Foto: Andy Morffew

Investigadores desvendam a viagem de um rolieiro, do Baixo Alentejo ao sul de África

Na primavera de 2023, uma equipa de cientistas portugueses marcou cinco rolieiros com pequenos emissores GPS para os seguir nos seus voos, incluindo na migração. A Wilder falou com a investigadora Teresa Catry e conta-lhe o que já conseguiram saber.

Por estes dias, muitos dos rolieiros que se reproduzem na zona de Castro Verde, no Baixo Alentejo, já chegaram às planícies típicas da região e estão a dar início a uma nova época. Estas aves migradoras, classificadas em Portugal como Criticamente em Perigo de extinção, estão a ser estudadas (e não só) por investigadores, na tentativa de travar o declínio da espécie.

Em causa está o Projecto Rolieiro – Conservação do Rolieiro em Portugal, gerido pela Estação Biológica de Mértola e financiado pela associação Viridia. Há cerca de um ano, de forma a conhecer melhor as viagens de migração, a equipa de quatro investigadores marcou cinco rolieiros adultos com minúsculos emissores GPS, uma vez que estas aves pesam apenas cerca de 150 gramas e não suportariam algo mais pesado. Há poucos dias o esforço foi finalmente compensado, quando conseguiram obter a informação da viagem realizada por um dos rolieiros já regressados à zona de Castro Verde.

Um rolieiro em Castro Verde, à entrada de um ninho. Foto: João Gameiro

“Estes GPS não transmitem os dados em tempo real (via satélite ou rede telemóvel), pois guardam os dados numa memória interna e transmitem-nos apenas quando entram em contacto com uma estação móvel, composta por uma antena e um receptor. Durante todo o período de migração o GPS foi guardando os dados, que só foram descarregados para a nossa estação quando o rolieiro voltou a Castro Verde”, explica Teresa Catry, uma das investigadoras da equipa, que trabalha no CESAM – Centro de Estudos do Ambiente e do Mar, na Universidade de Lisboa.

“Om-BB”, como na base de dados do projeto ficou registada esta ave a partir da ordem seguida pelas cores (em inglês) das anilhas que usa – uma laranja e uma metálica na pata esquerda e duas azuis na pata direita – fez um longo caminho entre Castro Verde e a região de África onde passou o inverno, e mais tarde no regresso. Por exemplo, a equipa descobriu que durante a viagem de ida passou por um total de 19 países diferentes, numa travessia que se prolongou por quase cinco meses.

Rotas de migração do rolieiro registado como Om-BB. A rota mais próxima da “barriga” de África, que passa pela Guiné, Costa do Marfim, Gana e Benim foi seguida no regresso a Castro Verde. Foto: Inês Catry

“Saiu de Castro Verde no dia 20 de Julho de 2023, entre o fim da tarde e o início da noite, e chegou à Namíbia no dia 6 de Dezembro”, descreve Teresa Catry. A Namíbia situa-se na África Austral, já bem depois do grande deserto de areia do Saara e da faixa de savanas que se segue, o Sahel, e faz fronteira com Angola, África do Sul, Botswana e Zâmbia.

Ao estudarem a informação agora conseguida, os investigadores aperceberam-se também de que – tal como já tinha sido registado para outras aves da mesma espécie – foi no escuro que “Om-BB” percorreu uma boa parte da longa distância entre Castro Verde e o destino final. Foi durante a noite que voou muitos milhares de quilómetros, atravessando “barreiras” como as montanhas do Atlas, no Magrebe, areias do Sara e o Mar Mediterrâneo. Estima-se que estas aves percorrem em média mais de 9000 quilómetros por cada migração.

Os dados obtidos confirmaram também que este rolieiro seguiu o mesmo comportamento de outros da mesma espécie ao atravessar a imensidão do deserto: voou bastante mais depressa. “Isso já foi registado anteriormente”, nota a mesma investigadora, que acrescenta: “A velocidade de voo varia ao longo da migração. No caso deste indivíduo, a velocidade máxima foi atingida num dia em que voou 920 quilómetros! Mas a média é bastante mais baixa, talvez metade ou mesmo menos.”

Mauritânia, Angola, Guiné e Camarões

O pequeno emissor transportado por “Om-BB” foi programado para guardar apenas quatro localizações por dia para poupar memória e bateria, mas permitiu saber com detalhe onde é que o rolieiro foi fazendo pausas maiores. Chamadas pelos investigadores de ‘stopovers’, estas paragens são importantes para as pequenas aves comerem e recuperarem energias.

“Na viagem de ida para as áreas de invernada, fez um primeiro ‘stopover’ de quase uma semana no sul da Mauritânia (situada na região do deserto do Saara), a que se seguiu um longo período de paragem de quase dois meses no sul do Niger. Antes de chegar à Namíbia, ainda esteve cerca de um mês em Angola, maioritariamente em dois locais mais no sul”, relata Teresa Catry.

Já na viagem de regresso, depois de deixar a zona de África mais tropical, este rolieiro fez uma paragem de cerca de duas semanas nos Camarões, na região ocidental da África Central, e uma segunda pausa no sul da Guiné-Conacry – país que faz fronteira com a Guiné-Bissau – que se prolongou por cerca de três semanas.

Em Portugal, o rolieiro é uma espécie Criticamente em Perigo de extinção. Foto: Zeynel Cebeci/Wiki Commons

Finalmente, depois de dois meses de viagem, a 10 de Abril “Om-BB” chegou finalmente a Castro Verde, onde a época de reprodução está a decorrer. Pode ser que ocupe alguma das caixas-ninho instaladas na região, outra medida dos trabalhos para a conservação da espécie que deram os primeiros passos há mais de 10 anos.

O seguimento à distância da migração destas aves a partir do Baixo Alentejo já se fez também entre 2012 e 2014, mas com aparelhos “diferentes e muito mais limitados”, descreve ainda Teresa Catry. Ainda assim, deu origem a alguma informação nova, incluindo um artigo científico publicado em 2015, que combinou informação de investigadores de diferentes países.

Nas próximas semanas, a equipa espera recuperar os dados das outras quatro aves que tinham sido marcadas há um ano. E em breve, os trabalhos deverão continuar, com a marcação de mais 10 a 15 rolieiros, que serão seguidos não só na migração mas enquanto voam e cuidam das crias pelos campos de Castro Verde.


Saiba mais.

Conheça os objetivos e o trabalho que tem sido desenvolvido, no âmbito do Projeto Rolieiro.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.