Colhereiro. Foto: Alexis Lours/WikiCommons

Aves migradoras estão a desaparecer de Doñana, alerta SEO/Birdlife

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Doñana, zona húmida na Andaluzia (Espanha) mundialmente reconhecida pela sua importância para as aves migradoras, já não cumpre as suas funções como local de reprodução e invernada por causa da degradação dos seus habitats aquáticos, alertou a organização SEO/Birdlife.

O alerta foi dado a 13 de Maio, Dia Mundial das Aves Migradoras.

Entre a Europa e África, Doñana é uma zona húmida crucial como passagem migratória das aves entre os dois continentes. Ali ocorrem centenas de milhares de aves, muitas delas ameaçadas, para se reproduzirem, passarem o Inverno ou simplesmente para se abastecerem nas suas longas viagens.

Em anos ecologicamente óptimos, as suas zonas húmidas têm um “papel extraordinário como zona de invernada, passagem migratória e área de reprodução para a avifauna aquática do Paleártico Ocidental, chegando a formar-se concentrações espectaculares de dezenas de milhares de indivíduos”, salienta a Sociedade Espanhola de Ornitologia (SEO/Birdlife).

Colhereiro. Foto: Alexis Lours/WikiCommons

Mas algo está a mudar.

Os últimos dados de invernada, relativos a 2021-2022, dão conta de uma tendência regressiva, com o número mais baixo de aves aquáticas dos últimos 40 anos: 87.488 indivíduos.

Até o ganso-bravo (Anser anser), uma das espécies invernantes mais emblemáticas e abundantes de Doñana, passou dos mais de 40.000 exemplares de forma habitual para menos de 10.000 exemplares durante o Inverno de 2023.

A Sociedade Espanhola de Ornitologia (SEO/Birdlife) alerta que Doñana está a extinguir-se para as aves migradoras.

A causa será a sobre-exploração das massas de água e os efeitos das alterações climáticas, na forma de secas extremas mais frequentes e altas temperaturas que, nos últimos anos, reduziram o período de inundação das zonas húmidas, afectando milhares de aves limícolas e de patos e a formação das grandes colónias de cria.

“Essa imagem icónica da zona húmida, na qual milhares de casais de colhereiros, garças ou de íbis-pretas formavam ruidosas colónias de cria começa a ser uma imagem do passado”, lamentou a SEO/Birdlife.

Sem água não há reprodução

A maior parte das espécies de aves aquáticas de Doñana “encontra-se numa situação extremamente preocupante”, segundo os dados recolhidos de 2004 a 2022 e revelados recentemente no Informe sobre el estado de conservación de las aves acuáticas en Doñana, publicado pela SEO/BirdLife.

Por exemplo, desapareceram como aves reproductoras a gaivina-preta (Chlidonias niger) e o papa-ratos (Ardeola ralloides), o que agrava o seu estado de conservação.

Espécies historicamente abundantes como a gaivina-de-bico-preto (Gelochelidon nilotica) passaram de valores superiores ao milhar de casais na primeira década do século XXI para se reproduzirem em apenas dois anos dos últimos nove.

Também a gaivina-dos-pauis (Chlidonias hybrida) e a andorinha-do-mar-anã (Sternula albifrons) passaram de um milhar no início da década para apenas 20 casais em 2022.

Espécies comuns como os colhereiros (Platalea leucorodia) também estão a registar baixas taxas de produtividade. Seis dos sete piores anos de reprodução do século XXI para esta espécie ocorreram em 2012, 2014, 2016, 2019, 2020 e 2022, registando, em valores absolutos, uma redução de 50% na população reprodutora neste século.

Inverno sem invernantes

Não é apenas a reprodução em Doñana que é cada vez mais silenciosa. Os dados de invernada certificam a mesma tendência negativa nas populações que chegam às zonas húmidas do Guadalquivir a partir do Centro e do Norte da Europa.

Na invernada de 2021-2022 registaram-se 87.488 indivíduos, o número mais baixo em 40 anos.

Gansos-bravos. Foto: Imagem da câmara em directo de Doñana, da SEO/Birdlife

Segundo os resultados do Censo Internacional de Aves Aquáticas Invernantes de 2023, uma das espécies invernantes mais emblemáticas e abundantes de Doñana, o ganso-bravo, passou dos mais de 40.000 indivíduos de forma habitual para os registos mais baixos da história, com 9.591 exemplares.

Só 9.171 maçaricos-de-bico-direito (Limosa limosa) foram registados este ano, o número mais baixo desde a invernada de 1980-1981. O número de alfaiates (Recurvirostra avosetta) é o mais baixo desde a invernada de 1985-1986.

Última chamada para Doñana

A SEO/Birdlife pediu às Administrações nacionais acções urgentes e eficazes para salvar Doñana, a braços com uma crise de biodiversidade sem precedentes na história deste parque nacional espanhol.

Esta organização considera que Doñana deveria ser incluída na Lista de Património da Humanidade em Perigo da UNESCO.

Imagem comparativa de Doñana com água e sem água. Fotos: SEO/Birdlife

Além disso, a SEO/Birdlife pediu a ajuda aos cidadãos para travar a extinção de Doñana, mediante a recolha de mais de 146.000 assinaturas que serão entregadas em breve ao Parlamento da Andaluzia.

A organização está a tentar que não seja aprovada a legalização de 650 regadios em redor do Parque Nacional de Doñana, “o que daria o golpe definitivo que poria a zona húmida num ponto de não retorno”.

Ontem, cerca de duas mil pessoas manifestaram-se nas ruas de Sevilha para pedir às autoridades da Andaluzia para protegerem Doñana e para não condenarem esta área protegida.


Saiba mais aqui: #DoñanaSeExtingue

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.