Descoberta nova espécie de borboleta em Portugal

Pistas deixadas por morcegos-de-ferradura ajudam a descobrir esta pequena borboleta nocturna, de antenas pretas e brancas.

A borboleta-do-morcego-de-ferradura (Ypsolopha rhinolophi) só entrou para a lista de espécies de insectos registados em Portugal porque foi comida por dois morcegos.

Esta espécie foi descrita pela primeira vez para Portugal num artigo científico publicado a 24 de Maio na revista Zootaxa, por três investigadores do CIBIO-InBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos).

É uma borboleta nocturna beije, com antenas pretas e brancas.

Foto: João Nunes

“Há borboletas muito mais pequeninas mas, ainda assim, esta é considerada uma borboleta pequena”, com uma envergadura de asa entre os 17 e os 18,5 milímetros, explicou à Wilder Sónia Ferreira, investigadora do CIBIO-InBIO e uma das autoras do estudo. 

Pertence ao género Ypsolopha que, actualmente, tem mais de 160 espécies descritas em todo o mundo. Em Portugal estão descritas cinco e na Península Ibérica, 21.

“Nesta fase ainda não sabemos ao certo qual o habitat onde esta espécie ocorre”, acrescentou Sónia Ferreira. Mas a investigadora acredita que a espécie não terá uma distribuição muito restrita porque, à partida, ocorre em carvalhais.

De acordo com o artigo científico, algumas larvas foram encontradas no início de Junho a alimentar-se de folhas de carvalho-negral (Quercus pyrenaica). As borboletas adultas emergiram no início de Julho.

Os dois morcegos e a borboleta

A descoberta de uma nova espécie não é, necessariamente, um caminho que se percorre a direito. E foi isso que aconteceu com esta borboleta que, até agora, tinha passado completamente despercebida e estava de fora da lista de mais de 2.600 espécies de borboletas nocturnas conhecidas em Portugal.

Os investigadores não estavam à procura de espécies novas mas sim a estudar a dieta dos morcegos no Norte de Portugal.

O grande objectivo era identificar as diferentes espécies de insectos das quais os morcegos se alimentavam e assim perceber como nos podem ajudar no combate às pragas agrícolas.

Morcegos Rhinolophus. Foto: Sónia Ferreira

Para isso os investigadores analisaram o conteúdo das fezes dos morcegos recorrendo a uma técnica conhecida por Código de Barras de DNA ou DNA Barcoding.

Ora, em 2018, nas fezes de dois morcegos-de-ferradura-grande (Rhinolophus ferrumequinum) foi encontrado um novo Código de Barras de DNA, ou seja, um segmento curto de DNA que pode ser analisado para distinguir espécies. 

“Observámos que um segmento de DNA era semelhante ao de uma borboleta, contudo distinto das espécies já conhecidas”, explicou, em comunicado, Vanessa Mata, co-autora do artigo.

Os investigadores voltaram então ao sítio onde haviam recolhido as fezes de morcego em busca de borboletas. Encontraram algumas borboletas com anatomia claramente diferente das espécies já conhecidas e cujo DNA era perfeitamente compatível ao “novo” Código de Barras encontrado nas fezes do morcego.

Assim foi reconhecida a existência de uma nova espécie para a ciência, com base em dados morfológicos e genéticos. Pode-se dizer que os primeiros indivíduos a encontrar esta nova espécie foram efetivamente dois morcegos de ferradura, pertencentes ao género Rhinolophus. Os autores do artigo decidiram, então, nomear a nova espécie em sua honra: Ypsolopha rhinolophi.

“A história desta descoberta é muito gira”, disse Sónia Ferreira que admitiu ter um “carinho especial pela espécie”.

Ao revisar os exemplares de borboletas presentes em diferentes museus de História Natural, os autores verificaram que a nova espécie de borboleta não ocorre somente no Norte de Portugal mas também no Sul de França.

“Sabemos muito pouco sobre o grupo mais diverso de animais no nosso país”

Hoje em dia já não é raro descobrirem-se novas espécies de borboletas nocturnas em Portugal.

“Há 15 anos era comum encontrar-se uma espécie nova para Portugal por noite”, lembra Sónia Ferreira.

Actualmente existem mais de 2.600 espécies de borboletas nocturnas citadas para o país.

“Os últimos anos têm sido realmente especiais no estudo dos insectos em Portugal”, disse Sónia Ferreira, lembrando a iniciativa de Barcoding a decorrer no CIBIO-InBIO – desde 2015 já estão registados mais de 7.000 exemplares de mais de 2.500 espécies de invertebrados -, iniciativas de ciência cidadã como o projecto Vacaloura.pt e o “tão esperado projecto da Lista Vermelha dos Invertebrados de Portugal”. 

“Mas continuamos a encontrar espécies novas e acredito que esta não será a última espécie a ser descrita para Portugal.”

Na opinião desta investigadora, esta descoberta “salienta de que forma os morcegos são relevantes para o controlo de pragas agrícolas e ainda o quanto ainda não sabemos sobre a biodiversidade em Portugal”.

Ainda “sabemos muito pouco sobre o grupo mais diverso de animais no nosso país. Não sabemos quantos são, quem são, nem onde estão”.

Efectivamente a descrição de uma espécie nova, por muito interessante que seja, é apenas a ponta do icebergue do que é o estudo dos insectos. “Dar-lhes um nome é extremamente importante mas depois há que saber a sua ecologia, distribuição e comportamento, por exemplo”, acrescentou. 

“Mas estamos no bom caminho em diversos grupos taxonómicos para que essa informação seja gerada e tornada acessível a todos.”

Esta investigadora defende que é preciso mais financiamento e mais especialistas e novos investigadores nesta área.

“Nesse aspecto é fundamental a divulgação do que já se faz, para atrair mais pessoas. O futuro promete, vamos lá a isso.”

O estudo agora publicado foi desenvolvido no âmbito do projecto EnvMetaGen CIBIO-InBIO, mais precisamente a iniciativa IBI: InBIO Barcoding Initiative. Este projecto é financiado pelo programa Horizonte 2020 da Comissão Europeia e tem como objectivo fomentar a investigação em metagenómica ambiental em Portugal, e o IBI consiste na construção de uma biblioteca de códigos de barras de DNA de Invertebrados.


Saiba mais.

Por que são as borboletas nocturnas atraídas pela luz? Esta é uma pergunta que fizemos a Sónia Ferreira.

“Ainda não há nenhuma teoria oficialmente aceite. Mas há algumas defendidas por vários peritos. Uma diz que é uma questão de orientação destes animais, pela luz da Lua. Outra diz que, simplesmente, as borboletas ficam super estimuladas e perdem o controlo, andando às voltas de candeeiros, por exemplo.

Sobre os impactos da poluição luminosa ainda pouco se sabe.

“Muita luz pode alterar os hábitos das espécies mas não há dados que o provem. Acredito que possa aumentar drasticamente a mortalidade de insectos nos candeeiros de rua e os morcegos tiram partido deste ponto de atracção. Há morcegos que andam entretidos à volta dos candeeiros, à caça.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.