Estudo: 60% das plantas e insectos estão “desencontrados” por causa das alterações climáticas

Os timings das plantas estão a avançar, em média, quatro vezes mais depressa do que o dos insectos, o que destrói o sincronismo essencial para várias relações entre as espécies, como a polinização, alerta novo estudo.

O estudo de investigadores da Universidade de Oxford e da Academia Chinesa das Ciências, apresentado no encontro anual da Sociedade Ecológica Britânica, em Belfast, (de 12 a 15 de Dezembro de 2023) analisou mais de 1.500 espécies de insectos herbívoros ao longo de 34 anos.

Os investigadores descobriram para 60% dos insectos já estão a ter dificuldades em acompanhar as plantas das quais dependem porque as alterações climáticas estão a fazer com que certos fenómenos da natureza, como a floração, aconteçam cada vez mais cedo.

À medida que as alterações climáticas se intensificam, as plantas têm vindo a ajustar os seus timings sazonais quatro vezes mais depressa do que os insectos, em resposta às condições do ambiente em que vivem e que estão a mudar.

As borboletas e as traças estão entre o grupo mais sensível de insectos a estes desencontros temporais. Por exemplo, a borboleta fritilária-verde-escura (Argynnis aglaja) está a ter dificuldades em acompanhar o ritmo das plantas das quais as suas lagartas dependem, como a violeta-brava (Viola riviniana) ou a violeta-palustre (Viola palustris).

Borboleta fritilária-verde-escura. Foto: Charles J. Sharp/Wikimedia Commons

Outros insectos em dificuldades revelados neste estudo são a abelha-de-cara-branca da espécie Hylaeus communis, o besouro-abelha (Trichius fasciatus) e o percevejo Aelia acuminata.

Em geral, os investigadores descobriram que os insectos que apenas se reproduzem uma vez por ano estão a ser mais afectados do que aqueles que se reproduzem mais do que uma vez.

O sincronismo entre actividades biológicas cruciais – como o tempo de crescimento e de reprodução – em plantas e insectos é essencial para manter ecossistemas equilibrados e saudáveis e uma boa produção alimentar.

Yanru Huang, da Academia Chinesa das Ciências e da Universidade de Oxford, alertou, em comunicado, que “o desencontro entre a fenologia de plantas e insectos que observámos no nosso estudo coloca uma ameaça significativa tanto aos ecossistemas como ao nosso modo de vida. Poderemos ver, em breve, a extinção de espécies que dependem umas das outras ou até mesmo o colapso da rede alimentar”.

E Roberto Salguero-Gómez, investigador da Universidade de Oxford, lembrou que este problema “não afecta apenas a biodiversidade mas a nós também. Dado que 84% das culturas na Europa dependem directamente dos insectos para a polinização, fica claro até onde dependemos dos serviços dos ecossistemas que os insectos providenciam”.

“Se pensarem no que comemos ao pequeno-almoço esta manhã, tudo veio graças à natureza e muito graças aos insectos. Se comemos frutos vermelhos, amêndoas, chá ou café, nada disso estaria ali se não fossem os insectos.”

No estudo, os investigadores usaram dados da base de dados Global Biodiversity Information Facility. Estudaram de que forma as alterações climáticas estão a afetar espécies na Europa porque esta região está particularmente bem estudada tanto por ecólogos como pelas pessoas em geral, permitindo um estudo a grande escala temporal e espacial.

Os investigadores incluíram os quatro grupos de insectos mais bem estudados: Hemiptera (por exemplo, cigarras e percevejos), Hymenoptera (por exemplo, abelhas e formigas), Coleoptera (por exemplo, escaravelhos) e Lepidoptera (por exemplo, borboletas).

“Esperamos que o nosso estudo ajude a despertar a atenção para as formas como as alterações climáticas desestabilizam os sistemas naturais”, comentou Yanru Huang. “Nos últimos anos assistimos ao rápido declínio da diversidade de insectos na Europa e ao aumento dos impactos das alterações climáticas no Ambiente. Gostávamos que a nossa investigação promovesse estratégias para responder a esses desafios.”


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Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.