Joana Xavier. Foto: D.R.

Nova espécie de esponja marinha das Canárias tem o nome de investigadora portuguesa

A esponja Caminus xavierae, agora descrita pela primeira vez para a Ciência, recebeu o nome da investigadora portuguesa Joana Xavier, uma homenagem ao seu “trabalho e liderança na investigação sobre as esponjas do mar profundo”, segundo os investigadores responsáveis pela descrição.

Quando Joana Xavier mergulhou na Gruta Agua Dulce, em Tenerife, Ilhas Canárias, a 15 de Janeiro de 2007 estava longe de imaginar que iria encontrar uma nova espécie. E muito menos que esta iria receber o seu nome.

Mas lembra-se bem desse dia.

“Lembro-me muito bem porque, apesar de nessa altura mergulhar imenso para recolher amostras para o meu doutoramento, não era costume fazer mergulhos em grutas”, explicou à Wilder a investigadora do CIIMAR (Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental), da Universidade do Porto.

Joana Xavier. Foto: D.R.

“Este mergulho em específico foi feito precisamente para recolher um exemplar daquela que julgávamos ser Caminus vulcani, a pedido do meu colega Paco Cárdenas [último autor do artigo] que na altura também estava a fazer o seu doutoramento sobre a sistemática e evolução deste grupo taxonómico. Na altura, haviam muito poucos registos dessa espécie na literatura, mas sabíamos que tinha sido reportada para esta gruta em concreto num trabalho de um investigador espanhol [Tomás Cruz em 2002]. Eu pessoalmente não voltei a pensar muito mais nisto, e foi apenas agora, passados vários anos e no seguimento da recolha de novas amostras nas Baleares que o Júlio e o Paco perceberam que afinal esta amostra correspondia na realidade a outra espécie que agora puderam descrever”, contou.

A descrição da Caminus xavierae faz parte de um artigo publicado a 4 de Março na revista PeerJ – Life and Environment – assinado pelos investigadores Julio A. Díaz, Francesc Ordines, Enric Massutí e Paco Cárdenas – que descreveu outras sete novas espécies de esponjas das grutas e montes submarinos das ilhas Baleares, arquipélago constituído por quatro ilhas principais e vários ilhéus.

A fauna das esponjas do Mediterrâneo Ocidental é uma das mais estudadas do mundo. Ainda assim, pouco se sabe sobre este grupo de animais da região das Ilhas Baleares. Este trabalho, que se focou nas esponjas marinhas da Ordem Tetractinellida (da qual se conhecem 1180 espécies em todo o mundo), incluiu várias expedições entre 2016 e 2021 em vários ecossistemas das Ilhas Baleares, incluindo grutas a pouca profundidade e montes submarinos, entre os 0 e os 725 metros de profundidade.

Foram analisadas 174 amostras pertencendo a 36 espécies, a maioria da família Geodiidae (15 espécies). 

Oito espécies deste estudo são novas: Stelletta mortarium, Penares cavernensis, Penares isabellae, Geodia bibilonae, Geodia microsphaera e Geodia matrix das ilhas Baleares; Geodia phlegraeioides e Caminus xavierae do Atlântico Nordeste. 

“Os autores estavam inicialmente interessados em estudar as esponjas tetractinellidas das ilhas Baleares no Mediterrâneo e é comum comparar com amostras de outros locais. E foi aí que descobriram que esta amostra recolhida por mim em Tenerife há vários anos não se tratava de Caminus vulcani, como se inicialmente pensava mas sim uma nova espécie bastante parecida”, explicou Joana Xavier. 

A Caminus xavierae, cujo holotipo está depositado no Museu de História Natural de Leiden (Países Baixos), “é uma esponja em forma de almofada de cor castanha clara que possui um ósculo central (por onde sai a água) com margens elevadas e inúmeros poros mais pequeninos (por onde entra a água) que formam um padrão estrelado na superfície da esponja”, descreveu a investigadora à Wilder.

Caminus xavierae. Imagem: Cruz, T. (2002). Esponjas marinas de Canarias. Consejería de Política Territorial y Medio Ambiente del Gobierno de Canarias. S/C Tenerife. 260 pp. 

“Os elementos estruturais que constituem o seu esqueleto são espículas siliciosas com morfologias distintas; as de maiores dimensões são estrôngilos e ortotrienas e as menores são esterrasters, oxyasters e esferulas que formam um córtex (uma espécie de casca) superficial.”

A Caminus xavieare é a quarta espécie do género Caminus no Atlântico, depois da C. carmabi, C. sphaeroconia e da C. vulcani.

