Limpeza de casco de embarcação de vegetação e moluscos. Foto: IPBES

Peritos alertam que há mais de 3500 espécies exóticas invasoras nocivas no mundo

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As espécies exóticas invasoras, uma das maiores ameaças mundiais à biodiversidade, têm um papel crucial em 60% das extinções de plantas e animais, alerta a avaliação sobre estas espécies mais exaustiva realizada até ao momento.

Existem hoje mais de 37.000 espécies exóticas no mundo, uma estimativa prudente e que cresce a um ritmo sem precedentes, alerta o relatório que faz a avaliação sobre as espécies exóticas invasoras e o seu controlo, aprovado a 2 de Setembro em Bona (Alemanha) por representantes dos 143 Estados membros do IPBES (Painel Intergovernamental sobre a Biodiversidade e Serviços dos Ecossistemas).

Foi este mesmo Painel que alertou, em 2019, para o facto de cerca de um milhão de espécies de animais e de plantas – dos cerca de oito milhões estimados existirem no planeta – estarem ameaçados de extinção.

Lentilhas-de-água (Lemna sp.) num canal dos Países Baixos. Foto: IPBES

Das cerca de 37.000 espécies exóticas, mais de 3500 são invasoras nocivas, “que ameaçam gravemente a natureza, os serviços da natureza às pessoas e a boa qualidade de vida”, alerta ainda o IPBES.

Com um custo económico mundial que superou os 423.000 milhões de dólares anuais em 2019, as exóticas invasoras são um dos cinco principais impulsionadores da perda de biodiversidade, uma lista que fica completa com a poluição, alterações climáticas, exploração directa de espécies e alterações no uso da terra e do mar.

Por isso, os vários Governos encarregaram o Painel Intergovernamental de reunir as melhores ferramentas para combater esta ameaça. Este relatório foi feito por 86 peritos de 49 países, durante mais de quatro anos.

“As espécies exóticas invasoras são uma grave ameaça para a biodiversidade e podem causar danos irreversíveis na natureza, incluindo a extinção das espécies à escala local e mundial, além de ameaçarem o bem-estar humano”, disse, em comunicado, Helen Roy (Reino Unido), co-presidente da Avaliação, juntamente com Aníbal Pauchard (Chile) e Peter Stoett (Canadá).

Segundo o relatório, as espécies invasoras foram as únicas responsáveis pela extinção de 16% de animais e plantas; pelo menos 218 espécies exóticas invasoras foram responsáveis por mais de 1200 extinções locais.

De facto, “85% dos efeitos das invasões biológicas sobre as espécies autóctones são negativos”, comentou Pauchard. Exemplos destes impactos são a forma como os castores norte-americanos (Castor canadensis) e as ostras do Pacífico (Magallana gigas) alteraram os ecossistemas, trazendo consequências graves para as espécies autóctones.

As pessoas com maior dependência directa da natureza, como os povos indígenas e as comunidades locais, correm um risco maior do que as demais. Estima-se que 2300 espécies exóticas invasoras se encontrem em terras ao cuidado de povos indígenas, “o que supõe uma ameaça à sua qualidade de vida e até à sua identidade cultural”.

Outro dado revelado pelo relatório é que 85% dos impactos documentados afectam de forma negativa a qualidade de vida das pessoas, por exemplo, através de impactos na saúde com doenças como a malária, febra do Zika ou do Nilo Ocidental, propagadas por espécies exóticas invasoras de mosquitos como os Aedes albopictus e os Aedes aegyptii.

Ainda assim, os autores do relatório salientam que nem todas as espécies exóticas se tornam invasoras. Sabe-se que cerca de 6% das plantas exóticas, 22% dos invertebrados exóticos, 14% dos vertebrados exóticos e 11% dos micróbios exóticos são invasores.

Maioria dos impactos negativos registados em meio terrestre

Segundo o relatório, a espécie exótica invasora terrestre com maior área no mundo é o jacinto de agua (Pontederia crassipes), seguida da lantana (Lantana camara) e da ratazana-preta (Rattus rattus).

“Seria um erro grave considerar as invasões biológicas como um problema distante”, afirmou Pauchard. “Se bem que as espécies que infligem danos sejam diferentes de um lugar para outro, estamos a falar de riscos e desafios com raízes globais mas com impactos muito locais. E tratam-se de impactos que as pessoas de todos os países enfrentam, até mesmo a Antárctida está a ser afectada.”

