Musgo. Foto: Andreas/Pixabay

Francisco Ferreira: “Virar a maré contra a perda de biodiversidade é essencial para a nossa própria sobrevivência”

O que pode 2021 trazer para a Biodiversidade e para a Conservação da Natureza? Com o ano que começa, a Wilder lança cinco perguntas a especialistas e responsáveis portugueses que trabalham para conhecer ou proteger o mundo natural.

Francisco Ferreira é presidente da Direção da ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável.

WILDER: O que espera de 2021 para a Conservação da Natureza em Portugal e no mundo?

Francisco Ferreira: Em Portugal gostaríamos que este ano ficasse marcado pela correta definição das prioridades de investimento nesta área e por uma afetação de recursos adequada – um bom Quadro de Ação Prioritária efetivamente interligado com os diversos Fundos Comunitários –, em particular ao nível da conservação dos habitats e espécies em estado de conservação desfavorável e/ou com estatutos de ameaça. São necessários novos planos de ação e uma adequada implementação dos que temos: exemplo, o do lobo-ibérico continua em grande parte sem execução. A nível internacional desejamos sucesso para os esforços da Coligação, que inclui Portugal, que está a trabalhar para conseguir um acordo mundial de proteção de 30% do planeta até 2030 na COP15 (Conferência das Partes) da Convenção das Nações Unidas para a Diversidade Biológica, a realizar em Maio em Kunming, na China, da qual se espera que saia a estratégia mundial para a Biodiversidade para a próxima década.

W: No seu entender, quais devem ser as prioridades para este ano em prol da natureza em Portugal? E mais concretamente, para a presidência portuguesa da União Europeia?

Francisco Ferreira: Diríamos que neste ano de 2021 é necessário concluir os Planos de Gestão das Zonas Especiais de Conservação (ZEC), onde se inclui uma cartografia com qualidade dos habitats naturais e seminaturais e das espécies; avançar em definitivo com o Cadastro Nacional dos Valores Naturais Classificados, um arquivo de informação sobre os valores naturais classificados e as espécies vegetais ou animais a que seja atribuída uma categoria de ameaça pela autoridade nacional, de acordo com critérios internacionais definidos pela IUCN (não pode haver desculpas, uma vez que as listas vermelhas já estão concluídas ou em fase muito adiantada de elaboração); designar novos sítios ou alterar limites de algumas ZEC; e ainda conseguir avanços importantes na criação de Áreas Marinhas Protegidas.

No que respeita ao papel da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, é fundamental inverter a perda dramática da biodiversidade em terra, na água doce e nos oceanos e investir na resiliência dos nossos ecossistemas.  

Dependemos de ecossistemas saudáveis e resilientes para a segurança alimentar, para enfrentar a crise climática, para o nosso bem-estar e para nos protegermos de futuras pandemias. Virar a maré contra a perda de biodiversidade é essencial para a nossa própria sobrevivência.

Agora que a Estratégia de Biodiversidade da UE para 2030 foi aprovada por unanimidade por todos os Estados-Membros, a Presidência Portuguesa deve desempenhar um papel de liderança na sua implementação oportuna e ambiciosa. Isto inclui assumir o papel de um líder ambicioso nas negociações do Quadro Global da Biodiversidade pós-2020, que exige também que a UE lidere pelo exemplo com uma ação transformadora interna, no seio da UE, até para ser credível.

