Foto: Marie Savignac

Investigador da Universidade de Coimbra lidera identificação de nova orquídea em Madagáscar

A nova solenangis-gigante tem o maior tubo floral em relação ao tamanho da flor, em todo o mundo, e reforça uma das previsões feitas por Darwin no século XIX, que na altura foi ridicularizado.

A nova orquídea, cujo género taxonómico foi durante anos uma incógnita para os botânicos, foi batizada com o nome científico Solenangis impraedicta. O artigo que desvenda finalmente o mistério foi publicado esta semana na revista científica Current Biology, por uma equipa internacional de nove investigadores.

“Com as suas pequenas flores de dois centímetros de comprimento, apresenta, proporcionalmente, o maior tubo floral existente entre as cerca de 370 mil espécies de plantas com flor, constituindo um novo paradigma de hiperespecialização ecológica, com grande valor para o ensino da evolução”, explica o primeiro autor do estudo, João Farminhão, num comunicado da Universidade de Coimbra.

De facto, o tubo floral onde as plantas com flor guardam o néctar, que é chamado de “esporão” pelos botânicos, mede no caso desta orquídea um total de 33 centímetros. Esta é também a terceira espécie com o esporão mais comprido a nível mundial, em termos absolutos, apenas ultrapassada por outras duas orquídeas de Madagáscar que têm flores maiores.

Uma história que envolve Darwin, borboletas e orquídeas

O nome científico da nova orquídea, impraedicta, inspira-se numa conhecida narrativa ligada a Charles Darwin e numa hipótese que este colocou ligada à coevolução das espécies, contou à Wilder João Farminhão, que trabalha como investigador no Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra e no Jardim Botânico da mesma universidade.

A nova orquídea Solenangis impraedicta. Foto: Marie Savignac

Em 1862, o pai da teoria da evolução recebeu em casa uma orquídea de Madagáscar, a angreco-cometa (Angraecum sesquipedale), precisamente numa altura em que estava a escrever um livro sobre a reprodução das orquídeas. A angreco-cometa tem um longo esporão com 30 centímetros, o que levou Darwin a conjeturar que deveriam existir mariposas (borboletas noturnas) com um grande probóscide – como é chamada a tromba ou língua das borboletas – que lhes permitisse alimentarem-se desse néctar. Segundo João Farminhão, “na altura Darwin foi ridicularizado por muitas pessoas, devido à hipótese que colocou”.

O cientista britânico acreditava também que existiriam em Madagáscar outras orquídeas com características semelhantes, formando uma guilda de polinização. De facto, em 1965 foi descoberta nesta ilha africana uma segunda orquídea com um esporão igualmente comprido, a Angraecum longicalcar. Mas só em 1992 um cientista alemão conseguiu filmar uma borboleta noturna a alimentar-se do néctar da angreco-cometa, fazendo finalmente justiça às conjeturas do cientista britânico, 130 anos mais tarde.

Copa florestal onde habita a nova orquídea. Foto: Eugène Rasamimanana

A planta agora descrita é assim a terceira com um tubo floral igualmente comprido. Em Madagáscar, conhecem-se hoje duas espécies de mariposas que se conseguem alimentar destas plantas.

Em Perigo

A orquídea agora descrita foi encontrada pela primeira vez em 2009 por um botânico que participava num estudo de impacte ambiental, no âmbito de um projeto de exploração mineira em Madagáscar.

Entretanto, amostras da planta foram enviadas para a capital da ilha africana, Antananarivo, e daí viajaram para Paris e Bruxelas, onde foram examinados por outros peritos. “Desde o princípio que se percebeu que era uma espécie extraordinária”, recorda João Farminhão, que na altura estava a concluir o doutoramento em Bruxelas, onde teve o seu primeiro contacto com esta orquídea.

“No início, os botânicos pensavam que se tratava de uma orquídea do género Cryptopus ou do género Oeonia“, lembra o investigador. Só após vários anos e com recurso a tecnologias mais recentes foi possível terem a certeza sobre o grupo a que afinal pertence, o género Solanengis.

Características da nova orquídea solenangis-gigante (Solenangis impraedicta). Autoria: Farminhão et al.

Entre as outras orquídeas que pertencem a este género, a mais próxima não se encontra sequer em Madagáscar, mas sim na costa oriental africana, e tem um esporão bastante menor, com apenas sete centímetros de comprimento.

A nova espécie foi classificada com o estatuto Em Perigo, devido à desflorestação associada à exploração mineira na zona onde foi encontrada, mas também por causa da corrida desenfreada que este tipo de anúncios costuma despertar junto dos colecionadores de orquídeas. Por esse facto, explicam os autores do artigo na Current Biology, a sua localização exata na natureza não é divulgada.

Entretanto, as sementes da solenangis-gigante têm vindo a ser guardadas em bancos de sementes, uma vez que estas têm capacidade de durar dezenas de anos, e estão também a iniciar-se testes de propagação em cultivo. O objetivo é proteger o futuro desta nova orquídea singular, em jardins botânicos, e satisfazer a sua procura para coleções particulares.


Saiba mais.

A época das orquídeas em flor está agora no seu início. Recorde algumas das orquídeas nativas de Portugal e estas cinco pistas para as procurar. E inspire-se também no livro “Aires e Candeeiros: Campo de Orquídeas Silvestres”, de Luís Afonso.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.