Cerejeira-brava em flor. Foto: Lourdes Cardenal
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O que procurar na Primavera: a cerejeira-brava

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Carine Azevedo dá-nos a conhecer esta árvore nativa de Portugal que está a florescer por estes dias e que atrai inúmeras aves e insectos.

A cerejeira-brava é uma das árvores nativas mais bonitas que podemos encontrar na floresta nacional e uma das preferidas dos polinizadores.

Esta árvore destaca-se na primavera pelas flores brancas e, no início do verão, pelos frutos vermelhos e brilhantes, muito saborosos e ricos em propriedades antioxidantes.

Venha conhecer a cerejeira-brava, uma árvore de beleza incomparável, símbolo da renovação e da esperança.

A cerejeira-brava

A cerejeira-brava (Prunus avium), conhecida também como cerejeira ou cerdeira, é uma espécie da família Rosaceae, que agrupa 109 géneros botânicos e mais de 5000 espécies.

Esta família está representada em Portugal por pouco mais de 75 espécies, distribuídas por 19 géneros botânicos, das quais algumas bem conhecidas: o pilriteiro (Crataegus monogyna), a macieira (Malus sylvestris), a pereira-brava (Pyrus bourgaeana), o abrunheiro-bravo (Prunus spinosa), o azereiro (Prunus lusitanica), tramazeira (Sorbus aucuparia), a rosa (Rosa spp.), o morangueiro (Fragaria vesca) e a silva (Rubus ulmifolius).

Dois destes géneros são exclusivos do Arquipélago da Madeira, representados, cada um deles, por uma espécie endémica dessa região: o buxo-da-rocha (Chamaemeles coriacea) e a Marcetella maderensis, respetivamente.

A cerejeira-brava é uma árvore caducifólia, de porte médio, que pode crescer entre 15 e 30 metros de altura. É uma árvore com uma vida útil relativamente curta, não indo além dos 150 a 200 anos de idade.

O tronco da cerejeira-brava é direito e é revestido por uma casca lisa, avermelhada e cinzenta quando jovem, com faixas horizontais com muitas lenticelas de cor creme, alongadas, também horizontais. Com a idade, a casca torna-se castanho-avermelhada, mais escura, e as lenticelas maiores, dando a ideia de formação de largos anéis transversais que se destacam em tiras.

Foto: Ralf Roletschek/Wiki Commons

As folhas são grandes, simples e pendentes, possuem uma forma obovada-oblonga a elíptica e são acuminadas. São verde-escuras, glabras e baças na página superior e mais claras e ligeiramente pubescentes na face inferior. No outono, antes de caírem, assumem cores muito ornamentais, desde o amarelo-dourado, vermelho-alaranjado, escarlate ou rosa.

A margem das folhas é levemente serrilhada a crenada. O pecíolo tem dois a cinco centímetros de comprimento e apresenta geralmente pares de glândulas vermelho-anegradas junto à base do limbo.

A floração da cerejeira-brava ocorre entre março e maio, ao mesmo tempo que se formam as novas folhas.

As flores são hermafroditas, actinomórficas, brancas e perfumadas. São pediceladas e surgem dispostas em cimeiras sésseis, em conjuntos de duas a seis flores, rodeadas na base por uma coroa de brácteas de cor púrpura.

Foto: Julie Kertesz/Wiki Commons

A cerejeira-brava pode começar a frutificar aos 10-15 anos de idade.

O fruto é uma drupa globosa ou cordiforme – cereja – com aproximadamente um centímetro de diâmetro, ou maior, nas variedades cultivadas. É monospérmico, glabro, não pruinoso, liso e de cor vermelha, embora também possa ser amarelado, vermelho-vivo ou vermelho-escuro a negro conforme as cultivares. Cada fruto contém apenas uma semente dura de cor creme.

Distribuição e ecologia

A cerejeira-brava é uma espécie nativa de quase toda a Europa, desde o Mediterrâneo até à Escandinávia e Rússia, Ásia Ocidental e Norte de África.

Em Portugal ocorre de forma espontânea nas regiões do Norte e Centro, embora seja cultivada no resto do país, incluindo nos arquipélagos da Madeira e dos Açores, onde foi introduzida.

