/Wiki Commons

Pertencente ao mesmo género botânico, o lentisco ou aderno-de-folhas-estreitas (Phillyrea angustifolia) também ocorre de forma espontânea nas florestas nacionais.

O aderno-de-folhas-largas (Phillyrea latifolia) e o aderno-de-folhas-estreitas (Phillyrea angustifolia) são as únicas espécies reconhecidas mundialmente como pertencentes ao género Phillyrea e estão ambas presentes no território nacional.

O nome do género Phillyrea deriva do grego “philyra”, nome originalmente usado para designar a tília, e que mais tarde serviu para nomear as espécies deste género. Alguns autores referem ainda que o termo genérico também poderá derivar da palavra grega “phyllon” = folhas, pela folhagem brilhante que estes arbustos ou pequenas árvores possuem.

Já o restritivo específico latifolia deriva da combinação de dois termos latinos: “latus” que significa “largo” e “folium” = folha, por possuir folhas mais largas que a outra espécie do género (Phillyrea angustifolia).

Os ingleses conhecem esta espécie como ‘green olive tree’ (oliveira-verde), ‘mock privet’ (ligustro simulado) ou ‘evergreen privet’ (ligustro perene).

O aderno

O aderno é um arbusto ou pequena árvore que pode atingir, habitualmente, até três a oito metros de altura, podendo no entanto, em casos excepcionais, atingir até 15 metros.

Possui uma copa densa e arredondada e é bastante ramificado desde a base. Os ramos mais jovens estão cobertos de pêlos. Tem uma casca mais ou menos lisa dependendo da idade, de cor cinza acinzentada.

As folhas são persistentes, simples e opostas, coriáceas, verde-escuras na parte superior e prateadas na inferior. São sésseis ou de pecíolo muito curto, geralmente tomentoso na base, raramente glabro.

O aderno apresenta dimorfismo foliar, as folhas dos ramos ou plantas jovens são arredondadas a ovado-cordiformes, de margem serrada e quase espinhosa. As folhas adultas são ovado-elípticas ou ovado-lanceoladas, de margem finamente serrada ou inteira.

Foto: K.vliet/Wiki Commons

A floração desta espécie ocorre ao longo do inverno, prolongando-se para os meses da primavera, entre janeiro e abril.

As flores surgem agrupadas em inflorescências muito curtas, na axila das folhas. São pequenas, perfumadas, hermafroditas ou funcionalmente masculinas, possuem brácteas protetoras e pedicelos curtos. O cálice é campanulado, curto, amarelado e com quatro segmentos triangulares. A corola é composta por quatro pétalas em estrela, branco-esverdeadas.

O fruto é uma drupa globosa, apiculada, do tamanho de uma ervilha. Possui uma cor creme na fase inicial de formação, tornando-se depois avermelhado e mais tarde azul-escuro a negro, quando maduro. Cada fruto contém uma a duas sementes esféricas, muito pequenas, granulosas, acastanhadas e lisas. A maturação dos frutos ocorre no outono, a partir dos meses de setembro a outubro.

Distribuição nativa

O aderno ocorre naturalmente no Sul da Europa, nomeadamente na região mediterrânica, incluindo as ilhas do mar Mediterrâneo e do mar Egeu, no Noroeste de África e no Sudoeste Asiático.

Foto: Krzysztof Golik/Wiki Commons

Em Portugal é frequente um pouco por todo o território continental, ainda que seja mais facilmente encontrado nas regiões da Beira Litoral, Estremadura, Alentejo Litoral e Algarve. É menos comum ou mesmo ausente nas províncias do Norte e do Interior de todo o território nacional, excepto as regiões do Vale do Douro e as zonas montanhosas.

Por outro lado, não há registo da sua presença nos arquipélagos da Madeira e dos Açores.

O aderno é uma planta de plena luz, xerófila, que aprecia os verões quentes e os invernos suaves, sem geadas intensas. Suporta pontualmente temperaturas negativas e também tolera a exposição marítima, ainda que não tolere muito o vento forte.  

A nível edáfico, suporta todo o tipo de substratos, incluindo os solos pobres, ainda que prefira solos com pH ácido a neutro, húmidos e bem drenados. Ocorre em zonas de matos e matagais xerofílicos, em bosques perenifólios, nomeadamente em azinhais, sobreirais e em carvalhais.

É uma planta de longa longevidade, superior a 400 anos, e de crescimento lento: cresce cerca de dois metros em dez anos.

Ecologicamente importante

Os frutos do aderno não são comestíveis para os humanos, mas são muito apreciados pelos pássaros em geral, que também desempenham um papel fundamental na dispersão das suas sementes.

O pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula) e a toutinegra-de-barrete-preto (Sylvia atricapilla), por exemplo, que se alimentam dos frutos de aderno durante o outono e a primavera, são passeriformes frugívoros e dois dos maiores dispersores de sementes da região mediterrânica.

Foto: SABENCIA Bertu Ordiales/Wiki Commons

Estas aves são atraídas pela cor negra ou azul-escura dos frutos maduros, alimentando-se destes numa época do ano em que é mais escassa a presença de alimento.

Habitualmente, estas aves ingerem os frutos inteiros, defecando ou regurgitando as sementes intactas, apoiando assim a dispersão. No entanto, em alguns casos, podem ser predadores de frutos alimentando-se apenas da respectiva polpa ou até mesmo das suas sementes, mas sem apoiar a disseminação das mesmas.