O relatório mostra que 34% dos impactos das invasões biológicas registaram-se na América, 31% na Europa e na Ásia Central, 25% na Ásia e Pacífico e 7% em África.

A maioria dos impactos negativos registaram-se em meio terrestre (75%), especialmente em florestas, zonas arborizadas e cultivadas, e um menor número em habitats de água doce (14%) e marinhos (10%).

As espécies exóticas invasoras são mais nocivas nas ilhas, onde o número de plantas exóticas supera já o das plantas autóctones em mais de 25% de todas as ilhas do mundo.

Ratazana. Foto: Ewa Studio

“A futura ameaça das espécies exóticas invasoras é preocupante”, comentou Helen Roy. “Desde 1970 detectaram-se 37% das 37.000 espécies exóticas conhecidas na actualidade, principalmente por causa do aumento dos níveis de comércio mundial e das viagens humanas.”

Para o futuro, Helen Roy receia ser provável que “a aceleração da economia mundial, a intensificação e expansão das alterações no uso da terra e do mar, assim como as alterações demográficas, provoquem um aumento das espécies exóticas invasoras em todo o mundo”.

“Mesmo sem a introdução de novas espécies exóticas, as já estabelecidas vão continuar a ampliar as suas áreas de distribuição e estender-se a novos países e regiões. As alterações climáticas vão piorar ainda mais a situação.”

Medidas insuficientes

Os peritos do IPBES consideram que, no geral, as medidas adoptadas para fazer frente a estes desafios são insuficientes. Ainda que 80% dos países tenham objectivos relacionados com a gestão das espécies invasoras nos seus planos nacionais de biodiversidade, apenas 17% tem legislação especifica. Além disso, alertam, 45% dos países não investe na gestão das invasões biológicas.

Num plano mais positivo, o relatório destaca que as futuras invasões biológicas podem ser evitadas com uma gestão eficaz. “A boa notícia é que para praticamente todas as situações há ferramentas de gestão, opções de governança e acções específicas que verdadeiramente funcionam”, garantiu Pauchard.

“A prevenção é, sem dúvida, a melhor opção e a mais rentável. Mas a erradicação, a contenção e o controlo são também eficazes em contextos específicos. O restauro de ecossistemas também pode melhorar os resultados das acções de gestão e pode aumentar a resistência dos ecossistemas face a espécies exóticas invasoras futuras.”

Entre as ferramentas que funcionam estão os controlos às importações e a biosegurança fronteiriça e sistemas de vigilância, detecção precoce e resposta rápida.

Limpeza de casco de embarcação de vegetação e moluscos. Foto: IPBES

A erradicação foi eficaz para algumas espécies exóticas invasoras, especialmente quando as suas populações são pequenas e de propagação lenta, como nas ilhas. Por exemplo, na Polinésia Francesa foi possível erradicar a ratazana-preta (Rattus rattus) e o coelho europeu (Oryctolagus cuniculus).

Erradicar plantas exóticas é mais complicado porque as sementes podem permanecer latentes no solo durante muito tempo.

E quando a erradicação é impossível, muitas vezes as espécies exóticas invasoras podem ser contidas e controladas, sobretudo em sistemas terrestres.

“Uma das mensagens mais importantes deste relatório é que é possível conseguir avanços ambiciosos na luta contra as espécies exóticas invasoras”, comentou Stoett.

“O que é preciso é ter um planeamento integrado específico para cada contexto, entre diferentes países e dentro de um mesmo país, assim como entre os diferentes sectores implicados na biosegurança, comércio, transporte, saúde e desenvolvimento económico”, acrescentou.

Anne Larigauderie, secretária executiva do IPBES, recordou que “os Governos do mundo acordaram, em Dezembro do ano passado, como parte do novo Marco mundial Kunming-Montreal da diversidade biológica, diminuir a introdução e o estabelecimento de espécies exóticas invasoras prioritárias em pelo menos 50 % para 2030”.

Na sua opinião, “este é um compromiso vital mas também muito ambicioso. Este relatório proporciona as provas, as ferramentas e as opções para ajudar a que este compromisso se torne mais concretizável.”page5image21028992

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.