Rui Andrade, naturalista fascinado com possibilidade de descobrir e estudar novas espécies de insectos

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Na nossa mini série que lhe apresenta os peritos que, nos bastidores, identificam as centenas de espécies que os nossos leitores nos enviam, perguntámos ao entomólogo Rui Andrade porque se interessa tanto por insectos.

Rui Andrade, de 41 anos, gosta de insectos desde criança, um fascínio que nunca perdeu. Fique a conhecer melhor este especialista que dedica a sua vida à entomologia e que já descreveu uma espécie nova para a Ciência. 


WILDER: Que idade tem, qual é a sua ocupação profissional e em que está a trabalhar neste momento?
Rui Andrade: Tenho 41 anos, sou trabalhador independente na área da entomologia e a maior parte das tarefas que tenho neste momento implicam a identificação de insectos recolhidos durante trabalhos de campo para projectos de inventariação de invertebrados nos quais estou envolvido.

W: Porque é que se dedicou a este grupo de espécies?
Rui Andrade: Sempre gostei de natureza, em particular de animais, desde os mais pequenos aos maiores. Como os insectos são mais acessíveis a uma criança que a maioria dos vertebrados, desde pequeno que sinto um fascínio muito particular por este grupo de animais. O interesse nunca desapareceu e por isso estudar este grupo foi uma consequência lógica desse interesse.

W: E como é que começou?
Rui Andrade: Entre os insectos interesso-me sobretudo pelo grupo que inclui as moscas e os mosquitos (a ordem Diptera), um interesse que começou a ganhar dimensão a partir de 2007 quando comecei a participar num fórum online dedicado a este grupo, o diptera.info, que reúne muitos especialistas da área. À medida que fui aprendendo mais sobre os dípteros, com a ajuda desses especialistas, o meu interesse foi crescendo e agora é uma parte muito importante da minha vida, tanto a nível profissional como a nível amador.

W: O que o fascina mais nos insectos? 
Rui Andrade: O que me fascina mais nos insectos é, não só a sua diversidade morfológica (cores, formas, etc.), mas também a incrível diversidade de comportamentos e modos de vida que apresentam. Os dípteros em particular são os insectos com maior diversidade ecológica e foi também por esta razão que me interessei por eles.

W: Quais são os principais desafios quando está a identificar espécies?
Rui Andrade: Os insectos podem ser bastante difíceis de identificar e essa dificuldade varia consoante o grupo que se está a trabalhar. Vários grupos de insectos, e os dípteros são um bom exemplo, estão pouco estudados e muitas vezes as chaves dicotómicas, quando existem, são bastante antigas, desactualizadas e muitas vezes inadequadamente ilustradas. Outra dificuldade é o seu tamanho, uma vez que quanto mais pequeno for o insecto mais difícil é observar as suas características sendo necessário recorrer a lupas com grande capacidade de ampliação. Também a grande diversidade dos insectos torna difícil a sua identificação uma vez que é frequente existirem várias espécies que são idênticas na sua morfologia externa, sendo necessário nesses casos estudar as estruturas reprodutoras, que exibem maior variação do que outras partes do corpo do animal.

W: Como tem sido participar no “Que Espécie é Esta”?
Rui Andrade: Tenho gostado bastante de participar. Sempre gostei de ajudar outras pessoas a identificar insectos e eu próprio peço ajuda sempre que não estou familiarizado com determinado grupo. Dar a conhecer os insectos às pessoas é muito importante porque os insectos são o grupo de animais, pelo seu número e diversidade, com maior impacto nos ecossistemas. Identificar a espécie e dar a conhecer um pouco da sua biologia é um primeiro passo importante nesse sentido.

W: Tem alguma história curiosa relacionada com o seu trabalho de identificação de espécies que gostasse de partilhar?
Rui Andrade: Em 2010 estava a investigar a distribuição de um pequeno grupo de moscas ápteras ou braquípteras (sem asas ou com asas rudimentares) pertencentes ao género Tachydromia (família Hybotidae), quando na Serra da Estrela descobri uma população destas moscas. Na altura apenas se conheciam cinco espécies deste grupo distribuídas sobretudo em Espanha. Estas espécies, apesar de muito pequenas (cerca de 2 mm de comprimento), podem ser separadas com relativa facilidade porque apresentam diferenças na coloração, forma das asas, etc. Assim que capturei alguns espécimes usei a minha lupa de bolso para tentar perceber que espécie tinha encontrado. Percebi logo que era muito provavelmente uma espécie nova para a Ciência porque as suas características não encaixavam com nenhuma das outras cinco espécies conhecidas à data, o que mais tarde se veio a confirmar. Perceber que se está perante uma espécie nova para a Ciência assim que esta é descoberta não é comum acontecer, uma vez que nos insectos é geralmente necessário estudar os espécimes à lupa com muito cuidado e compará-los com espécimes de espécies conhecidas que estão guardados em colecções. Essa descoberta foi por isso bastante emocionante para mim. Nos anos seguintes, em colaboração com a minha colega e amiga Ana Rita Gonçalves, doutoranda no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazónia que também estuda dípteros, conseguimos ampliar bastante a área de distribuição desta espécie e encontrar outras novas. A espécie foi finalmente descrita em 2021 e denominada Tachydromia ebejeri, em honra ao dipterólogo Martin Ebejer que tem feito muito pela dipterologia em Portugal. A espécie é agora conhecida do noroeste da Península Ibérica (Norte e Centro de Portugal e Galiza) e de uma localidade a sul do rio Tejo (Santa Maria de Marvão). O facto de termos espécies completamente desconhecidas para a Ciência no nosso país, e ter a possibilidade de as descobrir e estudar, é para mim também uma fonte muito grande de fascínio com este tipo de investigação.


Embaixadores por Natureza é uma mini série da Wilder dedicada à rede de especialistas que, desde 2017, são o coração do “Que Espécie É Esta?”. É o nosso reconhecimento e obrigado a tantas horas passadas a olhar com carinho, e de forma voluntária, para “os nossos” bichos e plantas. E a dar-lhes um nome. Sai todos os dias, de 1 a 16 de Agosto.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.