abutre do Egipto em grande plano
Abutre-do-Egipto. Foto: Pixabay

Quase metade das espécies de animais migradores estão em declínio, alerta ONU

A Convenção sobre a Conservação das Espécies Migradoras de Animais Silvestres (CMS, sigla em Inglês), um tratado de biodiversidade da ONU, apresentou hoje o primeiro Relatório sobre o Estado das Espécies Migradoras do Mundo, no arranque de uma importante conferência das Nações Unidas sobre a conservação da vida selvagem (COP14 da CMS).

A COP14 da CMS começou hoje em Samarcanda, no Uzebequistão, e vai durar uma semana. O objectivo desta reunião, que reúne representantes de 75 países, é estudar medidas que permitam avançar na aplicação da Convenção. O Relatório dá a base científica e as recomendações que apoiam esta COP14.

Este relatório histórico revela que 41% das espécies migradoras incluídas nos anexos da CMS estão a registar declínios, ainda que algumas estejam a melhorar.

Baleia-azul. Foto: NOAA Photo Library

Revela ainda que mais de uma em cada cinco espécies (22%) incluídas na CMS estão Em Perigo de extinção. Em situação especialmente grave estão os peixes. Quase todos (97%) os peixes incluídos na Convenção (tubarões, raias e esturjões) estão Em Perigo de extinção. As suas populações declinaram em média 90% desde a década de 1970.

O risco de extinção é cada vez maior para as espécies migradoras a nível mundial, incluindo as que não fazem parte da CMS (399 espécies).

As duas maiores ameaças para as espécies migradoras são a sobre-exploração – que inclui a caça insustentável, a sobre-pesca e a captura acidental de animais – e a perda de habitats devido a actividades humanas (como a agricultura, expansão das infra-estruturas de transporte e energia), alerta o relatório.

Três em cada quatro espécies incluídas na CMS são afectadas pela perda, degradação e fragmentação do habitat; sete em cada dez são afectadas pela sobre-exploração (como a captura intencional ou acidental).

Mas há mais. As alterações climáticas, a poluição e as espécies invasoras também estão a ter impactos graves nestas espécies.

Até agora ainda não se tinha feito uma avaliação tão exaustiva das espécies migradoras. “O relatório dá uma visão global do estado de conservação e as tendências populacionais dos animais migradores, combinada com a informação mais recente sobre as suas principais ameaças e as medidas de sucesso para as salvar”, explica a ONU em comunicado.

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Abutre-do-Egipto. Foto: Artemy Voikhansky/Wiki Commons

“As actividades humanas insustentáveis estão a pôr em perigo o futuro das espécies migradoras, criaturas que não apenas actuam como indicadores das alterações ambientais mas que também têm um papel crucial na manutenção dos ecossistemas do nosso planeta”, alertou Inger Andersen, directora-executiva do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA). A responsável referia-se ao facto de estas espécies ajudarem a polinizar plantas, transportarem nutrientes chave, caçarem pragas e ajudarem a armazenar carbono.

“A comunidade mundial tem a oportunidade para traduzir estes conhecimentos científicos mais recentes sobre as pressões que as espécies migradoras enfrentam em medidas de conservação concretas. Dada a precária situação de muitos destes animais, não podemos permitir atrasos e devemos trabalhar juntos para traduzir as recomendações em realidade”, acrescentou.

Todos os anos, milhares de milhões de animais fazem viagens migratórias por terra, nos oceanos e rios, e no ar, cruzando fronteiras nacionais e continentes. Alguns viajam milhares de quilómetros para se alimentar e reproduzir.

O relatório – que contou com contribuições de peritos de instituições como a Birdlife International, a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) e a Sociedade Zoológica de Londres (ZSL) – centra-se nas 1.189 espécies de animais que as Partes da CMS reconheceram como a precisar de protecção internacional e que figuram nos anexos da CMS. Ainda assim, também apresenta análises relacionadas com mais de 3.000 espécies migradoras adicionais que não estão incluídas na CMS.

As espécies incluídas nos anexos da Convenção são aquelas que correm perigo de extinção em toda ou em grande parte da sua área de distribuição, ou que precisem de uma acção internacional coordenada para melhorar o seu estado de conservação.

Águia-das-estepes. Foto: P. Jeganathan/WikiCommons

Nos últimos 30 anos, 70 espécies migradoras incluídas na CMS – entre elas o abutre-do-egipto (Neophron percnopterus), a águia-das-estepes (Aquila nipalensis) e o camelo (Camelus bactrianus) – passaram a estar sujeitas a um maior nível de ameaça.

Pelo contrário, apenas 14 espécies incluídas nos anexos têm agora um melhor estado de conservação, entre elas a baleia-azul (Balaenoptera musculus) e o colhereiro-de-cara-preta (Platalea minor).

Uma prioridade chave é cartografar e tomar medidas para proteger os locais vitais que servem de sítios de reprodução, alimentação e descanso para as espécies migradoras. O relatório defende também o reforço das medidas para fazer frente à captura ilegal e insustentável de espécies migradoras e das capturas acidentais; ligar as áreas importantes para estas espécies; combater a poluição luminosa, sonora, química e por plásticos; e incluir mais espécies nos anexos da CMS.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.