Como tal, a Presidência Portuguesa deve liderar a UE na negociação de um ambicioso Quadro Global de Biodiversidade pós-2020 com um quadro de implementação e monitorização forte, no período que antecede a 15ª Conferência das Partes da Convenção para a Diversidade Biológica (CBD COP15) em Kunming. Deve demonstrar uma ação ambiciosa em matéria de biodiversidade na UE – assegurando a aplicação ambiciosa e oportuna da Estratégia de Biodiversidade da UE para 2030 por todos os Estados-Membros da UE, especialmente sobre uma gestão eficaz das zonas protegidas, dos rios livres, da proteção marinha, bem como garantindo recursos humanos e financeiros necessários para a implementação – e assegurar que as conclusões do Conselho sobre a Estratégia de Adaptação da UE acelerem as medidas relativas à implementação de soluções baseadas na natureza e criem sinergias com os compromissos de restauração e proteção na Estratégia de Biodiversidade da UE para 2030. A Presidência deve também trabalhar com a Comissão Europeia sobre um instrumento jurídico que estabeleça metas de recuperação dos ecossistemas, focado e eficaz, que conduza ao restauro em larga escala de 15% da área terrestre e marítima da UE, criando sinergias com a mitigação e adaptação climática e preparando o Conselho para a adoção oportuna de legislação ambiciosa. É fundamental apoiar a adoção da Estratégia Florestal da UE que reforce e se baseie nos compromissos de proteção e restauro das florestas na Estratégia de Biodiversidade da EU para 2030 e prepare o aval político dos compromissos em matéria de biodiversidade na Estratégia. Por último, deve intensificar a aplicação da legislação da UE sobre a natureza, a água e o mar, bem como melhorar a sua coerência com outras políticas da UE e mobilizar fundos suficientes para atingir os seus objetivos.

W: Quais as espécies ameaçadas que, na sua opinião, precisam de ajuda premente em 2021? 

Francisco Ferreira: Tendo em conta que os recursos são, e continuarão a ser, escassos parece-nos que seriam de dirigir esforços imediatos para a conservação do lobo-ibérico, para o saramugo, para as aves necrófagas, aves estepárias (para este grupo de espécies o ICNF já possui uma proposta de plano de ação concluída desde 2017, sem que saia do papel), morcegos, bivalves de água doce, flora em perigo (aproveitando desde já os resultados obtidos com a elaboração da Lista Vermelha da Flora, um excelente trabalho da Sociedade Portuguesa de Botânica) e turfeiras (urgentíssimo cadastrar e proteger as turfeiras sublitorais).

W: Se coubesse a si decidir, qual seria a principal medida que tomaria este ano para tentar travar a extinção das espécies?

A valorização económica dos serviços de ecossistemas à escala global [em particular dos serviços de regulação (ciclo hidrológico, sequestro e armazenamento de carbono) e de suporte (fertilidade do solo e ciclo de nutrientes)], enquadrada numa primeira fase na preservação dos valores naturais das regiões do planeta que albergam maior biodiversidade. Isto permitiria remunerar adequadamente as comunidades locais dos países com menores recursos e travar as pressões extrativistas sobre os recursos naturais que estão a agravar a degradação da biosfera.

W: Qual, ou quais, os projectos na área da Biodiversidade em que estará a trabalhar em 2021 que mais o entusiasmam?

O projeto que nos está a entusiasmar é o ECOCRÉDITOS, um mecanismo voluntário de compensação de impactes ambientais não evitáveis que liga os agentes económicos e os cidadãos aos fornecedores de serviços dos ecossistemas (proprietários, gestores ou usufrutuários de terrenos com valores naturais de interesse para a conservação).


Recorde as respostas de:

Helena Freitas

Ângela Morgado

Ricardo Rocha

Miguel Dantas da Gama

Paula Nunes da Silva

Miguel B. Araújo

Patrícia Garcia-Pereira

Domingos Leitão

Humberto Rosa


Já que está aqui…

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Com a ajuda das ilustrações de Marco Nunes Correia, poderá identificar as aves mais comuns nos jardins portugueses. O calendário Wilder de 2021 tem assinalados os dias mais importantes para a natureza e biodiversidade, em Portugal e no mundo. É impresso na vila da Benedita, no centro do país, em papel reciclado.

Marco Nunes Correia é ilustrador científico, especializado no desenho de aves. Tem em mãos dois guias de aves selvagens e é professor de desenho e ilustração.

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Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.