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O que procurar no Outono: o carrasco

Por estes dias, os frutos do carrasco já estão maduros e são importante fonte alimentar de muitos animais selvagens como pica-paus, gaios azuis, pequenos mamíferos e veados, conta Carine Azevedo.

Os carvalhos são das espécies vegetais mais acarinhadas da floresta portuguesa.

Na verdade, este grupo de plantas já dominou as nossas florestas, representando mesmo a base da floresta nativa do nosso território.

Quando falamos em carvalhos, vêm logo à ideia árvores grandes, de copas frondosas e porte imponente. Mas existem outras espécies de porte menor, como o carrasco (Quercus coccifera).

Carrasco. Foto: Christian Ferrer/WikiCommons

Fagaceae

O carrasco é uma espécie do género Quercus, pertencente à família Fagaceae.

Esta família compreende cerca de 1.100 espécies, distribuídas por oito géneros botânicos, sendo o género Quercus o mais expressivo, com cerca de 460 espécies.

Vários membros desta família são economicamente importantes, sendo comummente cultivados para a produção de madeira, cortiça e fruto. Muitas destas espécies são também reconhecidas como importantes alternativas ornamentais.

Em Portugal continental, a família Fagaceae está representada por três géneros botânicos e dez espécies bem conhecidas de todos: o castanheiro (Castanea sativa), a faia (Fagus sylvatica), o carvalho-roble (Quercus robur), o carvalho-negral (Q. pyrenaica), o carvalho-português (Q. faginea), o carvalho-anão (Q. lusitanica), o carrasco (Q. coccifera), o carvalho-de-Monchique (Q. canariensis), o sobreiro (Q. suber) e a azinheira (Q. rotundifolia).

Nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores não há registo de espécies nativas desta família.

Carrasco

O carrasco – também conhecido como carrasco-galego, carrasqueiro, carrasqueira, carrasquinha, carvalho-dos-quermes e verdadeiro-carrasco – é uma espécie de porte arbustivo que atinge geralmente três a quatro metros de altura, embora possa, excepcionalmente, atingir porte arbóreo, até nove metros de altura.

Geralmente, este arbusto ramifica abundantemente a partir da base, de modo que os seus ramos torcidos, de casca lisa e acinzentada, surgem frequentemente entrelaçados, formando moitas densas, quase impenetráveis.

Foto: Zeynel Cebeci/WikiCommons

A folhagem é espessa e persistente. As folhas são simples, oblongas a elípticas ou ovadas, coriáceas e glabras em ambas as faces. A página-superior é verde-escura-brilhante e a inferior é glauca a verde-amarelada. A margem das folhas é marcadamente dentada e espinhosa.

O carrasco é uma espécie monóica, pois possui flores unissexuais femininas e masculinas, que surgem separadamente na mesma planta. A polinização é predominantemente anemófila.

A floração ocorre na primavera, entre os meses de março a maio. As flores são muito pequenas e verde-amareladas. As flores masculinas ocorrem em grupos, dispostas em amentilhos, curtos e pendentes, na extremidade dos raminhos. As femininas surgem geralmente solitárias ou reunidas em pares, nas axilas das folhas.

O fruto é uma glande, também conhecido como bolota, e forma-se a partir das flores femininas. Tem cerca de três centímetros de comprimento, forma ovado-lanceolada e cor verde, tornando-se castanho com a maturação. Possui um pedúnculo curto e uma cúpula protetora, em forma de dedal, que cobre menos de metade do fruto e é coberta de escamas salientes, mais ou menos imbricadas, sendo as da base geralmente reviradas para trás, ou mesmo espinhosas.

O carrasco frutifica a partir dos três anos de idade. A maturação dos frutos ocorre no outono e é bienal, raramente anual.

Origem e habitat

O carrasco é uma planta nativa do norte de África e do sul da Europa, com uma área de distribuição que se estende ao longo da costa de toda a bacia do Mediterrâneo.

Em Portugal, ocorre maioritariamente na metade sul do território continental, embora também possa surgir em regiões do norte interior.

É uma espécie de luz, pouco tolerante ao ensombramento, bem-adaptada a solos pobres, pedregosos, secos e íngremes, com preferência por solos calcários, férteis e profundos. É tolerante a ventos fortes e a períodos longos de seca, suportando bem a escassez de água, mas não tolera a exposição marítima.

Esta espécie também é resistente à poluição urbana e ao pastoreio intensivo, sendo beneficiada com a ocorrência frequente de incêndios. O seu sistema radicular profundo e denso favorece a renovação vigorosa da parte aérea da planta, quando esta é sujeita à passagem de um incêndio ou quando a parte aérea é consumida por animais, por exemplo.

O carrasco predomina em áreas degradadas de outros povoamentos de quercíneas e é, muitas vezes, a espécie dominante em matos xerófilos, formando, extensas áreas de matagais densos, conhecidos como carrascais.

Esta planta ocorre frequentemente em associação com o pilriteiro (Crataegus monogyna), a murta (Myrtus communis), o terebinto (Pistacia terebinthus), o zambujeiro (Olea europaea subsp. europaea var. sylvestris), a salsaparrilha (Smilax aspera) e com espécies dos géneros Asparagus, Rhamnus, Juniperus, entre outros.

