Lythria sanguinaria. Foto: Ana Valadares

“Dar nome à traça”: Lançado projecto para propor nomes comuns para quase 1000 espécies de borboletas nocturnas

Início

A associação Rede de Estações de Borboletas Noturnas, em parceria com a revista Wilder, lança este mês o “Dar nome à traça”, projecto que quer ajudar-nos a conhecer melhor estes insectos. Todos os meses pode contribuir para que cinco espécies passem a ter um nome comum e não apenas um nome científico. Saiba como participar e qual a importância da iniciativa.

As borboletas são o grupo de insetos mais acarinhado pelas pessoas. A sua beleza, graciosidade, inocuidade e curiosa metamorfose contribuíram para a sua considerável presença em várias formas de Arte e naquilo que nos inspira. São um símbolo, agora talvez mais necessário do que nunca, e uma bandeira pela conservação dos polinizadores, dos insetos e dos seus habitats.

Lythria sanguinaria. Foto: Ana Valadares

O interesse social nestes animais manifesta-se também numa grande atenção por parte dos naturalistas e comunidade científica. Hoje é a linhagem de insetos mais estudada e compreendida

Contudo, essa dedicação está longe de beneficiar todas as borboletas (as mais de 160 mil espécies descritas). A maioria dos esforços estão direcionados para um subgrupo desta imensa biodiversidade: as borboletas diurnas (da superfamília Papilionoidea, com mais de 19 mil espécies descritas). Todas as outras – as traças, de atividade maioritariamente noturna – mantêm-se na sombra. 

Em atividades organizadas pela associação Rede de Estações de Borboletas Noturnas – REBN com o público, apercebemo-nos da dificuldade que os participantes, em especial os mais jovens, têm para se referirem às borboletas noturnas. Isto explica-se, em grande medida, pela incapacidade de fixar os seus nomes. Não conseguindo aludir a uma determinada espécie, muito dificilmente conseguirão atingir empatia pela mesma. Trabalhos recentes mostram precisamente o impacto que a existência de nome comum pode ter na atração de interesse, não só popular, mas também científico (em particular nos artrópodes, mas não só).

Arctia caja. Foto: Ana Valadares

Projetos recentes em Portugal parecem ter notado a mesma resistência e propuseram uma solução. Um exemplo disso está presente no Guia da Flora de Portugal Continental da coleção Botânica em Português. Nesta obra, que aborda mais de 60% da diversidade de plantas vasculares assinaladas para Portugal continental, foi feita uma compilação dos vernáculos conhecidos para todas as espécies ilustradas e ainda uma proposta de nome comum para as espécies sem designação popular conhecida. Esforços semelhantes já foram realizados também para as aves e, inclusivamente, para as borboletas-diurnas. 

Assim decidimos avançar com a iniciativa “Dar nome à Traça”. Queremos combater a enorme lacuna de vernáculos que existe nas borboletas noturnas, em particular nas vulgarmente referidas como “macro-borboletas”. 

Com esta iniciativa procuramos definir uma proposta de nome comum para todas as macro-borboletas noturnas de Portugal continental. Para isso, contamos com o apoio dos leitores da Wilder e demais naturalistas e restante comunidade que queira participar.

Em Portugal continental são hoje conhecidas 2775 espécies de borboletas. Destas, 139 são diurnas (Papilionoidea). As restantes, as borboletas noturnas, são vulgarmente divididas entre macros e micros, onde, tal como os nomes indicam, o tamanho (envergadura) é usado como critério. A divisão é feita ao nível da família e, de forma a fixá-la para os fins deste projeto, seguem as famílias que se consideram macro: Hepialidae, Cossidae, Limacodidae, Cimeliidae, Drepanidae, Lasiocampidae, Brahmaeidae, Saturniidae, Sphingidae, Geometridae, Notodontidae, Euteliidae, Erebidae, Noctuidae, Nolidae. Estas famílias estão representadas em Portugal por pouco mais de 950 espécies que em si formam o domínio deste projeto.

Odonestis pruni. Foto: Ana Valadares

Neste primeiro ciclo do “Dar nome à traça”, entre março de 2024 e fevereiro de 2025, vão ser publicadas mensalmente na Wilder cinco espécies de macro-borboletas que ainda não têm nome comum reconhecido. Nesses artigos, os leitores poderão participar na escolha do nome. Será incluído um formulário para inserir uma proposta de vernáculo para cada espécie apresentada. Cada leitor poderá propor os vernáculos que entender. Os limites são os da imaginação e originalidade.

O primeiro desafio, o de Março, está lançado, com cinco espécies à espera de um nome comum: Campaea margaritaria, Camptogramma bilineata, Ophiusa tirhaca, Arctornis l-nigrum e Achlya flavicornis.

Ao mesmo tempo compilaremos os nomes existentes, consultando a bibliografia nacional e através de inquéritos. Não podemos descartar a existência de designações populares desconhecidas da comunidade geral mas ainda usadas em círculos mais restritos como, por exemplo, do mundo rural. 

Como escolher um nome

Depois, vamos pedir a sua ajuda. Vamos dar-lhe informações relativas a seis eixos que consideramos relevantes para avançar com uma proposta de vernáculo para uma espécie:

1 – Aspecto – onde se inclui a apresentação de uma foto ilustrativa da espécie e a sua envergadura. Pode inspirar-se na morfologia, no padrão das asas, na cor, na posição de repouso e no tamanho da borboleta para pensar num nome.

