Canteiro da flora das herrizas da Beira Litoral. com um pinheiro-baboso (Drosophyllum lusitanicum) em flor. Foto: João Farminhão

Em Coimbra, há um percurso pelas plantas fascinantes do Portugal Botânico à sua espera

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Em poucos passos, os visitantes do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra podem agora viajar por difererentes pontos do país, transportados pelo pinheiro-baboso, a delicada catananque-azul ou a anémona-dos-bosques, mas também por solo e rochas desses locais. A Wilder falou com João Farminhão, responsável pelo projecto, e conta-lhe tudo sobre esta iniciativa.

O arranque deu-se há menos de um ano, em Janeiro passado, com uma expedição ao campo para recolher as várias peças que permitiriam reconstituir, num pequeno canteiro do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra (JBUC), a paisagem vegetal desse local, recorda João Farminhão, responsável pelo projecto Portugal Botânico. Plantas, terra e rochas foram cuidadosamente transportadas por uma equipa, dando assim início ao projecto.

A pouco e pouco, nos 48 pequenos canteiros que ladeiam três dos lados do chamado Quadrado Central deste jardim botânico, tem vindo assim a nascer um retrato da diversidade botânica portuguesa, de norte ao sul do país e também da Madeira e Açores. “São alguns dos espaços mais emblemáticos da nossa flora”, sublinha João Farminhão.

Foto: João Farminhão

Actualmente, estão já ocupados 21 dos canteiros neste projecto em construção, num trabalho que tem passado por expedições de uma equipa ligada ap JBUC, para recolha das plantas e de solo e rochas nos locais, mas também pela parceria com uma empresa viveirista que trabalha apenas com espécies autóctones, a Sygmetum, numa tentativa de acelerar o processo.

“A ideia é que o percurso seja o mais representativo possível do território nacional. Apostamos muito em espécies endémicas e em habitats fora do comum, incluindo rochas raras”, descreve o mesmo responsável, que é também investigador na Universidade de Coimbra. Os calcários presentes no canteiro da Arruda dos Pisões, em Rio Maior, são um dos exemplos de rochas raras, exemplifica. São muito mais resistentes do que a maioria dos calcários da Estremadura portuguesa, tendo sido formados num período geológico diferente e mais recente.

Já no que respeita às plantas, tem sido dada preferência àquelas que dão flores “bonitas” – de forma a cativarem os visitantes do jardim, que é aliás mais apelativo na Primavera, tal como acontece nos campos portugueses, indica João Farminhão. Outros critérios de escolha é o facto de serem espécies “endémicas” (ou seja, exclusivas do território nacional ou da Península Ibérica) e também perenes, “para que resistam por algum tempo”.

Neste trabalho em evolução, os canteiros que já estão completos contêm também uma placa com a identificação das espécies, com o nome da estação botânica (ou seja, o sítio visitado) e também a localização desse ponto num mapa de Portugal.

E para que as plantas para ali trazidas de locais tão diferentes do território consigam resistir à diferença de condições e temperaturas, a localização de cada canteiro tem sido planeada com cuidado. “Jogamos com o ensombramento e com a exposição solar”, indica João Farminhão. “As espécies mais nortenhas ficam nos espaços mais a norte, algumas ficam até abrigadas à sombra de árvores do jardim, enquanto que aquelas que pertencem a locais mais quentes são colocadas nos canteiros com exposição máxima”. Outra grande ajuda é o facto de a equipa transportar também consigo “uma boa porção de solo”, vindo dos locais onde estavam as plantas. “Ajuda sobremaneira.”

Foto: João Farminhão

O investigador explica ainda que todas as expedições realizadas até hoje aconteceram fora de áreas protegidas e sempre com autorização do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, pois algumas plantas são espécies protegidas a nível europeu.

Inspirados pelo botânico português Félix de Avelar Brotero

Mas como é que nasceu a ideia para o Portugal Botânico? Na verdade, além de ser uma viagem por diferentes pontos do território, o projecto é também uma espécie de viagem ao passado, pois foi buscar inspiração às origem do JBUC, fundado em 1772. No início do século XIX, quando Félix de Avelar Brotero era o segundo director deste jardim botânico, o território inicial deste espaço – que na altura se resumia ao chamado Quadrado Central – era dedicado à flora nacional. “Foi neste espaço que se lançaram as bases para a primeira flora portuguesa”, lembra João Farminhão, notando que o primeiro volume da Flora Lusitanica, da autoria de Brotero, foi publicado em 1804.

Desde então, ao longo de mais de 200 anos, este espaço do jardim foi passando por várias alterações e deixou de ter esse papel, sendo hoje um espaço de carácter mais ornamental, descreve o investigador. Daí que os 48 canteiros que ladeiam esta parte do jardim tenham agora a missão de recuperar essa parte do passado e “reflectir melhor essa longa história”. Esse trabalho vai continuar já muito em breve. Para Outubro, está já a ser programada uma nova expedição a mais um local – ou “estação botânica” – que serve de abrigo a plantas desconhecidas de quase todos, que assim poderemos passar a conhecer.


Saiba mais.

Assista aqui a um vídeo de apresentação do projecto, realizado pelo Jardim Botânico da Universidade de Coimbra.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.