Foto: Aketza Herrero Barrencua

Molusco Internacional do Ano 2023: Vote no seu favorito entre cinco candidatos

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Este domingo, dia 19, termina a eleição online. Entre os concorrentes está uma ostra gigante, cujo primeiro exemplar descrito provinha do mar dos Açores, um caracol marinho exclusivo do Atlântico e ainda uma lesma observada em Portugal.

A eleição deste ano arrancou a 1 de Março e está aberta a qualquer pessoa interessada em participar nesta competição, organizada desde 2020 pela Sociedade Internacional para a Pesquisa em Moluscos (Unitas Malacologica), e também pela Senckenberg Society for Nature Research e pelo LOEWE Centre for Translational Biodiversity Genomics (TBG), da Alemanha.

O objectivo desta competição é “aumentar a notoriedade quanto à riqueza da diversidade dos moluscos e quanto à necessidade de a proteger”, explicam os organizadores, numa nota de imprensa. Com efeito, o filo dos moluscos é o segundo maior do planeta, com 85.000 espécies diferentes descritas até hoje, todas elas com diferentes tamanhos, formas, comportamentos e habitats.

Mas então, o que caracteriza um molusco? Todos estes invertebrados têm uma cabeça, um “pé” que contém por um músculo forte para se locomoverem, e um saco para os intestinos. A maioria vive na água. Surgiram na Terra há cerca de 500 milhões de anos e acredita-se que ainda existem muitas espécies por descrever para a ciência.

Com efeito, apesar da grande diversidade entre os milhares de animais deste grupo, “os moluscos são ainda um grupo largamente inexplorado”, confirma Carola Greve, do LOEWE Centre TBG. Assim, o candidato que até domingo receber mais votos terá o seu genoma – a informação hereditária contida no seu ADN – totalmente sequenciado, ajudando a saber mais sobre a espécie em particular mas também sobre a evolução e modo de vida de todos os moluscos.

Em 2021, o grande vencedor foi um argonauta da espécie Argonauta argo, o maior molusco cefalópode deste género, e em 2022 seguiu-se um caracol colorido e ameaçado de extinção, o caracol-pintado-cubano (Polymita picta). Fique a conhecer os cinco candidatos deste ano e escolha aqui o vencedor. Os resultados são divulgados na quinta-feira, dia 23 de Março.

1. Ostra-gigante-de-matusalém (Neopycnodonte zibrowii)

Esta é uma das maiores ostras já descobertas em águas profundas e um dos animais que mais anos vive, excluindo animais coloniais como os corais. A ostra-gigante-de-matusalém (a partir do nome em inglês, ‘giant Methuselah oyster’), tal como o nome comum indica, tem uma longuíssima esperança de vida, podendo ultrapassar os 500 anos.

Esta ostra de conchas grossas e robustas habita o mar profundo do Médio Atlântico e do Atlântico Leste, chegando a viver a 1000 metros de profundidade. Ao longo de milhares de anos, estas ostras gigantes podem formar grandes recifes, construindo vastas paredes verticais às quais estes moluscos ficam agarrados.

“Os indivíduos vivos só podem ser detectados e documentados com ajuda de tecnologias marinhas avançadas”, o que explica porque é que um animal tão grande (que pode chegar aos 30 centímetros) permaneceu sem nome científico até ao final de 2008, explica uma nota do LOEWE Centre TBG. As primeiras ostras desta espécie descritas para a ciência foram recolhidas no canal do Faial, entre as ilhas do Faial e do Pico, nos Açores.

Mas o que poderá resultar da sequenciação do seu genoma? Segundo a equipa do centro alemão, se for esta a espécie escolhida, “dará importantes perspectivas sobre a sua extraordinária longevidade e sobre a sua relação filogenética com os seus primos comuns, de águas rasas”.

2. Caracol Micromelo undatus

Foto: Aketza Herrero Barrencua

Este pequeno molusco pertence à família Acteonidae, que reúne pequenos caracóis marinhos que se alimentam de poliquetas, incorporando as toxinas desses vermes e usando-as para se defenderem de predadores como as estrelas-do-mar. Com uma concha inferior a 2,5 centímetros, é uma espécie endémica do Oceano Atlântico, único local do mundo onde habita, incluindo as águas dos Açores e da Madeira. Prefere poças de maré ou águas com uma profundidade máxima de 10 metros.

Este caracol com as cores do arco-íris quase nunca se esconde dentro da concha e permanece activo noite e dia. E segundo os organizadores do concurso, tem um segredo escondido: brilha sob raios UV, quando a concha assume tons vermelhos e o corpo parece verde.