2 – Fonte alimentar da larva – sendo a maioria das lagartas fitófagas (ou seja, que se alimentam de partes de plantas, como as folhas ou as flores), serão enumeradas as plantas-hospedeiras conhecidas necessárias ao desenvolvimento larvar da espécie. No caso de uma dieta muito específica, o nome da planta-hospedeira poderá contribuir para separar espécies semelhantes. Exemplos disso já estabelecidos para as borboletas diurnas são a azul-dos-freixos e a branca-do-pilriteiro.

3 – Vernáculo inglês – a comunidade naturalista inglesa tem um nome comum para cada espécie de macro borboleta noturna que por lá ocorre. É até atribuída à originalidade de muitos dos nomes a origem da popularidade local da armadilhagem de borboletas noturnas.

Phalera bucephala. Foto: Ana Valadares

4 – Distribuição nacional e global – nas espécies onde o seu alcance é atribuível a um determinada região geográfica, a mesma pode servir para diferenciar espécies semelhantes. Um exemplo nas borboletas diurnas são a pirónia e a pirónia-mediterrânica. Por região geográfica entende-se não só regiões internacionais (como a bacia do Mediterrâneo ou a Península Ibérica) mas também nacionais (por exemplo, o Algarve ou a Serra da Estrela).

5 – Habitat preferencial – este eixo nem sempre será fácil de desenvolver ou especificar. As borboletas, como insetos que são, nem sempre conseguem ser atribuídas a habitats particulares, sendo a sua presença ou ausência guiada por muitos fatores. Mas há espécies que são evidentemente típicas de charnecas, carvalhais, lameiros, sapais, amiais, etc. Nessas, o habitat pode ser considerado para a proposta de um nome comum.

6 – Etimologia do nome científico – a origem do nome científico da espécie, isto é, a característica que o autor da espécie considerou para formular o seu nome, pode ser muito útil para nos inspirarmos, ainda que nem sempre seja explícita ou conhecida. Exemplo disso nas borboletas diurnas é a douradinha-silvestre (Thymelicus sylvestris).

Pontualmente, quando justificável, serão dadas informações complementares relativas ao aspecto da lagarta, aos hábitos da espécie e outras curiosidades que podem ser consideradas pelos leitores.

Catocala promissa. Foto: Rede de Estações de Borboletas Noturnas

Com todos estes dados, esperamos ajudá-lo a propor nomes comuns para as espécies que lançarmos mensalmente. Apelamos à sua imaginação e originalidade e à partilha e divulgação da iniciativa. A participação é fácil e certamente algo divertida. No percurso, aprenderemos todos um pouco mais sobre a enorme diversidade que nos rodeia. 

Ao mesmo tempo, vamos pedir-lhe para nos enviar vernáculos que conheça ou utilize para as borboletas noturnas em geral (por exemplo traças ou bruxas) e em termos específicos (como rosca para espécies do género Agrotis). Este contacto deverá ser direcionado para o nosso email. Estaremos também sempre disponíveis para esclarecer qualquer questão.

Nós, nos bastidores, iremos compilar a informação a disponibilizar todos os meses, fazer o levantamento de nomes já existentes mas, principalmente, a observar borboletas noturnas! 

Acreditamos que o grau de afinidade dos naturalistas e do público em geral para com as espécies que observam e registam dependerá sempre também da existência de um nome comum, um vernáculo, um termo pelo qual se consigam referir à espécie sem ser o nome científico, invariavelmente em latim ou latinizado.

Além disso, há uma vantagem relevante a referir no uso de nomes comuns – a estabilidade. A nomenclatura científica é dinâmica; a vernacular, após estabelecida, é quase estática. Isto é muito importante para a comunidade naturalista pois é reconhecida a frustração de finalmente memorizar um nome científico para depois este deixar de ser utilizado em detrimento de outro igualmente difícil de decorar!

Ophiusa tirhaca. Foto: Ana Valadares

A Rede de Estações de Borboletas Nocturnas, além de ter estabelecido um projeto de monitorização, comprometeu-se também a trazer as borboletas noturnas à luz dos nossos dias. Para isso edita todos os meses o Borboletim. Em pouco mais de 20 páginas, procuramos mensalmente desmistificar o papel destes organismos, apresentar a sua relevância ecológica, a sua história natural e a história do seu estudo em Portugal e, acima de tudo, revelar a sua diversidade. É uma publicação muito elogiada pelo público naturalista e, inclusivamente, por quadros académicos nacionais e internacionais. 

No entanto, temos a impressão que não é suficiente. O tema continua a apresentar algumas resistências à assimilação pelo público a que queremos chegar, aos potenciais naturalistas, aqueles que inconsciente ou conscientemente apenas precisam de um motivo, ou de algum acompanhamento, para usufruírem mais do mundo natural que os rodeia. 

Por isso, junte-se a nós na descoberta da vida que, por acaso, colonizou o turno oposto ao nosso, a noite.

Os resultados do “Dar nome à traça” serão conhecidos num período de um ano mas todos os meses serão revelados os resultados preliminares de cada desafio de cinco espécies.