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Ribeira. Foto: Helena Geraldes (arquivo)

Paula Nunes da Silva: “Seria muito bom que os planos de ação previstos para a conservação da natureza saíssem do papel”

O que pode 2021 trazer para a Biodiversidade e para a Conservação da Natureza? Com o ano que começa, a Wilder lança cinco perguntas a especialistas e responsáveis portugueses que trabalham para conhecer ou proteger o mundo natural.

Paula Nunes da Silva é presidente da Direção Nacional da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza.

WILDER: O que espera de 2021 para a Conservação da Natureza em Portugal e no mundo?

Paula Nunes da Silva: Antes de elencar o que esperaríamos em 2021 sobre esta temática, importa fazer um panorama do estado atual. Sobre a conservação da natureza, em Portugal, existem muitos projetos que estão em fase de plano, mas depois, vamos ver a sua execução e não existe. As ações preconizadas ficam na gaveta, como se costuma dizer. Seria muito bom que os planos de ação previstos para a conservação da natureza saíssem do papel. Esperaríamos que o Fundo Ambiental financiasse mais os projetos desta natureza, pois tem sido sempre o parente pobre, este fundo destina grande fatia das verbas a outros temas do ambiente. 

Nas Áreas protegidas, o atual modelo de gestão não funciona. Temos esperança que a nova co-gestão que está a ser pensada e que começou a ser concretizada – nomeadamente através do projeto piloto no Tejo Internacional, onde a Quercus é parceira e mais recentemente na Serra de S. Mamede – possa ser um arranque na perspetiva de envolver as comunidades e valorizar os patrimónios. Criar produtos diferenciados e sustentáveis. Manter postos de trabalho em zonas do país menos povoadas. 

Neste ano de 2021 e depois do recente caso polémico da herdade de Torre Bela, seria preponderante rever a lei da caça. Sobre este dossier existiriam imensas alterações a serem feitas e precisaríamos de um capítulo inteiro para explorar este tema. 

Assistimos a uma degradação de habitats – como o nosso montado, onde vivíamos em equilíbrio com as atividades económicas e sociais – e a ameaças às áreas da Rede Natura 2000, com a agricultura intensiva e as estufas. Deveria haver uma gestão dos instrumentos do território com continuidade, pois as espécies não conhecem os limites administrativos! Ainda não existe uma lei para a recolha de cogumelos silvestres. Talvez este ano se devessem criar regulamentos e incentivos à monotorização deste setor, tão importante para o equilíbrio dos ecossistemas e até riqueza económica para certas comunidades do país. 

Assistimos diariamente a denúncias de crimes ambientais e ao desrespeito pela natureza. Mas a condenação de crimes ambientais é muito pouca, tendo em conta o número de crimes que efetivamente existe. Seria muito importante realizar monitorizações e fiscalizações por parte das autoridades competentes do setor, com reais condenações.

Com o confinamento, as áreas de natureza foram muito procuradas, havendo a necessidade de criar trilhos e rotas e formação/regras para que este “turismo”, não perturbe a natureza. 

A nível Internacional são contínuas as perdas de áreas de florestas nativas para interesses económicos ligados aos negócios da agricultura e mineração/exploração de recursos. A desflorestação é um grave problema. Esperaríamos um entendimento internacional para a salvaguardas destes ecossistemas. A perda de biodiversidade é tão ou mais importante que o fenómeno das alterações climáticas. Era urgente encontrar uma solução para as florestas nativas, uma “lei” de salvaguarda internacional para a conservação da natureza e da biodiversidade.

Este ano, também se vão realizar as convenções internacionais dos rios, para a gestão das bacias hidrográficas. Seria importante garantir que a gestão da água seja justa para Portugal, pois ultimamente temos assistido a caudais baixos e água de má qualidade que chega dos nossos estimados vizinhos espanhóis, por exemplo.

Finalmente queríamos que fosse possível uma mudança de paradigma e os consumos pós-pandemia fossem mais sustentáveis, com a poupança de recursos. Apostarmos em menos consumo, mais qualidade e investir em projetos de economia circular.

W: No seu entender, quais devem ser as prioridades para este ano em prol da natureza em Portugal? E mais concretamente, para a presidência portuguesa da União Europeia?

Paula Nunes da Silva: A Quercus, juntamente com outras congéneres portuguesas, faz parte de uma confederação europeia, e nesse âmbito já tivemos oportunidade de fazer chegar ao Governo, um memorando sobre o que deviam ser as prioridades nesta temática.

