Foto: Paulo Valdivieso/Wiki Commons

Novo aeroporto: Queixa contra o Estado português por violação de acordo internacional

A Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves e dois investigadores entregaram uma queixa contra o Estado português acusando-o de violar o AEWA, acordo internacional que protege 255 espécies de aves aquáticas migratórias.

 

Em causa estão os efeitos negativos da eventual construção de um novo aeroporto no Montijo para muitas aves migradoras que usam o Estuário do Tejo como ponto importante de alimento e refúgio. A declaração de impacte ambiental final é emitida pela Agência Portuguesa do Ambiente esta terça-feira, dia 21.

“No meu entender as questões ambientais são muito mais importantes que o lucro financeiro temporário criado à custa de património natural que não é recuperável”, sublinha José Alves, investigador do CESAM – Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (Universidade de Aveiro) que subscreve a queixa, juntamente com a SPEA e uma investigadora do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (ISPA).

“Esta opção [do Montijo] poderá eventualmente ser a mais rápida e até mais barata em termos de custos contabilizados para o Estado, porque quem acarreta os custos da obra é a ANA, mas quem perde o valor ecológico com esta obra é Portugal e os portugueses e não uma empresa privada, sendo que esse custo não é contabilizado”, acrescenta.

Portugal é um dos membros signatários do AEWA – African-Eurasian Waterbird Agreement (Acordo para a Conservação das Aves Aquáticas Migratórias África-euroasiáticas), juntamente com a União Europeia e outros 78 países, e por isso tem de cumprir com as suas resoluções. Este acordo intergovernamental cobre 225 espécies de aves dependentes de zonas húmidas. Faz parte da Convenção das Espécies Migratórias  e é administrado pelo UNEP – Programa das Nações Unidas para o Ambiente.

Em causa nesta queixa estão as críticas lançadas pela SPEA e por especialistas em aves migradoras, incluindo José Alves, à forma como se realizou o estudo de impacte ambiental, a cargo da ANA Aeroportos. Esta empresa é responsável pelo financiamento, construção e gestão do futuro aeroporto.

Por um lado, acusam, ao emitir uma declaração de impacte ambiental, mesmo que venha a ser condicionada, “o Estado português não está a assegurar uma avaliação de base estabelecida a partir do melhor conhecimento disponível da ecologia destas aves”.

“Os dados apresentados sobre a perda de habitat das aves aquáticas migradoras são desactualizados (têm mais de 15 anos) e nalguns casos dizem respeito a apenas uma das espécies (tendo sido identificadas no próprio estudo de impacto ambiental pelo menos 29)”, acusa o investigador do CESAM, que critica também o facto de se aplicar “de forma errada um modelo de perturbação do ruído sobre as aves que subestima de forma muito relevante a área afectada”.

Outras lacunas que aponta ao EIA dizem respeito à análise dos problemas provocados pela actividade humana na construção e exploração do aeroporto. É que os dados apresentados contêm “informação sobre a perda de habitat das aves aquáticas migradoras apenas sobre o período de invernada e absolutamente nada sobre os períodos migratórios, durante os quais o Estuário do Tejo tem um papel muito relevante.”

Caso a queixa avance, o Estado português vai receber uma carta da estrutura do AEWA a averiguar se está a ser cumprido o acordo que assinou em 2004. “Creio que Portugal poderá ter de convidar representantes ligados à AEWA a visitarem o projecto e apresentar provas de que realmente cumpre o dito acordo”, avança o investigador, lembrando que esse processo poderá reforçar uma nova queixa junto de Bruxelas.

 

[divider type=”thin”]Saiba mais.

Conheça em pormenor quais poderão ser os efeitos sobre as aves com a construção de um aeroporto no Montijo, nesta entrevista de José Alves à Wilder. 

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Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.