Foto: Paula Chainho

Amêijoa-japonesa: Um bivalve que invadiu os pratos de carne de porco à alentejana

No âmbito de uma série sobre espécies aquáticas invasoras, Paula Chainho, investigadora do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, ligada ao projecto LIFE Invasaqua, explica tudo o que precisamos de saber sobre esta amêijoa que já chegou a quase todo o país.

Que espécie é esta?

A amêijoa-japonesa (Ruditapes philippinarum) é uma espécie nativa do Japão, com uma distribuição ampla no Oceano Índico e Pacífico, que pode ser encontrada em ecossistemas de estuários e de lagoas costeiras. É uma espécie filtradora e suspensívora, ou seja, que captura as partículas alimentares suspensas na água. Alimenta-se de fitoplâncton e também da matéria orgânica que se deposita no fundo dos estuários e lagoas costeiras.

Como podemos identificá-la?

Este bivalve possui uma concha sólida de forma oval e coloração branca, creme ou cinzenta, por vezes com tons acastanhados, que apresenta padrões variados. As valvas – as duas metades da concha – são simétricas, com estrias serradas concêntricas e radiais.

No entanto, a espécie é muito semelhante à amêijoa-boa (Ruditapes decussatus). Esta última é uma espécie nativa – natural do território português – que pertence ao mesmo género e vive nos mesmos habitats. Ainda assim, a amêijoa-boa tem uma textura de concha e coloração menos pronunciadas e não apresenta os sifões fundidos como a amêijoa-japonesa. Os sifões são estruturas em formas de tubo, através dos quais muitos moluscos captam a água e os alimentos.

Quanto ao tamanho, no estuário do Tejo já foram encontrados exemplares de amêijoa-japonesa com 9,2 centímetros, que poderiam ter mais de sete anos de idade. Mas o mais comum, na idade adulta, é estas amêijoas medirem entre 3,5 e seis centímetros.

Foto: Paula Chainho

E como é que chegou a Portugal?

O primeiro registo da presença de amêijoa-japonesa tem quase 40 anos: é de 1984, na Ria Formosa, onde terá sido introduzida por aquacultores, que terão trazido esta espécie de Espanha e de França por saberem que tinha um crescimento rápido e bom valor comercial. Depois disso, terão sido os mariscadores a introduzi-la noutros sistemas, como o estuário do Tejo, a Ria de Aveiro e o estuário do Sado. Atualmente, está presente em quase todos os sistemas estuarinos e lagunares em Portugal.

No estuário do Tejo, por exemplo, apesar da pesca intensiva desta espécie desde 2010, continua a ser muito abundante e é atualmente o bivalve com maior presença. Isso parece dever-se ao facto de existirem ali extensas áreas com condições favoráveis para esta amêijoa, em particular em termos de variações salinas e tipo de sedimento, assim como uma disponibilidade de alimento suficiente para a espécie manter uma elevada produtividade.

De forma geral, aliás, quase todos os pratos de “Amêijoa à Bullhão Pato” e “Carne de Porco à Alentejana” servidos em estabelecimentos comerciais portugueses são confecionados com amêijoa-japonesa, uma vez que é uma espécie muito abundante e com um valor comercial inferior ao das espécies nativas.

Mas afinal qual é o problema com esta amêijoa?

A sua introdução no estuário do Tejo e noutros sistemas estuarinos europeus coincidiu com uma diminuição significativa da amêijoa-boa, o que parece dever-se ao facto de ocuparem o mesmo tipo de habitat e poderem competir por espaço e alimento. Nos locais onde existe em quantidades elevadas pode afectar também outras espécies, pelas mesmas razões.

No entanto, do ponto de vista económico, a amêijoa-japonesa representa uma fonte de rendimento muito significativa para um número crescente de apanhadores, uma vez que é muito produtiva. Segundo uma estimativa de 2014, os ganhos variam entre 10 a 23 milhões de euros por ano só para os apanhadores do Tejo.

Apanha de amêijoa no Tejo. Foto: Paula Chainho

Apesar disso, a sua comercialização ilegal veio desregular o mercado dos bivalves e criar mercados paralelos que desvalorizam as espécies nativas. Embora a apanha destes moluscos esteja regulamentada e não seja proibida, muitas vezes as regras estabelecidas são contornadas. No estuário do Tejo, por exemplo, as amêijoas são declaradas como tendo sido capturadas no estuário do Sado, o que facilita a sua comercialização em Portugal. No entanto, a sua exploração intensiva no estuário do maior rio português representa um risco para a saúde pública, uma vez que os espécimes aí capturados possuem elevados níveis de contaminação microbiológica.

E como é que podemos erradicar ou controlar esta invasora? 

É impossível erradicar as populações desta espécie, uma vez que tem uma elevada fecundidade, é tolerante a uma grande variedade de condições ambientais e oportunista em relação à disponibilidade de alimentos.

Por isso, a melhor forma de evitarmos os seus impactos é mesmo prevenir a sua introdução onde ainda não ocorre, nomeadamente nos sistemas estuarinos e lagunares a norte da Ria de Aveiro. Também não há registos da sua ocorrência nos estuários do Mira e nos sistemas lagunares da Costa Alentejana, Ria de Alvor e estuário do Guadiana.

Por outro lado, a pesca pode ser uma forma de controlo em locais onde a amêijoa-japonesa não consegue desenvolver populações dominantes, como é o caso das lagoas costeiras. Por exemplo, nas lagoas de Óbidos e de Albufeira e na Ria Formosa, onde a amêijoa-boa é mais abundante. Nesses locais, promover a certificação de origem e valorização da qualidade de espécies nativas seria outra boa forma de controlo desta espécie invasora. Até porque amêijoa-boa e amêijoa-japonesa podem hibridizar, desvalorizando a integridade biológica e o valor comercial da primeira.

Qual é a situação noutros sítios do mundo?

Este molusco tornou-se dominante em quase todos os sistemas de climas temperados onde foi introduzido, onde é uma espécie comercialmente valorizada. No entanto, a utilização de técnicas de pesca agressivas – como o arrasto com ganchorras rebocadas por embarcações (em Portugal) ou ganchorras hidráulicas (Itália) – tem vindo a degradar os ecossistemas e até mesmo a criar situações de sobre-exploração desta amêijoa enquanto recurso natural. Deve ser promovida uma exploração sustentável, com técnicas de pesca menos lesivas para o estado ecológico dos ecossistemas.

Foto: Paula Chainho

Uma curiosidade sobre a amêijoa-japonesa

Experiências realizadas no estuário do Sado mostraram que, apesar de da amêijoa-japonesa competir pelas mesmas fontes de alimentação com espécies com as quais partilha o habitat, como a ostra-portuguesa e o berbigão, as taxas de filtração por biomassa – ou seja, ponderadas pelo peso do espécime – são inferiores ao do “pequenino” berbigão, que é o campeão da filtração nos estuários portugueses.


Série Espécies Aquáticas Invasoras

Em parceria com o projecto LIFE Invasaqua, a Wilder dá-lhe a conhecer algumas das principais espécies aquáticas invasoras em Portugal. O LIFE Invasaqua é um projecto ibérico co-financiado por fundos comunitários que divulga informação acerca da ocorrência e combate a espécies invasoras.

Recorde o que se passa em Portugal com o siluro, o mexilhão-zebra, a rã-de-unhas-africana, o alburno, a amêijoa asiática e o caranguejo-peludo-chinês.


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Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.