Foto: Samuel Infante

O que está a acontecer: Os abutres-pretos fazem a corte e põem os seus ovos

Em pleno Inverno, o maior abutre da Europa está na época de nidificação. Samuel Infante, que convive com a espécie no Parque Natural do Tejo Internacional, descreveu à Wilder o que se passa.

Portugal abriga actualmente entre 78 a 81 casais de abutre-preto em cinco áreas diferentes do país, desde o Parque Natural do Douro Internacional, mais a norte, até ao concelho de Moura, no Alentejo, a área mais a sul.

É nesta época do ano, ainda no Inverno, que estas aves majestosas já podem ser vistas em paradas nupciais, uma espécie de ritual que marca o início dos acasalamentos. “Normalmente fazem voos sincronizados, parece uma dança no ar! Também temos observado comportamentos de cortejamento dos indivíduos nos campos de alimentação, em que se tocam com o bico”, descreve Samuel Infante, que trabalha na Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza.

abutre em voo
Abutre-preto em voo. Foto: Artemy Voikhansky/Wiki Commons

Estas grandes aves ficam no próprio ninho, normalmente o mesmo de ano para ano – construído no topo de uma árvore – ou então mantêm-se ali pelas redondezas, até porque “são sedentárias, não migram”, explica Samuel, que é também coordenador do CERAS – Centro de Estudos e Recuperação de Animais Selvagens de Castelo Branco.

Casais sim, mas também trocas e trios

A identidade dos membros do casal também costuma ser a mesma: é habitual juntarem-se os machos e fêmeas de anos anteriores, como acontece aliás com outras grandes aves.

Ainda assim, ao contrário do que se pensava, isso nem sempre é um dado adquirido. Algo que os investigadores descobriram só em anos mais recentes, graças à marcação e ao seguimento de diferentes abutres-pretos e também à genética: “Comprovou-se que podem existir trocas de indivíduos na mesma colónia e até chegam a formar trios”, nota o mesmo responsável.

Abutre-preto no ninho. Foto: Samuel Infante

É por estes dias, no início de Fevereiro, que têm também início as posturas, com as fêmeas a porem os seus ovos – “normalmente apenas um por cada ninho, são raros os registos de dois ovos”. Ele e ela dividem entre si os cuidados da incubação.

Quanto ao ovo, será muito maior e mais pesado do que um ovo de galinha, elucida o coordenador do CERAS. No caso do abutre-preto, o ovo “pode chegar a pesar 300 gramas” e tem também um aspecto diferente, com “a cor de fundo branca e manchas de várias tonalidades.”

Ovo de abutre-preto. Foto: Didier Descouens/Wiki Commons

Ninhos que impõem respeito

Entretanto, nos próximos meses, é no ninho que os casais vão passar a maior parte dos seus dias, normalmente “no topo de uma árvore madura de grande porte.” As árvores escolhidas serão quase decerto azinheiras se estes abutres-pretos nidificarem no Tejo Internacional, mas provavelmente pinheiros se estiverem na Serra da Malcata (na confluência entre a Beira Baixa e a Beira Alta) ou na Herdade da Contenda (concelho de Moura), uma vez que aí são essas as árvores maiores. No Douro Internacional, costumam ficar em cima de zimbros, azinheiras e sobreiros, no topo das ravinas que ladeiam o rio.

Os próprios ninhos têm dimensões que impõem respeito, pois “variam entre 1,5 a dois metros de diâmetro e os mais antigos chegam a ter mais de um metro de altura, pois os materiais vão-se acumulando”. Nesses entrelaçados de pequenos paus sem folhas, como os descreve Samuel, as aves normalmente “usam esteva (Cistus ladanifer) e forram o interior com lã de ovelha e por vezes com egagrópilas, com os restos de pêlos de javali ou veado.”

Ninho de abutre-preto no Tejo Internacional. Foto: Samuel Infante

O problema é que se amontoam tantos materiais, ano após ano, que alguns ninhos acabam por soçobrar devido ao peso ou mesmo por estarem mal construídos. E por isso, têm vindo também a ser instalados alguns ninhos artificiais.

É em Abril que acontecem as últimas posturas da espécie e que nascem também as primeiras crias, com vários meses de aprendizagens ainda pela frente. Para já, tanto antes como depois de saírem dos ovos, as pequenas aves vão enfrentar várias ameaças: “Perturbação por actividades humanas, predação natural, quedas dos ninhos pelo peso destes, que por vezes faz colapsar as árvores, venenos, intoxicações por chumbo”, exemplifica Samuel Infante, que acolhe casos desses no CERAS.

Abutre-preto num ninho, a proteger a cria do sol. Foto: Quercus ANCN

E se as coisas não correrem bem? Nesse caso, se ainda houver tempo, o casal fará uma postura de reposição, assegurando assim um novo descendente. Esta é uma questão importante, uma vez que o abutre-preto é uma espécie ameaçada em Portugal, onde tem vindo lentamente a recuperar. No Tejo Internacional e noutros locais do país, dentro de poucos meses, já será possível observar os primeiros voos das crias.


Saiba mais.

Leia aqui a incrível história de Aravil, salvo da morte quando era uma jovem cria e reencontrado mais de 13 anos depois, no concelho de Idanha-a-Nova.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.