O aderno também serve de abrigo para outras espécies, nomeadamente a toutinegra-dos-valados (Sylvia melanocephala).

Pela grande quantidade de pólen e néctar que produz, as suas flores são bastante atrativas para os insetos polinizadores, ainda que não seja essa a principal fonte de polinização desta espécie. A polinização do aderno é essencialmente anemófila, ou seja, o pólen é transportado a longas distâncias pelo vento.

Esta espécie possui um papel importante na recuperação de áreas degradadas, sendo muito comum em trabalhos de reflorestamento, em áreas com vegetação tipicamente mediterrânica.

No mundo inteiro, não existem muitos adernais. Mas na Mata Nacional do Buçaco podemos encontrar um bosque de aderno com cerca de 15 hectares, que é uma autêntica relíquia da floresta portuguesa. Um património histórico e natural único, que remete para a floresta primitiva e que é composto por adernos magníficos, de grande porte arbóreo e de troncos retorcidos de rara beleza. 

Na Mata Municipal do Bombarral também é possível observar alguns espécimes seculares desta espécie, também eles com troncos retorcidos e sulcados, com mais de 15 metros de altura.

Ornamental, medicinal e não só…

O aderno é uma das espécies mais típicas do maquis mediterrânico e é frequentemente cultivada para fins ornamentais, em parques e jardins. É uma planta muito resistente à poluição atmosférica das cidades, onde é usualmente utilizado em sebes ou topiária, também pela sua grande resistência às podas.

Foto: Zeynel Cebeci/Wiki Commons

Os espécimes que atingem porte arbóreo formam uma copa bastante interessante, o que torna esta espécie esteticamente mais interessante para jardins.

Esta pequena árvore, sempre-verde, pode ser plantada de forma isolada ou combinada com muitas outras pequenas árvores, arbustos e herbáceas para criar uma paisagem interessante e atraente. O azevinho, a cerejeira e o medronheiro são algumas das espécies que o complementam bem e criam uma paleta de cores contrastantes. 

A madeira desta espécie é dura e compacta, de cor clara, e muito utilizada em marcenaria e tornearia. Embora difícil de trabalhar, a madeira de aderno foi, outrora, muito utilizada na construção de carroças e carriolas. Mas a utilização mais comum é para combustível, uma vez que fornece carvão de boa qualidade.

No passado, o aderno foi usado como porta-enxerto para a oliveira, o que conferia a esta última maior rusticidade e resistência – daí em alguns países da Europa ser vulgarmente conhecido como ‘green olive tree’ (oliveira-verde). A casca servia para tingir tecidos, conferindo-lhes uma cor amarelada.

Além do interesse ornamental e da utilidade da madeira, o aderno é também uma planta rica em propriedades medicinais, como anti-inflamatória, diurética, adstringente e cicatrizante. Na medicina popular, as suas folhas e frutos são usados no tratamento de úlceras e inflamações da boca e no controlo de febres.

É comum o seu uso como diurético, além de ajudar no tratamento da icterícia, na prevenção do envelhecimento precoce e no fortalecimento do sistema imunológico. 

Aderno ou aderno-bastardo

O aderno (Phillyrea latifolia) é passível de ser confundido com uma outra espécie, o sanguinho-das-sebes ou aderno-bastardo (Rhamnus alaternus), pois têm muitas semelhanças morfológicas, além de viverem em habitats comuns.

Aderno-bastardo. Foto: Júlio Reis/Wiki Commons

As principais características que distinguem estas duas espécies são as folhas e o tronco. A inserção das folhas do aderno é oposta, enquanto que é alternada no aderno-bastardo. O tronco do aderno é retorcido e sulcado e o do aderno-bastardo é relativamente liso e de pequenas dimensões.

Se tiver oportunidade, visite a Mata Nacional do Bussaco e procure o adernal. Deslumbre-se com este habitat mágico, uma verdadeira relíquia da floresta, de beleza ímpar. Talvez um dos espaços que mais me encantou quando o visitei pela primeira vez.


Dicionário informal do mundo vegetal:

Sésseis – as folhas não possuem pecíolo (haste de suporte), inserindo-se diretamente no caule.

Glabro – sem pêlos.

Dimorfismo foliar – as folhas possuem formas diferentes. O mesmo que biforme ou dimórfico.

Ovada – folha com a forma de um ovo, mais larga perto da base.

Cordiforme – folha com forma de coração.

Elíptica – folha com uma forma que lembra uma elipse, mais larga no meio e com o comprimento duas vezes a largura.

Lanceolada – folha com forma de lança.

Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).

Bráctea – folha modificada, localizada na base da flor, que a protege enquanto está fechada.

Pedicelo – “pé” que sustenta a flor.

Cálice – conjunto das peças florais de proteção externa da flor – sépalas, frequentemente verdes.

Campanulado em forma de sino invertido.

Corola – conjunto das pétalas que protegem os órgãos reprodutores da planta (os estames e o pistilo).

Drupa – fruto carnudo que contém uma a duas sementes.

Xerófila – planta adaptada aos climas secos, a períodos de seca mais ou menos prolongada. Que consegue viver com pequenas quantidades de água.  

Perenifólia – de folha persistente ou folha perene. Árvore ou arbusto que mantém as folhas verdes ao longo de todo o ano, fazendo a sua renovação gradual sem que fique despida.

Maquis – formação vegetal da região do Mediterrâneo, constituída predominantemente por arbustos, formando uma vegetação densa e fechada.


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

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