Luísa Ferreira Nunes criou agenda para 2022 com as suas pequenas descobertas na natureza

Aguarelas coloridas de flores, aves, rios e riachos são o mote da agenda para 2022 da entomóloga e ilustradora Luísa Ferreira Nunes. Esta naturalista quis partilhar connosco as pequenas descobertas que faz nas suas expedições, explicou à Wilder.

WILDER: Como surgiu a ideia para esta agenda ilustrada?

Luísa Ferreira Nunes: A ideia desta agenda ilustrada surgiu há quase 20 anos, quando lancei a primeira de um total de 15. Sempre usei agendas para anotar compromissos, mas sobretudo para registar quase tudo que via e que queria guardar. Desenhava nas agendas que comprava, colava coisas que podiam ser uma notícia ou uma folha de uma planta que pretendia identificar mais tarde. As agendas “engordavam” rapidamente e no final do ano gostava de voltar a cada um dos meses e revisitar esses momentos de descoberta. Reparei que as minhas agendas eram como um diário de registos de natureza, com paisagens desenhadas, plantas, impressões e isso levou-me a querer partilhar as pequenas descobertas com os outros.

W: Quanto tempo demorou a fazê-la, nomeadamente as ilustrações?

Luísa Ferreira Nunes: Esta em particular demorei muito pouco tempo porque foi feita com desenhos que já tinha e que compilei para este fim. Habitualmente é um processo lento e descontraído que vou realizando quando tenho tempo, já que a ilustração não é a minha profissão.

W: Como está estruturada? Qual é o tema?

Luísa Ferreira Nunes: Todos os anos o tema muda. Para 2022 fixei-me muito mais nos motivos de Primavera e dei pouca relevância às outras estações. E isto tem uma razão, o facto de termos estado tanto tempo fechados com a situação actual, tão difícil e condicionante (durante a qual escrevi e ilustrei outro livro, “Silenciosamente”). Nessa altura, lembrava-me muito dos dias de primavera quando as plantas silvestres, as aves e os polinizadores parecem encher o ar de vida e numa forma mais romantizada, para mim, do “despertar”, de vida. Por isso, esta agenda de 2022 mostra muitas plantas, a sua floração, as aves, os rios e riachos…

W: Fez esta agenda a pensar em que tipo de pessoas?

Luísa Ferreira Nunes: Em todo o tipo de pessoas, de todas as idades e género, que tenham interesse pelo mundo natural ou, mesmo que não tendo, apreciem as imagens. 

W: Na sua opinião, qual a mais valia da ilustração naturalista, nomeadamente a aguarela, para a mensagem que quer passar?

Luísa Ferreira Nunes: Eu adoro aguarela e adoro cometer erros com aguarela, ou aquilo que pode parecer menos preciso, as manchas, as aguadas, os pingos que caem fora do sítio. A ilustração naturalista envolve emoção na forma de comunicar e acho que assim chega mais perto de todos, contando as histórias do mundo natural. Acho que só podemos efetivamente proteger as espécies e os habitats quando estabelecemos uma conexão com a natureza, quando conhecemos ou ficamos curiosos por conhecer. O objectivo dos meus desenhos é esse, inspirar e despertar a vontade de todos protegermos aquilo de que dependemos, como outra espécie qualquer. 

W: Pode descrever um pouco qual o seu processo para a produção das ilustrações?

Luísa Ferreira Nunes: Raramente escolho o que vou desenhar, ou procuro. As imagens surgem de inspiração súbita quando faço trabalho de campo que é frequente. Como entomóloga passo bastante tempo a estudar, nestes últimos anos, libélulas (trabalho de investigação), e isso leva-me a passar tempo na natureza que me vai fornecendo as ideias para os desenhos. Gosto muito de desenhar insetos porque fazem parte de um universo fascinante que poucos conhecem. Também gosto de desenhar como vejo, bichos escondidos entre a vegetação, plantas de várias espécies cruzadas entre si. O caos da natureza é muito interessante e inspirador. Não me preocupo nada em tentar um desenho perfeccionista, o pincel é como uma caneta que transmite mensagens, sai como sai. Faço muitas fotografias e sim, também as uso para me ajudar a reproduzir um momento que vi mas acrescento sempre mais, sobre o que não se vê propriamente mas se sente quando se aprecia a genialidade do mundo natural. Antes comprava aguarelas de boas marcas. É dispendioso pintar com materiais de boa qualidade mas agora uso aguarelas que compro nos supermercados, algumas caixas custam cerca de 2 euros. Com as cores primárias podemos chegar a praticamente a todas as tonalidades. Para mim o mais importante é mesmo o papel que se escolhe. Para desenhos minuciosos gosto de papéis sem grão que em geral também são caros. 

W: Quando começou a desenhar/pintar a natureza? E porquê?

Luísa Ferreira Nunes: Sempre desenhei, desde criança. Cresci numa família de artistas e sou de todos eles a menos talentosa (risos!). O meu pai conhecia muito do mundo natural e ensinava-nos a identificar a flora e a fauna e a fazermos os nossos registos. Tive desde sempre uma forte influência dos meus pais para conhecer a natureza e sobretudo observar o comportamento das espécies. Os brinquedos que me ofereciam eram sempre bichos ou aqueles kits de cientista com um microscópio em miniatura que eu adorava. Gosto de pintar outros temas mas ficam na gaveta 🙂 Existe ainda uma ideia distorcida que os cientistas não podem ou “devem” ser artistas, pois aparentemente parecem ser atividades antangónicas mas a meu ver é precisamente o contrário. O trabalho científico não chega ao público em geral se não for transformado em comunicação acessível para todos e a arte tem um papel fulcral na efectividade dessa comunicação.


AGENDA 2022 – HISTÓRIAS DA NATUREZA

Por Luísa Ferreira Nunes

RVJ Editores

Preço: 20 euros

Pode adquirir a agenda aqui (esta agenda só está à venda online).

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.