Crianças naturalistas fazem lista de insectos em Vila do Bispo

Cerca de 100 crianças levantaram pedras à procura de escaravelhos, bichos-de-conta, aranhas e escorpiões e vasculharam os campos para encontrar borboletas, abelhas e abelhões nos Dias dos Insectos em Ordem em Vila do Bispo (Faro). Saiba com quantas espécies ficou este registo naturalista.

 

Entre 5 e 9 de Março, os alunos do 5º e do 8º ano da Escola EB 2,3 São Vicente de Vila do Bispo e 12 professores arregaçaram mangas com um objectivo claro: explorar e descobrir a diversidade de insetos da sua região.

O local da expedição foi a Estação da Biodiversidade de Boca do Rio (Vila do Bispo). O percurso desta Estação tem dois quilómetros e fica dentro da área do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina. O caminho, com vários painéis com as espécies que se podem encontrar ali, atravessa a falésia calcária do litoral do barlavento algarvio e uma área dominada por arbustos mediterrânicos. Em frente da estação está o Paul da Lontreira, uma zona húmida de grande valor ecológico.

Foi neste trilho que, durante quase duas horas, os alunos tiveram carta branca para procurar e recolher insetos, munidos de redes e frascos. O objectivo era encontrar o maior número de bichos com seis patas, de espécies diferentes.

 

Foto: Eva Monteiro

 

“Devido ao tempo encoberto não se viram muitos insetos a voar”, segundo Eva Monteiro, entomóloga da Rede de Estações da Biodiversidade, do Tagis – Centro de Conservação das Borboletas de Portugal. “Os alunos tiveram que procurá-los debaixo de pedras, tendo depois o cuidado de colocá-las no mesmo local.”

Isto porque “cada pedra é um habitat a observar com atenção que esconde um pequeno mundo”, acrescenta. Aqui podemos encontrar “formigas (Ordem Hymenoptera), bichas-cadela (Ordem Dermaptera), várias espécies de escaravelhos, como o grande escaravelho-ciclope (Ordem Coleoptera), o mais comum no percurso da EBIO, crisálidas de borboletas noturnas (Ordem Lepidoptera) e mesmo umas vespas (Ordem Hymenoptera) muito especiais porque são as únicas que polinizam a orquídea-do-espelho”.

 

O escaravelho-ciclope (Scarites cyclops) é um poderoso predador que vive nas arribas litorais. Foto: Albano Soares

 

Apesar do maior ou menor número de patas, não deixaram de anotar bichos de conta, escorpiões e aranhas, ou mesmo sapinhos-de-verrugas-verdes-ibéricos e cobras-cegas, que também ali se abrigam.

Os alunos estudaram também as plantas, pela sua estreita relação com os insetos. “Tomámos nota de duas espécies de orquídeas, um alho silvestre, o alecrim, a bonita Muscari negletum e as imponentes abróteas”.

 

A orquídea espelho (Ophrys speculum) engana os machos da vespa Dasyscolia ciliata, imitando a forma e o “perfume” das fêmeas desta espécie. Os machos ludibriados tentam copular com a flor e, no processo, fazem a polinização. Foto: Albano Soares

 

“As abróteas, de grandes flores brancas, formam campos extensos nesta altura do ano. Num desses campos, num vale abrigado junto ao Paúl da Lontreira, os alunos viram finalmente insetos a voar: abelhas (Ordem Hymenoptera) e moscas (Ordem Diptera). Além da bem conhecida abelha-do-mel, viram-se abelhões e abelhas solitárias, algumas delas vistas pela primeira vez na EBIO Boca do Rio.” Tal foi o caso da  pequena abelha solitária Eucera cf. elongatula “possivelmente nunca antes citada para o nosso país”, segundo Albano Soares, investigador do projeto Rede EBIO que também dinamizou esta atividade.

 

Vespa polinizadora. Foto: Albano Soares

 

A expedição inventariou também “pequenas moscas da família Bombylliidae que são parasitas de abelhas. Uma série de relações ecológicas é posta em evidência em poucos metros quadrados: as abelhas que polinizam as flores e as moscas que as parasitam”.

 

Muscari negletum é uma pequena flor que floresce no fim do Inverno ou no início da Primavera. Foto: Albano Soares

 

Depois de tomadas notas no campo, chegou a altura de os alunos regressarem à sala de aula para a identificação das espécies que conseguiram encontrar.

Segundo Eva Monteiro, a expedição naturalista “foi um êxito”: 32 espécies de insetos pertencentes a 7 ordens, além de 3 aracnídeos, 2 centopeias, 2 crustáceos e 5 espécies de vertebrados (não contando com as aves).

 

Esta é uma mosca da família Bombyliidae. Alimenta-se de néctar quando adulta e parasita larvas de abelhas ou escaravelhos enquanto larva. Foto: Albano Soares

 

Os insectos foram identificados com a ajuda da chave dicotómica do livro “Insetos em Ordem”. Com a ajuda dos investigadores, os alunos fizeram a lista de insetos observados e ajudaram assim a inventariar e a monitorizar as espécies daquela Estação da Biodiversidade. “As espécies que não é possível identificar na sala de aula são levadas para a coleção entomológica da Rede EBIO. Os bichos identificados serão devolvidos à natureza pelos investigadores.”

 

A Eucera cf elongatula é uma abelha solitária possivelmente nova para Portugal. Aqui está uma fêmea. Foto: Albano Soares

 

Como nem tudo é trabalho, no final os alunos jogaram o “Jogo dos Insetos em Ordem”. “No fim do dia é reconfortante confirmar que todos os alunos ficam a saber que os insetos têm seis patas e o corpo dividido em três partes, bem como as características das principais ordens de insetos observados, identificados e jogados”, comenta Eva Monteiro. “Alguns alunos recitam os nomes científicos das espécies mais emblemáticas e repetem aos colegas curiosidades sobre os seus ciclos de vida.”

O Dia dos Insetos em Ordem é uma atividade dinamizada pelo Tagis, em parceria com o Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais, dirigida a alunos do ensino básico e secundário “que proporciona um dia inteirinho dedicado a explorar a diversidade de insetos. Pretende-se que os alunos e professores fiquem a saber identificar as características das principais ordens existentes no nosso país: louva-a-deus, baratas, gafanhotos e grilos, percevejos, escaravelhos, borboletas e traças, abelhas, vespas e formigas, moscas…”

 

Eucera cf elongatula, macho. Foto:Albano Soares

 

Quer também “colmatar a lacuna de conteúdos programáticos dedicados aos insetos nos currículos escolares oficiais, dando a conhecer a importância deste grupo de animais para o funcionamento dos ecossistemas. Os insetos são os animais mais abundantes e com maior diversidade de espécies na Terra e desempenham funções chave à vida como a decomposição, a polinização ou a reciclagem de nutrientes. Estão também na base da cadeia alimentar e deles depende a sobrevivência de inúmeros vertebrados”.

A atividade Dias dos Insetos em Ordem na EBIO Boca do Rio foi financiada pela Câmara Municipal de Vila da Bispo e contou com o apoio da escola EB 2,3 São Vicente.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Leia a entrevista a Patrícia Garcia-Pereira, investigadora do cE3c – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, sobre o conhecimento sobre os insectos em Portugal.

[divider type=”thick”]Agora é a sua vez.

Saiba mais sobre onde encontrar as Estações da Biodiversidade e como participar no site do projecto.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.