Cientistas alertam para risco de extinção desta ave em Portugal

A população de sisão (Tetrax tetrax), ave emblemática do Alentejo, está em declínio acentuado há mais de 20 anos. Agora, um novo estudo alerta que a própria sobrevivência desta ave no nosso país está em perigo.

Nos últimos 17 anos, teremos perdido 80% da população nacional de sisão. Este é um dos resultados do censo feito à espécie em 2022, o terceiro, depois dos censos de 2006 e 2016.

Sisão (Tetrax tetrax). Foto: Roberto Sánchez

Os investigadores portugueses falam num “colapso à escala nacional” num artigo publicado hoje na revista Scientific Reports.

Neste censo de 2022, foram estudadas 55 áreas, de 8 a 30 de Abril. Assim, o censo para 2022 revelou que existem 3.944 machos reprodutores, menos 13.475 do que o estimado no primeiro censo, realizado há 16 anos.

A população declinou 77% e 56% em comparação aos censos de 2006 e de 2016, respectivamente.

Hoje, a espécie está quase extinta fora de Zonas de Protecção Especial (ZPE) para aves.

A investigação, liderada por investigadores do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (BIOPOLIS-CIBIO) da Universidade do Porto, mostra que esta população se encontra em declínio acentuado e que este declínio se tem intensificado nos últimos anos.

No início do milénio, a Península Ibérica tinha mais de metade da população mundial de sisão. Em Portugal podiam ser encontradas as densidades mais elevadas alguma vez registadas para esta espécie durante o período reprodutor.

Mas a análise dos dados recolhidos nos censos nacionais da população – 2003-06, 2016 e 2022 – evidencia que a população nacional terá declinado perto de 80% desde 2006 e 60% nos últimos 6 anos. Estes censos foram possíveis graças a um esforço participado entre várias entidades que para além do BIOPOLIS-CIBIO, inclui a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, a Liga para a Proteção da Natureza, o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas e voluntários.

A quase totalidade da população de sisão em Portugal concentra-se no Alentejo, tendo os censos sido dirigidos a áreas protegidas, as ZPE e a áreas aleatórias fora.

Apesar de haver menos sisões fora das ZPE, em 2003-2006, as densidades atingiam valores médios numa extensão muito considerável, com cerca de 60% de toda a população nacional concentrada nestas áreas. Já em 2022, a espécie está quase extinta fora de ZPE face a um declínio de 94% comparada a 2003-06.

Sisão (Tetrax tetrax). Foto: Juan José Benítez

Além da análise da evolução das populações, procurou-se também compreender como variáveis associadas às alterações de uso do solo, produção de gado e expansão de infraestruturas (como estradas e linhas elétricas) estavam a afectar a tendência de declínio.

Fora de ZPE, a conversão da agricultura, outrora essencialmente cerealífera, para regadios dominados por culturas permanentes como o olival ou o amendoal, representa uma total perda de habitat para esta espécie que depende de habitats agrícolas abertos.

Dentro das ZPE, a gestão administrativa conduzida pelo estado português terá impedido em grande medida a conversão destas áreas em cultivos permanentes por se tratarem de áreas legalmente protegidas, mas o abandono do apoio dos cereais em detrimento da produção de gado, essencialmente bovino, terá contribuído para a conversão de áreas de sequeiro para pastagens permanentes e culturas forrageiras.

Por outro lado, as culturas forrageiras (principalmente fenos) podem apresentar uma estrutura de habitat favorável para a nidificação, mas que são cortados em plena época de nidificação, destruindo ovos, crias e por vezes os adultos, representando uma armadilha ecológica. Assim, estas práticas estão possivelmente a impedir que a espécie se reproduza e a levar à mortalidade de fêmeas adultas.

“As práticas agrícolas implementadas em Portugal nas últimas décadas estão a resultar na perda e/ou degradação de áreas agrícolas abertas, impactando o sisão e outras espécies altamente ameaçadas que dependem de sistemas agrícolas extensivos como a abetarda ou águia-caçadeira” comentou João Paulo Silva, investigador do CIBIO-BIOPOLIS e primeiro autor do estudo.

“Mesmo práticas incentivadas por medidas agroambientais não aparentam ser compatíveis com a conservação do sisão – a zona estepária mais importante do país coincidente com a região de Castro Verde com uma medida agroambiental dedicada e com um bom nível de adesão de agricultores registou um declínio de 45% da população sisão em apenas 6 anos”, acrescentou.

Foto: D.R.

Em 2016 já tinha sido dado o alerta sobre o declínio acentuado da espécie. Agora, em 2022, “esse declínio é ainda mais forte, o que revela que a atual estratégia de conservação para a espécie (ou falta dela) não está a ser minimamente eficaz”, segundo um comunicado do CIBIO-BIOPOLIS.

“Não se implementando medidas de emergência para conservação da espécie possivelmente vai-se extinguir dentro de poucos anos.”

Actualmente existe também um elevado interesse em perceber como é que estas aves lidam com as alterações climáticas e como podem utilizar elementos na paisagem como pequenos refúgios. “A compreensão das respostas comportamentais e espaciais das fêmeas perante estas alterações ambientais são fundamentais para a adoção de medidas de conservação desta espécie.”

Este alerta não é novo. Já em 2018, os investigadores tinham alertado que a Rede Natura 2000 não estava a conseguir proteger esta espécie.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.