Joaquim Tapisso

Joaquim Tapisso, de olho nos musaranhos, os mamíferos mais primitivos que existem

Embaixadores por Natureza

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Na nossa mini série que lhe apresenta os peritos que, nos bastidores, identificam as centenas de espécies que os nossos leitores nos enviam, perguntámos ao investigador Joaquim Tapisso porque se interessa tanto por musaranhos.

WILDER: Que idade tem, qual é a sua ocupação profissional e em que está a trabalhar neste momento?

Joaquim Tapisso: Tenho 43 anos e sou técnico superior na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Mais concretamente, sou o gestor do Biotério onde, frequentemente, alojamos musaranhos capturados na Natureza para desenvolvimento de experiências de fisiologia e de comportamento animal. Estas experiências estão quase todas relacionadas com a adaptação destes animais às alterações globais, nomeadamente ao aquecimento global e à urbanização. Temos vindo a estudar, por exemplo, padrões de utilização do torpor (mecanismo fisiológico semelhante à hibernação mas de muito curta duração) a diferentes temperaturas ambiente ou diferenças comportamentais ao nível da personalidade entre animais capturados em áreas urbanas como Lisboa e zonas mais naturais como o Parque Natural de Sintra-Cascais. 

W: Porque é que se dedicou aos musaranhos?

Joaquim Tapisso: A principal razão que me levou a dedicar a minha investigação aos musaranhos foi o grande desconhecimento que existia e que, infelizmente, ainda existe sobre muitos aspectos da biologia e ecologia destas espécies. 

W: Como é que começou?

Joaquim Tapisso: Comecei a estudar musaranhos em 2006 no âmbito da minha tese de doutoramento. Na altura, existiam três espécies de musaranhos cuja categoria de ameaça no Livro Vermelho em Portugal era “Informação Insuficiente”. Fui então desafiado pelos meus orientadores a tentar aumentar o conhecimento sobre uma dessas espécies, o musaranho-de-água, Neomys anomalus. Desenvolvi então vários estudos sobre a ecologia, comportamento e genética desta espécie focando-me nas populações que ocorriam nos rios e ribeiros do Parque Natural da Serra da Estrela. Conseguimos concluir que a espécie estava bastante mais dependente do ambiente aquático do que se pensava, que havia diferenças genéticas bastante acentuadas em relação às populações fora da Península Ibérica e que esses dois fatores contribuem para aumentar a susceptibilidade da espécie às alterações globais. Na mais recente revisão do Livro Vermelho dos Mamíferos de Portugal a categoria de ameaça foi atualizada e a espécie é agora considerada Vulnerável.

W: O que o fascina mais nestes animais?

Joaquim Tapisso: O que mais me fascina nos musaranhos é o facto de, apesar de serem considerados os mamíferos mais primitivos que existem, apresentarem um conjunto de particularidades únicas. Entre essas particularidades gostaria de destacar a relação entre o seu tamanho e o metabolismo. Os musaranhos são animais muito pequenos, com muitas espécies a não ultrapassarem os 10 gramas de peso em idade adulta, mas têm um metabolismo extremamente elevado o que leva a que algumas espécies tenham que comer diariamente enormes quantidades de comida. Como são espécies insetívoras um musaranho com cerca de 8 gramas pode chegar a comer diariamente mais de 5 gramas de invertebrados. Como estamos a falar em gramas pode parecer pouco mas se pensarmos em nós próprios isto significa que uma pessoa de 80 quilos com um metabolismo de um musaranho precisaria de comer diariamente mais de 50 quilos de comida!

W: Quais são os principais desafios quando está a identificar espécies?

Joaquim Tapisso: O principal desafio na identificação de musaranhos é o facto de serem muito pequenos e de apresentarem muitas semelhanças morfológicas entre espécies. De facto, estamos perante animais que são quase todos muito pequenos, com uma forma corporal semelhante, com olhos e orelhas diminutos e com uma pelagem quase sempre de cor escura e uniforme. A identificação passa muitas vezes por pequenas diferenças no formato do focinho, na forma e coloração dos dentes ou na relação entre o tamanho do corpo e das patas. 

W: Como tem sido participar no “Que Espécie é Esta?”

Joaquim Tapisso: Participar nesta vossa iniciativa tem sido uma experiência fantástica. As semelhanças morfológicas entre os musaranhos e os roedores induzem muitas vezes o público em geral em erro. Tem sido muito interessante verificar que algumas pessoas conseguem perceber que estes animais são de alguma forma diferentes dos ratinhos e têm portanto curiosidade em saber exatamente “Que espécie é esta?”.

W: Tem alguma história curiosa relacionada com o seu trabalho de identificação de espécies que gostasse de partilhar?

Joaquim Tapisso: A história mais curiosa que tenho sobre identificação de espécies de musaranhos é a já referida divergência genética encontrada nos musaranhos-de-água europeus. Quando comecei o meu doutoramento já havia alguns indícios de que as populações ibéricas eram de alguma forma divergentes. Já tinham sido apontadas algumas diferenças ao nível do tamanho dos animais (os animais ibéricos são ligeiramente maiores do que os restantes animais europeus) e até a nível genético. No entanto, as semelhanças entre os animais descritos eram também bastantes. O meu doutoramento veio ajudar a clarificar a situação a vários níveis biológicos e, posteriormente, colegas espanhóis confirmaram geneticamente que as populações ibéricas dos musaranhos-de-água são efectivamente uma espécie distinta das outras duas espécies de musaranhos-de-água que ocorrem no resto da Europa. As dificuldades na identificação de musaranhos são um problema recorrente mas isso deve ser encarado como um desafio e como uma oportunidade para continuar a estudar estas espécies.


Embaixadores por Natureza é uma mini série da Wilder dedicada à rede de especialistas que, desde 2017, são o coração do “Que Espécie É Esta?”. É o nosso reconhecimento e obrigado a tantas horas passadas a olhar com carinho, e de forma voluntária, para “os nossos” bichos e plantas. E a dar-lhes um nome.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.