Foto: Marija Gajić/Wiki Commons
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Para procurar no Inverno: o freixo

São muitas as plantas que estão na origem dos nomes de aldeias e vilas do nosso país. A toponímia assume particular importância na preservação da memória e da identidade cultural.

Revela a percepção que as pessoas de uma determinada região têm sobre esse território, perpetuando nomes, as relações entre os homens e esses territórios, as transformações ocorridas ao longo dos tempos na evolução geral da sociedade e das paisagens, etc.

As designações toponímicas associadas a nomes de espécies vegetais – fitotoponímia – revelam que num determinado momento, ao longo dos séculos, uma determinada planta se destacou naquela região. 

As espécies que possuem maior número de designações toponímicas são tipicamente árvores de pequeno porte, muitas delas com floração e frutificação atraentes. Possuem uma ampla distribuição no continente e apresentam múltiplas utilizações, que fazem parte das tradições culturais e religiosas de muitos locais.

O freixo (Fraxinus angustifolia) é uma dessas espécies, cujo nome está associado aos nomes de vilas e aldeias de Portugal. Por exemplo, Freixo, no distrito de Viana do Castelo, Freixo de Espada à Cinta, no distrito de Bragança e Santa Maria do Freixo, no distrito do Porto. 

O freixo

Esta espécie, também vulgarmente conhecida como freixo-de-folha-estreita ou freixo-comum, é uma planta nativa da família das Oleaceae, a mesma a que pertence a oliveira. É uma árvore bastante robusta e resistente, de rápido crescimento, e que pode viver até aos 200 anos de idade.

É uma árvore caducifólia, de porte mediano, que pode alcançar os 20 metros de altura, com uma copa ampla, colunar e densa. O tronco desta espécie é bastante característico, sobretudo nos exemplares mais velhos. A casca é cinzenta, espessa, rugosa, bastante fendida, com fissuras profundas e estreitas e com uma forma muito próxima de pequenos losangos. Ao longo do tronco é visível a presença de lentículas claras – zonas do tronco onde a casca é mais porosa e através das quais penetra o ar, permitindo as trocas gasosas com o exterior.

Foto: Bidgee/Wiki Commons

As folhas são compostas, sem pelos, com 3 a 7 folíolos estreitos, ligeiramente lanceolados e com margem serrada, sendo um deles o terminal. São de cor verde brilhante escuro na página superior, e nus (sem pelos) na página inferior. As folhas surgem tardiamente, após o aparecimento de flores.

As flores são hermafroditas ou unissexuais. São nuas – não apresentam pétalas nem sépalas – e surgem em inflorescências dispostas em panícula, ou seja, estruturas semelhantes a pequenos cachos. A floração ocorre entre janeiro e abril e as flores nuas podem apresentar tons verdes ou vermelhos.

Os frutos, sâmaras glabras e achatadas, de forma elíptica, com a ponta pontiaguda, possuem uma asa que facilita a sua disseminação. Encontram-se em pequenos grupos pendentes e são verde-amarelados quando jovens, tornando-se castanhos na maturação, que ocorre anualmente no final do verão.

Foto: Luis Fernández García/Wiki Commons

A designação científica do freixo está associada às suas características morfológicas, muito em particular das suas folhas. O nome do género Fraxinus é o nome clássico do freixo, e pela herança greco-latina deriva de “fraxus” que significa sebe – árvore adequada para formar sebes. A designação angustifolia deriva do latim e significa “folha fina e estreita”.

Espécie ribeirinha

É uma espécie originária da zona oeste do Mediterrâneo, distribuindo-se naturalmente por toda a Europa e Norte de África. Em Portugal, o freixo cresce de forma espontânea e pode ser visto em território nacional. 

Os freixos fazem parte da floresta ribeirinha e são frequentemente encontrados nas zonas altas das margens dos cursos de água, ocasionalmente inundáveis durante curtos períodos de tempo, onde podem formar galerias rípicolas em associação com outras espécies ribeirinhas, nomeadamente choupos, salgueiros, ulmeiros e amieiros. Também são comuns nas zonas da base de vales com nível freático elevado, em bosques frescos e sombrios, na margem de pastagens permanentes seminaturais – lameiros (terrenos frescos e com alguma humidade), em planícies inundáveis e em matas caducifólias.

Foto: Marija Gajić/Wiki Commons

Estas são árvores de plena luz, tolerantes às oscilações de temperatura, que precisam de humidade ambiental constante e abundante. Manifestam uma certa indiferença ao tipo de solo, embora prefiram solos frescos e arenosos, com alguma humidade e com níveis normais de húmus, sendo indiferentes ao pH. São muito resistentes ao frio, aos ventos e tolerantes à poluição atmosférica. Não resistem à secura e não é comum encontrarem-se próximas das zonas costeiras.

Muitas das formações vegetais ribeirinhas que ocorrem em Portugal, e que incluem esta e outras espécies rípicolas, são atualmente consideradas de interesse comunitário pela Diretiva Habitats – Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens. 

Estas comunidades rípicolas, bem conservadas e estruturadas, desempenham um papel fundamental na proteção e sobrevivência de muitas espécies animais e vegetais. Algumas espécies herbáceas e arbustivas apenas aí se conseguem desenvolver e são inúmeros os animais terrestres e aquáticos que dependem destes locais como fonte de alimento e de abrigo. 

As extensas raízes do freixo desempenham também uma importante função ecológica de fixação e manutenção das margens: contribuem para a sustentação e suporte dos terrenos, não permitindo a erosão do solo, bem como para a regularização e retenção de águas em picos de cheia.

Árvore com história

O freixo-de-folhas-estreitas possui um elevado interesse ornamental, sendo frequentemente encontrado em jardins e parques, muitas vezes próximos de linhas de água. É também muito utilizado pela sua madeira, que apresenta uma tonalidade clara e tem aplicação em cabos de ferramentas, em marcenaria, carpintaria e na construção, devido à sua resistência, elasticidade e tenacidade. Produz lenha de qualidade.

As suas folhas possuem grande interesse ornamental, e tal como acontece com outras espécies do género Fraxinus, constituem uma boa fonte de alimentação animal, sendo utilizadas para forragem. As folhas, a casca e as sementes são tradicionalmente utilizadas na medicina popular para o combate à febre e cicatrização de feridas.

Foto: Mª África/Wiki Commons

Envolto de simbologia e misticismo, o freixo foi considerado, por Celtas e Gregos, uma espécie detentora de grande poder energético. Era costume as grandes decisões serem tomadas à sombra de um freixo. Estava associada à renovação e à ressurreição, sendo considerada a árvore da vida, pois as suas longas raízes estendiam-se pela terra e por atingir alturas elevadas fazia a ligação entre a terra e o céu.

Os druidas consideravam-na fonte da cura e protetora das crianças. Quando uma criança adoecia, obrigavam-na a passar através de buracos de velhos freixos, para se curar.

Em Portugal, também existem algumas histórias curiosas a ele associadas. Segundo a lenda, D. Dinis, rei de Portugal, terá adormecido à sombra de um frondoso freixo e, durante o sono, a árvore ter-lhe-á dito como deveria gerir Portugal.

São mais de vinte as povoações portuguesas cuja toponímia está relacionada com o freixo. Freixo de Numão, Freixial, Freixianda, Freixieiro, são alguns desses exemplos. Numa próxima viagem por Portugal, esteja atento e descubra tantos outros nomes associados a mais uma árvore com história(s).  


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.


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