“Para já, esta espécie só é conhecida desta gruta em específico pelo que seria importante perceber quão restrita é a sua distribuição”, salientou Joana Xavier.

Segundo os autores do artigo, esta espécie “recebeu o nome da bióloga especializada em esponjas por esta ter recolhido a espécie nas Ilhas Canárias e pelo seu trabalho e liderança na investigação sobre as esponjas do mar profundo”.

Para Joana Xavier, “é obviamente uma grande honra termos uma espécie cujo nome nos é dedicado”, ainda que “atribuir o nome de alguém a uma espécie é uma prática relativamente comum entre a comunidade de taxonomistas”. “É uma forma de homenagear alguém que admiramos e/ou achamos que tem feito contribuições importantes neste campo do conhecimento, que é tão importante e no entanto tão pouco valorizado.” 

Na verdade, esta é a terceira vez que lhe dedicam o nome de uma esponja marinha. “A primeira – Calthropella (Calthropellaxavierae van Soest, Beglinger & de Voogd, 2010 – foi-me dedicada pelo meu orientador de doutoramento, o dr. Rob van Soest do Museu Zoológico de Amesterdão, que é uma referência a nível mundial da taxonomia de porifera; e a segunda – Hymedesmia (Hymedesmiaxavierae Goodwin, Picton & van Soest, 2011 – um ano mais tarde por uma colega irlandesa que tem vindo a fazer um trabalho extraordinário também neste grupo.” 

Actualmente são conhecidas cerca de 350 espécies de esponjas em águas portuguesas. “No entanto, para a vasta maioria ainda sabemos muito pouco sobre a sua distribuição espacial, a sua biologia e ecologia”, comentou a investigadora. “Isto porque uma grande parte destas espécies foram descritas há mais de 100 anos e encontram-se em zonas de mar profundo (entre os 200-5000 metros de profundidade) o que torna o seu estudo um grande desafio.”

“Mas em anos recentes temos dados passos importantes no sentido de melhor conhecermos esta fauna de águas mais profundas.”

Joana Xavier explicou que “as esponjas são organismos estruturantes dos habitats bentónicos, quer do ponto de vista físico, por criarem estruturas tridimensionais que servem de abrigo a muitas espécies, quer do ponto de vista do papel que desempenham na reciclagem de nutrientes e na passagem de energia ao longo da cadeia trófica, ligando também os domínios bentónicos e pelágicos do oceano”.

“Existem locais onde as esponjas constituem mais de 90% da biomassa bentónica, formando aquilo a que chamamos campos, agregações ou recifes de esponjas. E tipicamente estes habitats são considerados hotspots de biodiversidade e de funcionamento.”

Mas há mais. “As esponjas têm um enorme potencial biotecnológico como fonte de recursos genéticos, produtos naturais marinhos, biomateriais e bio-inspiração com inúmeras aplicações, por exemplo no desenvolvimento de novos fármacos ou compósitos para medicina regenerativa; ou no desenho de novas estruturas na áreas da engenharia/arquitetura; e até no desenvolvimento de cabos de fibra óptica tão usados na área das comunicações”.

Neste momento, a equipa coordenada por Joana Xavier no CIIMAR está a estudar os padrões de diversidade, distribuição e conectividade de espécies e habitas bentónicos de mar profundo, e particularmente os que são dominados por esponjas marinhas.

Neste momento têm a decorrer vários projetos. Um deles é o desenvolvimento de uma base de conhecimento sobre as esponjas (e corais) da plataforma e talude de Portugal continental, em colaboração com comunidades piscatórias locais – o DEEPbaseline. Este projecto foi financiado pela Fundação Oceano Azul no âmbito do Fundo para a Conservação dos Oceanos e conta também com parceiros das Universidades de Aveiro e dos Açores, e do Instituto Português do Mar e Atmosfera.

Outro dos projectos em curso é o SponBIODIV, “bastante mais amplo, em que pretendemos identificar os principais hotspots de biodiversidade de espécies e habitats de esponjas em todo o Atlântico e Mediterrâneo”. Este projeto conta com 10 parceiros de nove países e foi financiado no âmbito da Parceria Europeia para a Biodiversidade (Biodiversa+) com co-financiamneto de várias entidades nacionais (no caso de Portugal, a Fundação para a Ciência e Tecnologia).

“Mas dentro de alguns meses começaremos outros três projectos que permitirão expandir estes estudos, nomeadamente para o desenvolvimento e aplicação de metodologias de baixo custo para melhor mapear, monitorizar e até restaurar estes habitats. Ainda há muito trabalho a fazer!”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.