É importante para a vida selvagem

Os carrascais constituem importantes refúgios para vida selvagem, nomeadamente para algumas aves de pequeno e médio porte e para alguns mamíferos, como os esquilos, coelhos, perdizes e lebres. Também algumas espécies insectívoras usam temporariamente os carrascais como abrigo, como é o caso das lagartas da traça Cyclophora puppillaria, da castanhinha-rara (Satyrium ilicis) e da borboleta Quercusia quercus.

Foto: Marcin Luczak/WikiCommons

As bolotas de carrasco são mais amargas que as das restantes espécies do género Quercus. No entanto, são uma importante fonte alimentar de muitos animais selvagens como pica-paus, gaios azuis, pequenos mamíferos, veados, javalis, entre outros. Também são usadas para alimentar porcos e cabras. 

As folhas são consumidas por pequenos animais herbívoros.

O carrasco, devido à sua beleza natural como arbusto, é ideal para jardins pequenos, juntamente com outros arbustos com necessidades edafo-climáticas semelhantes, ou como espécime único. 

É uma planta ideal na criação de jardins mediterrânicos, aos quais confere a sua característica paisagística típica. O carrasco também é muito usado para formar sebes de compartimentação entre terrenos agrícolas.

A madeira do carrasco é de boa qualidade, muito sólida, dura e pesada. No entanto, devido à dimensão reduzida dos caules, o seu aproveitamento é restrito a lenha e carvão.

A casca é rica em taninos, sendo muito utilizada na indústria dos curtumes. No passado também foi usada na medicina tradicional como adstringente.

Dos frutos e da casca também é possível obter-se um corante preto usado para tingir a lã.

Galhas vermelhas

O nome do género Quercus é o nome clássico, em latim, dado ao carvalho, uma planta sagrada para Júpiter e deriva do prefixo celta quer-, que significa “belo” e –cuez, que significa “árvore”, ou seja, “a árvore por excelência”, devido à sua utilidade, importância e imponência. 

Os carvalhos, de uma maneira geral, estão associados à noção de força e resistência e, no passado, eram considerados sagrados para muitos povos.

O epíteto específico coccifera deriva dos termos coccum- (cochonilha) + –fero (carregar) e estará relacionado com o facto de ser frequente observar-se ao longo dos ramos pequenas galhas vermelhas. Muitas vezes são confundidas com o fruto mas, na verdade, são uma reação da planta à picada de um insecto Kermococcus vermilio. No passado, era extraído um corante natural carmesim destas galhas.

Embora o carrasco raramente atinja porte arbóreo, existem algumas exceções, como o magnífico espécime de porte arbóreo existente junto ao Mosteiro de Arkadi, Creta, Grécia, que embora se desconheça a sua altura, sabe-se que possui um perímetro de tronco de 3,01 metros.

Em Portugal, na Mata Municipal do Bombarral, também há registo de um exemplar, cuja última medição de que há registo, aponta para 1,92 metros de perímetro de tronco e cerca de 18,50 metros de altura.

Aproveite estes dias de outono para procurar carrascos e quem sabe se surpreender com esta magnífica espécie. Se a encontrar, registe esse momento e partilhe as suas fotografias nas suas redes sociais com #oqueprocurar #plantasdeportugal #floranativa e #àdescobertadasplantasnativas. 


Dicionário informal do mundo vegetal:

Persistente – folhagem que se mantém na árvore ao longo de todo o ano, renovando gradual sem que a árvore fique despida.

Oblonga – folha com forma aproximadamente retangular, com polos arredondados.

Elíptica – folha com forma que lembra uma elipse, mais larga no meio e com o comprimento duas vezes a largura.

Coriácea – que tem uma textura semelhante à casca da castanha ou do couro.

Glabra – sem pêlos.

Dentada – folha provida de dentes mais ou menos perpendiculares à linha da margem.

Monóica – espécie que apresenta flores unissexuais, femininas e masculinas, separadamente na mesma planta.

Polinização anemófila – realizada pela ação do vento.

Amentilho – inflorescência semelhante a uma espiga, onde as flores, geralmente unissexuais, surgem agrupadas num eixo comum.

Glande – fruto seco, indeiscente, monospérmico e duro, mais ou menos envolvido por uma cúpula. É o fruto dos Quercus (carvalhos).

Indeiscente – fruto que não se abre naturalmente quando maduro, não libertando as sementes.

Monospérmico – fruto que possui apenas uma semente.

Pedúnculo – “Pé” que sustenta a inflorescência.

Cúpula – invólucro duro, em forma de taça, formado por numerosas e pequenas brácteas, que protege e envolve (totalmente ou parcialmente) a flor e o fruto, de algumas espécies arbóreas e arbustivas, nomeadamente da família Fagaceae.

Imbricada – disposição muito próxima das escamas da cúpula, geralmente sobrepostas como telhas ou escamas de peixe.

Xerófila – planta adaptada aos climas secos, a períodos de seca mais ou menos prolongada. Que consegue viver com pequenas quantidades de águas.  


Todas as semanas, Carine Azevedo dá-lhe a conhecer uma nova planta para descobrir em Portugal. Encontre aqui os outros artigos desta autora.

Carine Azevedo é Mestre em Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal, com Licenciatura em Engenharia dos Recursos Florestais. Faz consultoria na gestão de património vegetal ao nível da reabilitação, conservação e segurança de espécies vegetais e de avaliação fitossanitária e de risco. Dedica-se também à comunicação de ciência para partilhar os pormenores fantásticos da vida das plantas. 

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