Turismo de natureza: Alfredo e Claudina mudaram de vida em nome da Serra da Lousã e dos veados

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A observação de espécies selvagens nos seus habitats e os passeios na natureza são cada vez mais procurados e ajudam o turismo da natureza a crescer em Portugal. Alfredo e Claudina decidiram mudar de vida e criaram a Veado Verde. A época da brama, que está agora a acontecer, é o ponto alto do ano.

Alfredo e Claudina Mateus, pais de três filhos, tinham vidas muito diferentes até criarem, em 2018, a Veado Verde/Green Deer, empresa de turismo de natureza que “dá a conhecer as paisagens da Serra da Lousã, as suas gentes, usos e costumes, a sua flora e fauna e em especial o veado no seu habitat natural”, explicou à Wilder Alfredo Mateus.

Claudina e Alfredo. Foto: Veado Verde

Alfredo, com raízes no Alentejo, foi estudar para Coimbra e por lá ficou. Em 1991 criou uma empresa de informática que esteve de portas abertas até 2017, ano em que decidiu encerrar para dar início ao projecto Veado Verde / Green Deer, que é hoje a sua actividade principal.

Claudina Mateus, natural do Alentejo, também foi estudar para Coimbra e lá se tornou Engenheira Química e mais tarde professora de Física e Química.

Mas a natureza e a sua fauna e flora sempre foram uma grande paixão para ambos e há mais de 20 anos que fazem passeios na Serra da Lousã com família e amigos.

Foto: Veado Verde

“Em 2017, cansados da vida de escritório, decidimos fechar tudo (empresa de informática e centro de explicações) e dar início ao projecto Veado Verde / Green Deer”, fruto de um programa de empreendedorismo, na área do turismo, da Tourism Creative Factory, na Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra, contaram à Wilder.

Os veados (Cervus elaphus) foram a sua escolha de eleição, ainda que Claudina continue a ser professora e Alfredo faça alguma fotografia profissional.

Foto: Veado Verde

“O veado é um animal magnífico, elegante e altivo”, descrevem Alfredo e Claudina, notando que é o maior cervídeo da Península Ibérica, podendo os machos atingir os 250 quilos. “Tivemos a sorte de acompanhar, desde o início, a sua reintrodução na Serra da Lousã, em meados da década de 90.”

“Como não tem predadores na Serra da Lousã, conhecendo os seus hábitos e rotinas, conseguimos observá-lo com alguma facilidade. Quando um grande macho, com as suas hastes de sete pontas, ou uma fêmea com a sua pequena cria nos olha nos olhos, é impossível não ficar fascinado por estes animais. Transmitem-nos sensações de paz, de tranquilidade e de bem-estar indiscritíveis. Pisamos o mesmo terreno, partilhamos a mesma floresta, a mesma serra e sentimos que existe respeito mútuo, apesar da sua imponência e força!”

Foto: Veado Verde

Os meses de Setembro e Outubro são muito especiais para os veados. É o período reprodutivo desta espécie. É conhecido como a brama.

“Nesta altura, os machos escolhem locais descampados, mais abertos, e tentam dar nas vistas. Emitem berros bastante altos e lutam com outros machos, chocando e encaixando as hastes uns nos outros. O que empurrar mais é o vencedor”, descreveu, anteriormente, à Wilder Carlos Fonseca, coordenador da Unidade de Vida Selvagem da Universidade de Aveiro.

Foto: Veado Verde

“Estes comportamentos servem para defender ou reclamar territórios com melhores condições e para atrair as fêmeas. Durante a brama, os machos praticamente não se alimentam e podem perder até 40% do seu peso. O grande investimento é na reprodução.”

Para Alfredo e Claudina, “a brama do veado é o momento mais bonito na serra”. “Imagine que está na região de Coimbra e que vou buscá-lo às primeiras horas da manhã. Seguimos em direcção à Lousã e começamos a subir a serra, atravessando as neblinas matinais. Chegamos ao cimo da Serra da Lousã com as primeiras luzes do dia. Temos os tons azuis, aparecem os rosas e um tapete de nuvens estende-se aos nossos pés. Aparecem os tons vermelhos, os laranjas, os amarelos e o Sol nasce… De repente, por toda a serra, ecoam os bramidos dos veados…!!! Agora associe tudo isto com o início do Outono, com a queda das folhas e os tons outonais. É um espectáculo único na natureza e que temos a sorte e oportunidade de observar na nossa Serra da Lousã.”

Foto: Veado Verde

Apesar de terem passeios todo o ano, é durante brama que a Veado Verde tem mais solicitações.

“A brama do veado é, indiscutivelmente, uma actividade muito interessante do ponto de vista do Turismo de Natureza”, explicam. “Atrai os mais diversos segmentos desta área do turismo, em que dou particular destaque aos fotógrafos de natureza e vida selvagem. Temos clientes que repetem este passeio todos os anos connosco!”

De entre os momentos especiais vividos durante a brama na serra da Lousã, Alfredo escolheu um. “A poucas dezenas de metros de um grande macho que bramava fortemente, sempre que eu imitava um bramido, ele respondia-me…!”

Na Serra da Lousã, onde Alfredo e Claudina trabalham, “a grande maioria das comunidades locais reconhece a mais valia da reintrodução do veado na Serra da Lousã”. Mas há um pouco de tudo, notam.

“Isto acontece porque, fruto do sucesso de todo o programa de repovoamento, a última estimativa de que tenho conhecimento, aponta para mais de 3.000 veados na Serra da Lousã e serras contíguas. Como tal, começa a haver alguns conflitos com as populações locais. Como já ouvi dizer a alguns locais, ‘eles comem tudo’!”

Foto: Veado Verde

Na opinião de Alfredo e Claudina, a coexistência saudável entre veados e comunidades rurais passa por “envolver as pessoas em todo o processo”. “É isso que defendemos e que tentamos pôr em prática, através das mais diversas parcerias que temos estabelecido. Desde a venda dos produtos locais, tais como mel, compotas, chás, artesanato, etc, em pontos de venda nas aldeias de xisto, aos restaurantes na serra que trabalham também com produtos locais, alojamentos na serra e arredores.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.