Equipa de monitorização. Foto: António Monteiro

Crias dos dois únicos casais de abutre-preto do Douro Internacional já saíram do ninho

Os dois únicos casais de abutre-preto (Aegypius monachus) conhecidos a reproduzirem-se na colónia do Parque Natural do Douro Internacional (PNDI) tiveram crias bem-sucedidas este ano e estas já saíram dos ninhos e exploram o território, revelou a associação Palombar.

Depois de mais de 100 dias no ninho a receber os cuidados dos progenitores, as crias de abutre-preto avançaram agora para um momento decisivo: a saída do local seguro onde nasceram. Estas aves estão a fazer os seus primeiros voos à descoberta do território e à procura de alimento.

Casal de abutre-preto com cria no ninho. Foto: Palombar

Iván Gutiérrez, biólogo da Palombar responsável pela monitorização da espécie na colónia do Douro Internacional, explicou, em comunicado, que este “é um período muito vulnerável, pois os progenitores começam a estar menos presentes e, nos dias de muito calor, a cria pode saltar do ninho e cair no solo, onde, por vezes, não sobrevive. Por outro lado, as crias que já começam a sair do ninho para explorar e procurar alimento sozinhas têm associado um maior risco, pois são animais ainda inexperientes”.

Além de terem registado a saída das crias dos ninhos, as equipas no terreno descobriram também que o terceiro ninho da espécie no Douro Internacional acabou por ser abandonado pelo casal de abutres-pretos.

Esta informação foi revelada pela equipa que está a monitorizar a época de reprodução desta espécie ameaçada de extinção em Portugal, no âmbito do projeto “LIFE Aegypius Return – consolidação e expansão da população de abutre-preto em Portugal e no oeste de Espanha”, explicou a associação num comunicado enviado à Wilder a 25 de Agosto.

O objectivo do projecto é, até 2027, duplicar a população de abutre-preto em Portugal para 80 casais em cinco colónias e, assim, baixar o estatuto nacional da espécie de Criticamente Em Perigo para Em Perigo.

Abutre-preto. Foto: Juan Lacruz/Wiki Commons

Em Portugal existem apenas quatro colónias reprodutoras de abutre-preto: no Douro Internacional, na Serra da Malcata, no Tejo Internacional e na Herdade da Contenda (Moura), sendo a primeira a mais pequena e frágil. Entre Janeiro e Agosto deste ano, a equipa da organização não governamental de ambiente Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural, em colaboração com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), esteve no terreno a realizar a monitorização da época de reprodução desta espécie no Parque Natural do Douro Internacional (PNDI), “uma ação fundamental para avaliar o seu sucesso reprodutor e tendência populacional”.

Numa primeira fase, para evitar qualquer tipo de perturbação aos casais de abutre-preto no período mais crítico da reprodução, a monitorização foi feita à distância, com telescópios e binóculos. Depois, quando os técnicos especializados consideraram ser o momento adequado e seguro para os progenitores e crias, foi feita uma incursão aos ninhos para realizar uma avaliação biométrica das crias, como o tamanho da asa e do bico, e recolher amostras biológicas, nomeadamente de sangue, que permitem analisar as características da ave e o seu estado sanitário. 

As aves foram também anilhadas e equipadas com dispositivo GPS, que permite a sua monitorização à distância.

A equipa está agora a realizar o seguimento continuado das crias, a partir dos dados fornecidos pelo GPS, para obter informações essenciais para a sua conservação, nomeadamente sobre os seus movimentos, comportamento, longevidade, ameaças e dieta.

Abutres-pretos no ninho. Foto: Palombar

Os dois casais do Douro Internacional contruíram os seus ninhos em zimbros (Juniperus oxycedrus). Em homenagem a este comportamento da espécie, as duas crias nascidas este ano receberam os nomes de árvores nativas da região: Freixo e Juniperus.

O abutre-preto extinguiu-se como nidificante em Portugal no início da década de 70. Só em 2010 voltou a nidificar em Portugal, no Parque Natural do Tejo Internacional. O Douro Internacional acolhe a colónia mais recente e delicada desta espécie; foi em 2012 que se registou o primeiro casal nidificante e, em 2019, o segundo. Este ano, na primavera, a equipa da Palombar e do ICNF observou a construção de um terceiro ninho e comportamentos de incubação por parte de um terceiro casal. Contudo, posteriormente, verificou-se que o casal – provavelmente jovem – terminou por abandonar o ninho e não teve êxito na reprodução este ano, mas no próximo poderá haver uma nova tentativa.

A avaliação do sucesso reprodutor desta espécie, que só tem uma cria por casal a cada ano, deve ser realizada a longo prazo. “Uma coisa é o número de casais reprodutores e de crias nascidas, e outra é o número de crias que conseguem sair do ninho e sobreviver de forma autónoma”, sublinhou Iván Gutiérrez. É por isso fundamental monitorizar, através dos dispositivos GPS, as crias nascidas a cada ano a longo prazo para perceber se estas efetivamente conseguirão sobreviver e chegar à idade adulta, aumentando a colónia da espécie. 

Equipa de monitorização. Foto: António Monteiro

As colónias com número reduzido de casais, como é o caso da do Douro Internacional, são mais suscetíveis de desaparecer devido a alguma perturbação ou ameaça, como são os incêndios florestais. Em 2017, por exemplo, a colónia do PNDI foi afetada por um incêndio florestal que destruiu o único ninho da espécie existente nessa altura, matando a cria de abutre-preto. Para reduzir este tipo de ameaças, o projeto LIFE Aegypius Return também tem previstas ações que visam aumentar a resiliência natural frente aos incêndios florestais nas áreas onde a espécie se reproduz.

Com o objetivo de aumentar a colónia de abutres-pretos no Douro Internacional, o projeto prevê ainda, até 2027, devolver à natureza nesta área 20 abutres-pretos provenientes de centros de recuperação de fauna selvagem. Neste âmbito, está a ser construída uma estrutura de aclimatação na zona da colónia. Nesta estrutura de grandes dimensões e com todas as condições de segurança, os indivíduos da espécie recuperados irão passar por um período de readaptação ao meio natural e de habituação à região para que a sua fixação nesta colónia, depois da devolução à natureza, seja facilitada. Até ao momento, o projeto já devolveu dois abutres-pretos à natureza no Douro Internacional.


Saiba mais sobre o que está a ser feito pelo abutre-preto:

O projeto LIFE Aegypius return arrancou em Setembro de 2022 e tem como objetivos principais aumentar a população de abutre-preto e melhorar o seu estado de conservação em Portugal. Pretende, num prazo de seis anos (2022-2027), duplicar a sua população reprodutora em Portugal para que passe dos atuais 40 casais reprodutores, para 80, bem como aumentar as colónias de quatro para cinco.

Este projeto é desenvolvido por um consórcio que integra as seguintes entidades: Vulture Conservation Foundation – organização coordenadora do projeto -, Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural, Herdade da Contenda, Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, Liga para a Proteção da Natureza, Associação Transumância e Natureza, Fundación Naturaleza y Hombre, Guarda Nacional Republicana e Associação Nacional de Proprietários Rurais, Gestão Cinegética e Biodiversidade. Tem financiamento de 75% do Programa LIFE da União Europeia e cofinanciamento da Viridia – Conservation in Action e pela MAVA – Foundation pour la Nature.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.