John Slapcinsky, curador da colecção de de invertebrados do Museu de História Natural da Florida. Foto: Florida Museum/Jeff Gage

Descritas nove espécies de caracóis na Papua-Nova Guiné, hotspot da biodiversidade

Uma equipa de investigadores descobriu para a Ciência nove novas espécies de caracóis terrestres nas florestas remotas da Papua-Nova Guiné, um hotspot de biodiversidade.

Estes caracóis apresentam uma rara oportunidade para estudar um grupo que, em muitos outros locais, está a desaparecer rapidamente. No mundo, os moluscos representam mais de 50% de todas as extinções registadas desde 1500. Muitas dessas espécies eram caracóis terrestres nas ilhas do Pacífico.

John Slapcinsky, curador da colecção de de invertebrados do Museu de História Natural da Florida. Foto: Florida Museum/Jeff Gage

A ilha da Nova Guiné alberga cerca de 5% da biodiversidade do planeta e é a maior floresta tropical intacta da Australásia. Ainda assim, a exploração madeireira ameaça tornar-se um desafio no futuro, alertam os investigadores do Museu de História Natural da Florida, nos Estados Unidos, responsáveis por este estudo.

“Estas novas espécies de caracóis foram encontradas em áreas que ainda têm vegetação nativa e parecem ainda estar em boas condições. Mas rapidamente podem ficar ameaçadas se as coisas mudarem”, comentou John Slapcinsky, principal autor do estudo e gestor da colecção de invertebrados daquele Museu.

Para chegar às florestas isoladas da Papua-Nova Guiné, os investigadores tiveram de se deslocar a pé por montanhas íngremes, muitas vezes usando árvores caídas para atravessar fendas com mais de 30 metros de profundidade. As poucas estradas da região têm dificultado a investigação científicas mas também têm protegido as plantas e animais nativos da perturbação humana e da destruição do habitat.

John Slapcinsky fez nove expedições à Papua-Nova Guiné entre 2002 e 2012, cada uma com cerca de um mês de duração, para varrer o solo e procurar por caracóis entre as folhas caídas. Acabou por recolher mais de 19.000 espécimes em 200 locais.

Apenas 31% das espécies de caracóis que ele estudou já estavam descritas, um sinal da elevada biodiversidade daquele país e do pouco estudo científico ali realizado. Mas os caracóis são excepcionalmente difíceis de encontrar porque são muito pequenos e têm uma distribuição limitada. Quase todos eles estão restritos a uma única ilha ou montanha.

As espécies agora descritas, todas do género Torresiropa, têm cascas de vários tons de castanho. São elas: T. aurilineata sp. nov., T. cresswellorum sp. nov., T. krausi sp. nov., T. muyuaensis sp. nov., T. nusaensis sp. nov., T. oreas sp. nov., T. paterivolans sp. nov., T. pinsina sp. nov., e T. worsfoldi sp. nov.

Uma das espécies agora descritas. Foto: Florida Museum/Jeff Gage

Todas as nove espécies têm dentes na sua rádula, o que é característico de caracóis predadores.

Os resultados deste trabalho foram publicados num artigo na revista Archiv für Molluskenkunde International Journal of Malacology.

Por enquanto ainda não há informação suficiente sobre o estatuto de conservação das novas espécies mas o facto de o seu habitat ainda não ter sido dramaticamente alterado pelas actividades humanas é, para os investigadores, um sinal de esperança.

John Slapcinsky recordou que isto contrasta com o que acontece nas ilhas do Havai, onde os caracóis nativos estão em risco de extinção. Este investigador colabora com o Museu Bishop, em Honolulu em programas de reprodução em cativeiro para criar colónias de caracóis nativos. Muitas destas colónias albergam os últimos membros da sua espécie.

Os caracóis são muito vulneráveis a perturbações no habitat porque não podem percorrer facilmente longas distâncias e normalmente estão adaptados apenas ao ambiente das suas proximidades. “Quando estes habitats estão ameaçados, muitas vezes os caracóis não têm para onde ir”, comentou Slapcinsky.

Muitas das anteriores descobertas de novas espécies de caracóis, especialmente nas ilhas do Pacífico, surgiram quando já era demasiado tarde para as salvar. Os cientistas não sabiam que muitos caracóis viviam na Ilha da Páscoa, que foi completamente desflorestada há séculos atrás, até estudarem fósseis.

Mas as espécies na ilha da Nova Guiné ainda podem ser salvas se a floresta for conservada.

“Não conhecemos tudo o que existe”, disse o investigador. “A maioria das pessoas pode não ter ideia do pouco que sabemos sobre os invertebrados, ainda que entre 95 e 99% de todos os animais sejam invertebrados. Podes ir a um lugar, explorá-lo durante alguns meses e encontrar todo o tipo de coisas que ainda não tinham sido descritas.”


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Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.