É rústica, plástica, considerada uma espécie heliófila, embora tolerante à sombra enquanto jovem. Tem preferência por solos ricos, profundos, bem drenados e frescos, preferencialmente calcários. É tolerante a solos carbonatados e é muito resistente a baixas temperaturas, podendo suportar temperaturas até -20ºC. Necessita de humidade regular.

A cerejeira-brava é um elemento frequente de várias florestas caducifólias, em particular em bosques de carvalhos, faias, castanheiros e outras florestas mistas. Também é frequente em zonas de barrancos, margens de rios e noutros locais frescos e com solos profundos, maioritariamente em zonas de montanha.

Foto: Lourdes Cardenal

É uma espécie florestal com um elevado valor para a vida selvagem, sendo uma importante fonte de alimento para muitas espécies de aves e insectos.

A cerejeira-brava é uma excelente planta melífera. As flores fornecem, na primavera, uma fonte precoce de néctar e pólen às abelhas, borboletas e aves, como o chapim-azul (Cyanistes caeruleus).

A polinização da cerejeira-brava é entomófila, ou seja, feita por insectos, sendo as abelhas as principais responsáveis por esse processo.

As cerejas surgem no verão atraindo muitos pássaros, incluindo melros (Turdus merula), tordoveias (Turdus viscivorus ) e tordos (Turdus philomelos) e alguns mamíferos, como o texugo (Meles meles) e o rato-doméstico (Mus musculus). Ao mesmo tempo que se alimentam, estes animais ajudam a dispersar as sementes, permitindo que a espécie possa colonizar novas áreas.

Texugo. Foto: andyballard/Pixabay

A atração das aves pelos frutos desta árvore é responsável pela sua denominação científica. O nome do género Prunus é o nome em latim para a ameixa ou ameixoeira, que deriva do antigo nome grego prune. O restritivo específico avium também deriva do latim e é um genitivo plural de avis = “pássaro”, ou seja, “pássaros, que são ávidos dos frutos desta árvore” = “cereja de pássaro”.

Já a folhagem é a principal fonte alimentar para lagartas de muitas espécies de borboletas, incluindo a mosca-da-cereja (Rhagoletis cerasi), a “brown Hairstreak” (Thecla betulae), a Yponomeuta Latreille e a borboleta-caveira (Acherontia atropos).

As flores e os frutos de cerejeira

A cerejeira-brava é uma espécie florestal importante, sendo comum a sua utilização para reflorestação de terras agrícolas abandonadas, e é também valorizada para revitalização da fauna e da flora.

Esta espécie também pode ser cultivada como árvore de fruto ou simplesmente como ornamental.

É uma árvore de beleza incomparável, que se modifica a cada estação. O melhor efeito obtém-se com a planta isolada, em destaque ou em pequenos núcleos, formando pequenos bosquetes em parques e jardins, mas também pode ser utilizada para alinhamentos, em alamedas ou misturada nas sebes campestres.

Foto: Amalo/Wiki Commons

A sua magnífica floração anuncia a chegada da primavera. Os seus ramos enchem-se de magníficas flores brancas, reunidas em pequenos grupos, que aparecem ainda antes da formação total das folhas, criando um contraste singular com a envolvente.

Além de promover um espetáculo único, todas as vezes que floresce a cerejeira torna-se símbolo de amor, renovação e esperança, embora apenas nos presenteie com a beleza das suas flores uma vez por ano e por um breve período.

No verão os seus pequenos frutos matizam a paisagem de vermelho e deliciam os mais gulosos. A sua copa verde proporciona uma sombra muito interessante, que se vai transformando, e no outono a sua folhagem assume magníficas tonalidades avermelhadas, antes de se desprender totalmente a árvore.

O seu tronco também é particularmente ornamental, com características particulares que facilitam a identificação desta espécie.

A madeira da cerejeira-brava é dura, pesada, flexível e elástica. Possui uma textura fina e cor avermelhada, sendo valorizada como madeira para marcenaria de luxo, com aptidão para mobiliário, torneados, folheados e instrumentos musicais.