Sequenciar o genoma desta espécie permitiria aos cientistas conhecerem melhor o processo que levou à formação das estruturas típicas dos caracóis, tal como a transição dos moluscos marinhos para a superfície terrestre. Os genes responsáveis pelos tons iridescentes, os mecanismos ligados ao brilho e a colonização dos oceanos são outras questões que despertam a curiosidade dos investigadores.

3. Lesma-leopardo (Limax maximus)

Lesma-leopardo. Foto: Holger Krisp/WikiCommons

Já identificada no consultório “Que Espécie é Esta?”, esta lesma é uma de várias espécies desse grupo que podemos observar em Portugal no Outono, sendo também nativa de outros países da Europa e do Norte de África. Foi introduzida em muitos outros locais do mundo, desde a América à Nova Zelândia e Austrália.

Pode chegar aos 10 a 20 centímetros e vive até três anos. Por vezes é chamada de amiga do hortelão, pois além de se alimentar principalmente de detritos vegetais e fungos, come também outras espécies de lesma e os seus ovos. É muito raro encontrar uma lesma-leopardo a alimentar-se das plantas de um jardim e por vezes estes moluscos são criados como animais de estimação, devido aos seus padrões curiosos.

Esta espécie é ainda famosa devido à forma como acasala: “depois de fazerem a corte durante horas, [as duas lesmas] sobem a uma árvore e penduram-se por um fio de muco, revirando os seus pénis para trocarem esperma”, descreve a equipa do concurso. Estas lesmas são hermafroditas, ou seja, assumem tanto o género sexual masculino como o feminino.

A sequenciação do genoma da lesma-leopardo servirá, entre outras coisas, para compreender melhor o seu sucesso na adaptação a diferentes habitats por todo o planeta, o que é “relevante nestes tempos de alterações climáticas”.

4. Nudibrânquio-de-chifres-grossos (Hermissenda crassicornis)

Foto: Jonghyun Park/iNaturalist

Esta enigmática lesma do mar encontra-se ao longo da costa oriental da América do Norte, desde o norte da Califórnia ao Alaska, muitas vezes na zona intertidal rochosa. Está coberta de elevações que se assemelham a pequenos chifres, chamados de cerata, que podem ser laranjas ou castanhos, e que apresentam uma risca branca vertical.

Estes cerata têm dois objectivos: aumentar a superfície do corpo através da qual este molusco respira e também sequestrar as células venenosas que o protegem dos seus predadores. “As células não são produzidas pelo nudibrânquio, mas sim roubadas das suas presas”, como é o caso das anémonas, explicam os organizadores da competição.

Este nudibrânquio come também corais, mexilhões, vermes e mesmo outras lesmas do mar. Pode crescer até aos cinco centímetros. É através dos dois rinóforos, os pequenos chifres que lhe crescem na cabeça, que consegue cheirar o que está em redor. Foram estes também que deram origem ao nome comum de “nudibrânquio-de-chifres-grossos” (traduzido do nome original em inglês, ‘thick-horned nudibranch’).

Quanto ao interesse deste molusco para a ciência, “a Hermissenda crassicornis tem um sistema nervoso muito simples que a torna num importante organismo modelo para estudar o condicionamento clássico, a aprendizagem associada, a formação de memória”. Com o genoma descodificado, os cientistas poderiam perceber melhor a maquinaria molecular destes processos e onde ocorre na rede neuronal, identificando por exemplo os genes envolvidos na consolidação de memórias. E assim, este genoma pode ser interessante não apenas para a ciência marinha, mas por exemplo para sabermos mais sobre a forma como os mamíferos conseguem aprender, sublinham os responsáveis pelo concurso.

Abalone-chileno (Concholepas concholepas)

Foto: Gustavo Duarte Sepulveda

Este grande molusco, apelidado de ‘loco’ pelos habitantes do Chile, está presente em áreas rochosas costeiras no Pacífico Sudeste, entre o Perú e o Chile. Apesar de fazer lembrar um abalone, bivalve da costa ocidental dos Estados Unidos e do México, é na verdade de um grupo diferente, o dos caracóis marinhos da família Muricidae. A sua concha pode ter mais de 15 centímetros.

Desde os tempos pré-colombianos que este caracol é pescado para consumo humano, sendo um recurso importante para muitos pequenos pescadores locais. No entanto, tem sido alvo de sobre-exploração nas últimas décadas e algumas populações sobrevivem em áreas fortemente poluídas.

“O seu genoma vai ajudar a compreender como é que os invertebrados marinhos lidam, a nível molecular, com elevados níveis de pesca e como toleram ambientes poluídos”, notam os organizadores do concurso para Molusco Internacional do Ano. Será também importante para analisar como se ligam entre si diferentes populações, ao longo de uma vasta área de distribuição. E poderá ainda ter aplicações na luta contra o cancro, uma vez que a homacianina que transporta oxigénio no sangue deste molusco tem efeitos imunoterapêuticos contra vários tipo desta doença.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.