Para a biodiversidade deviam tomar-se as mesmas medidas que estão a ser preconizadas para o clima e alterações climáticas. Salientamos estes três objetivos: Implementar a Estratégia de Biodiversidade da União Europeia para 2030 e colocar a biodiversidade num caminho de recuperação; salvaguardar ecossistemas de água doce e água potável para todos; promover ecossistemas marinhos e costeiros prósperos que apoiem um futuro resiliente ao clima e reforcem a dimensão dos oceanos no Pacto Ecológico Europeu.


W: Quais as espécies ameaçadas que, na sua opinião, precisam de ajuda premente em 2021?

Paula Nunes da Silva: Este ano queremos destacar os peixes de água doce. Entre os peixes de água doce mais ameaçados no nosso país estão o ruivaco-do-Oeste (Achondrostoma occidentale), a boga-portuguesa (Iberochondrostoma lusitanicum), o escalo-do-Mira (Squalius torgalensis), o escalo-do-Arade (Squalius aradensis) e a boga-do-Sudoeste (Iberochondrostoma almacai). Os cursos de água nacionais encontram-se sob forte pressão, estando muitos deles sujeitos a uma degradação extrema. Aos efeitos combinados das descargas de poluentes, urbanos e industriais, que contaminam os cursos de água com excesso de nutrientes e alguns químicos tóxicos, juntam-se verões prolongados e com pouca chuva, muitas vezes devastadores para os organismos fluviais. Adicionalmente, a proliferação de espécies invasoras, vegetais e animais, e as más-práticas de intervenção nos habitats ribeirinhos, contribuem também para aumentar os riscos a que se encontram sujeitos, em termos de conservação, as nossas espécies de peixes dulciaquícolas. Ainda temos de contar com as barreiras físicas como barragens e construções que, muitas vezes, impedem a reprodução e alimentação dos peixes.


W: Se coubesse a si decidir, qual seria a principal medida que tomaria este ano para tentar travar a extinção das espécies?

Paula Nunes da Silva: Este ano queremos muito chamar a atenção e definir medidas para a gestão dos afluentes/água. Precisávamos de monitorizar e minimizar os focos de poluição, criar áreas de passagens dos animais, com a remoção das barreiras físicas, enriquecer e valorizar as galerias ripícolas.

Como na natureza nada é estanque, e precisamos de equilíbrio nas relações entre os seres vivos, é importante proteger a cobertura do solo, a sua composição, a vegetação. Estes são fatores que intervêm na filtração e purificação da água. Precisamos ainda de evitar a desertificação vegetal, mas com espécies autóctones que promovam a biodiversidade.

Criaria também medidas de apoio de acordo com o “Pacto Ecológico Europeu”, com a Estratégia para Biodiversidade e a “Estratégia do Prado para o Prato”, para reduzir a pegada climática da agricultura, incentivar as práticas que protegem mais as espécies e os habitats ameaçados dos meios rurais e produzir alimentos mais ricos e saudáveis.



W: Qual, ou quais, os projectos na área da Biodiversidade em que estará a trabalhar em 2021 que mais a entusiasmam?

Paula Nunes da Silva: Destaco apenas alguns projetos. Continuamos a trabalhar nos nossos CRAS – Centros de Recuperação de Animais Selvagens; no projeto piloto do Parque Natural do Tejo Internacional – Alimentação de aves necrófagas; na reprodução de peixes em vias de extinção; na recuperação e protecção do mexilhão-de-rio (Margaritifera margaritifera); no projecto Criar Bosques; e no projecto Autarquias sem Glifosato.


Recorde as respostas de Helena Freitas, de Ângela Morgado, de Ricardo Rocha e de Miguel Dantas da Gama.


Já que está aqui…

Apoie o projecto de jornalismo de natureza da Wilder com o calendário para 2021 dedicado às aves selvagens dos nossos jardins.

Com a ajuda das ilustrações de Marco Nunes Correia, poderá identificar as aves mais comuns nos jardins portugueses. O calendário Wilder de 2021 tem assinalados os dias mais importantes para a natureza e biodiversidade, em Portugal e no mundo. É impresso na vila da Benedita, no centro do país, em papel reciclado.

Marco Nunes Correia é ilustrador científico, especializado no desenho de aves. Tem em mãos dois guias de aves selvagens e é professor de desenho e ilustração.

O calendário pode ser encomendado aqui.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.