A cerejeira-brava é cultivada como árvore de fruto, em particular devido à cereja, um dos frutos mais tentadores e deliciosos. É suculenta, doce ou ácida e é amplamente utilizada na alimentação humana.

A cereja pode ser comida crua ou cozinhada, sendo empregue para fazer xaropes, compotas, geleias, gelados, bolos, frutas em calda e outros doces. Também é utilizada para obter o conhecido licor kirsch, uma bebida alcoólica resultante da destilação de suco fermentado da cereja, muito apreciada como digestivo.

Foto: Joanna Boisse/Wiki Commons

Além das inúmeras aplicações culinárias, as cerejas são detentoras de importantes benefícios para a saúde. Possuem um importante valor nutricional, são ricas em vitaminas, minerais, fibras e têm um baixo teor calórico.

As cerejas também possuem propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes, ajudam a desintoxicar o organismo, a melhorar a saúde do coração, previnem o envelhecimento precoce, as doenças degenerativas e neurológicas e alguns tipos de cancro, melhoram a qualidade do sono, ajudam a atenuar os sintomas de gota e atua contra dores de cabeça.

Os pedúnculos da cereja têm propriedades diuréticas, drenantes e anti-infecciosas, sendo comum a sua utilização, na forma de chá, no tratamento de problemas do trato urinário.

Da casca da cerejeira-brava obtém-se uma goma aromática, comestível, que pode ser mascada como substituto da goma de mascar.

Como acontece com qualquer outra planta com propriedades medicinais, a cerejeira-brava não deve ser utilizada para esse fim sem um acompanhamento médico, já que todas as partes da planta, exceto a cereja madura, são levemente tóxicas.

A presença de cianeto pode ser letal dependendo da quantidade ingerida, em particular para os animais domésticos, nomeadamente cães e gatos.

A cerejeira-brava convida-nos a contemplar a sua beleza e importância e a refletir sobre a efemeridade da vida e a necessidade de aproveitá-la intensamente no presente.


Dicionário informal do mundo vegetal:

Endémica – espécie nativa de uma região, com uma distribuição muito restrita.

Caducifólia – espécie cuja folha cai espontaneamente na estação do ano mais desfavorável.

Lenticela ou Lentícula – saliência, circular, oval ou alongada, no tecido suberoso do caule que permite trocas gasosas entre o interior e o exterior da planta e que se formam geralmente associadas a estomas.

Obovada-oblonga – folha com a forma de um ovo invertido, mais estreita na base do que no ápice da folha, mais longa do que larga.

Elíptica – folha com forma que lembra uma elipse, mais larga no meio e com o comprimento duas vezes a largura.

Acuminada – folha cuja ponta é geralmente aguda e mais estreita que a restante parte e com os lados ligeiramente côncavos.

Glabra – sem pelos.

Pubescente – que tem pelos finos e densos.

Serrilhada – a margem da folha é serrada, com dentes muito pequenos.

Crenada – a margem da folha possui recortes arredondados. 

Pecíolo – pé da folha que liga o limbo ao caule.

Glândula – estrutura capaz de produzir uma secreção.

Hermafrodita – flor que possui órgãos reprodutores femininos (carpelos) e masculinos (estames).

Actinomórfica – flor com simetria radial, ou seja a flor pode ser dividida em várias partes iguais.

Pedicelada – flor que possui “pé” (haste de suporte).

Cimeira – inflorescência com crescimento limitado, terminando numa flor, assim como os seus ramos laterais.

Sésseis – as inflorescências não possuem pecíolo (haste de suporte), inserindo-se diretamente no caule.

Bráctea – folha modificada, localizada na base da flor que a protege enquanto está fechada.

Drupa – fruto carnudo que contém uma única semente, protegida por um caroço duro.

Cordiforme – em forma de coração.

Monospérmico – fruto que possui apenas uma semente.

Pruinoso – que esta revestido de pruína (cera em forma de pó muito fino, que confere um tom glauco).

Heliófila – planta que vive preferencialmente em locais de exposição solar plena. Necessita da luz solar para um bom desenvolvimento.

Polinização entomófila – realizada por insetos. 


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

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