Organismos que habitam a zona mesopelágica do oceano, entre os 200 e os 1000 metros de profundidade. Foto: Drazen et al., 2019

Mineração em mar profundo: Cientistas comprovam que há animais muito afectados nessas zonas

Um estudo realizado no Japão, após experiências com a mineração oceânica de cobalto, concluiu que tanto no local como à volta houve uma redução da fauna, em especial de peixes e crustáceos.

Uma equipa internacional de cientistas investigou quais foram os efeitos ambientais de uma experiência de extracção de cobalto em mar profundo, realizada em 2020 no Japão, um ano depois. Os resultados, que apontam para impactos muito negativos sobre os animais oceânicos, foram publicados pela revista científica Current Biology.

Os investigadores concluíram que “as áreas directamente exploradas se tornaram menos habitáveis para os animais do oceano”, mas também que “a mineração também criou uma pluma de sedimentos que se pode espalhar na água em redor”, explica uma nota de imprensa sobre o estudo.

Esta foi a primeira experiência bem sucedida de mineração realizada no Japão. O cobalto é um minério utilizado nas baterias dos carros eléctricos e um dos recursos que mais despertam a atenção das companhias que pretendem explorar os recursos do mar profundo, tal como o chumbo e o manganésio.

Travis Washburn, primeiro autor deste estudo e investigador ligado ao Geological Survey of Japan, sublinha que “é muito importante que esta informação seja conhecida”, uma vez que estão em curso negociações para que em breve sejam definidas as regras que se vão aplicar à mineração oceânica, a nível internacional. Esta regulamentação está nas mãos da ISA – International Seabed Authority (em português, Autoridade Internacional para o Leito Marinho), composta por 167 Estados-membros e pela União Europeia.

No último sábado, o ministro português da Economia e do Mar anunciou que Portugal votou contra a mineração em mar profundo, no âmbito das negociações em curso na ISA. “Temos que fazer uma pausa precaucionária e penso que somos acompanhados por múltiplos países no mundo e, portanto, o que exigimos é a clarificação do quadro regulamentar e sobretudo o desenvolvimento de maiores atividades na área da investigação científica, do conhecimento científico, prevendo todas as lacunas, preenchendo todas as lacunas que existem”, adiantou António Costa e Silva, citado pela Lusa.

No estudo científico agora publicado pela revista Current Biology, os quatro cientistas envolvidos analisaram a informação recolhida um mês antes das operações no local onde foi extraído cobalto, um mês depois e um ano depois. Das três vezes, após uma viagem de barco que demorou sete dias depois da saída do porto, um veículo operado remotamente foi lançado pela equipa e fez filmagens em vídeo debaixo de água, no local.

Um ano após os trabalhos de mineração, os investigadores observaram uma quebra de 43% na densidade de peixes e de crustáceos na zona directamente afectada pela poluição provocada pelos sedimentos. Mas mais do que isso, registaram uma descida de 56% da densidade destes dois grupos de animais nas áreas em redor. “Embora existam várias explicações possíveis para esta descida nas populações de peixes, a equipa considera que tal se deve à contaminação das fontes de alimento dos peixes pelo teste de mineração”, adianta a nota de imprensa.

Por outro lado, não foram observadas grandes alterações em animais menos móveis, como esponjas e corais, mas os investigadores acrescentam que o teste em causa durou apenas duas horas, pelo que uma operação mais prolongada poderá afectar igualmente essas espécies.

“Tinha assumido que não veríamos qualquer mudança porque o teste de mineração foi tão pequeno. Utilizaram a máquina durante duas horas e a pluma de sedimentos deslocou-se apenas algumas centenas de metros”, indicou ainda Travis Washburn. “No entanto, isso foi suficiente para mudar as coisas.”

Segundo a equipa, este estudo terá de ser repetido várias vezes para haver um conhecimento mais aprofundado sobre os efeitos das operações de mineração no fundo do oceano. Idealmente, deveriam ser recolhidos dados num local ao longo de vários anos antes que aí fosse realizado um teste de mineração, para os cientistas poderem ter em conta quaisquer alterações que aconteçam naturalmente nas comunidades de animais dessa zona.

“Vamos ainda assim precisar de mais informação, mas este estudo coloca em destaque uma área que precisa de mais atenção”, afirmou ainda o mesmo investigador. “Vamos ter de analisar este assunto num nível mais abrangente, porque estes resultados sugerem que o impacto da mineração no mar profundo podem ser maiores do que pensávamos.”


Saiba mais.

Releia aqui a entrevista dada por Sian Owen, directora da Deep Sea Conservation Coalition, sobre a mineração em mar profundo, realizada aquando da Conferência dos Oceanos da ONU em Lisboa.


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Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.