Morcegos. Foto: Shankar S./Wiki Commons/arquivo

Estudo revela que morcegos da ilha da Madeira ajudam a travar pragas agrícolas

Até 40% da dieta alimentar dos morcegos da ilha da Madeira são insectos considerados pragas agrícolas, entre eles a traça-da-bananeira (Opogona sacchari), revela uma equipa de investigadores num novo estudo.

Pela primeira vez sabemos o que comem as três espécies de morcegos que vivem na Ilha da Madeira, graças a um estudo realizado no Parque Ecológico do Funchal e publicado este mês na revista científica internacional Journal of Mammology. E há boas notícias para os agricultores.

“Foram muitas noites de trabalho árduo, mas com muito esforço conseguimos capturar mais de 100 morcegos o que nos permitiu examinar as diferenças alimentares entre as várias espécies”, contou, em comunicado, Angelina Gonçalves, investigadora que liderou o estudo, no âmbito da sua tese de mestrado na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.

Na Madeira ocorrem três espécies: o morcego-da-madeira (Pipistrellus maderensis), o morcego-arborícola-da-madeira (Nyctalus leisleri verrucosus) e o morcego-orelhudo-cinzento (Plecotus austriacus). Todas se alimentam de insectos.

Através da utilização de técnicas genéticas, sabemos agora de que se alimentam. Na verdade, este foi um dos primeiros estudos a investigar a dieta de morcegos em ilhas oceânicas. 

O trabalho de campo aconteceu de Setembro a Outubro de 2021, de noite, entre as 18h00 e as 04h00 para coincidir com o pico de actividade destes pequenos animais. Foram instaladas redes finas para capturar morcegos em cinco locais dentro do Parque Ecológico do Funchal. Quando capturaram os morcegos, os investigadores registaram o sexo, a idade (se eram adultos ou juvenis), o peso, o comprimento das asas e o estatuto reprodutivo.

Os animais foram mantidos em saquinhos de pano até terem defecado, após o qual foram recolhidas amostras; estas foram armazenadas em tubos refrigerados até ser extraído o ADN, essencial para este estudo.

Foram recolhidas amostras das três espécies, em maior quantidade do morcego-arborícola-da-madeira.

“Todas as três espécies alimentam-se principalmente de borboletas noturnas. Mas algo que não estávamos à espera é que uma percentagem tão grande de presas correspondesse a pragas agrícolas ou florestais – no total mais de 40% das espécies detetadas na dieta dos morcegos são pragas prováveis, ou confirmadas”, acrescentou Angelina Gonçalves.

A expansão agrícola é uma das principais causas de declínio da biodiversidade a nível mundial. No entanto, algumas espécies conseguem explorar os recursos existentes em zonas agrícolas.

“Enquanto a maioria das espécies nativas de ilhas como a Madeira seja afetada negativamente pela modificação do habitat impulsionada pela agricultura, algumas espécies beneficiam da modificação do habitat e aumentam a sua abundância em áreas agrícolas. Num estudo anterior, em que usámos detetores acústicos para investigar a distribuição dos morcegos por toda a ilha, tínhamos mostrado que este era o caso do Morcego da Madeira (Pipistrellus maderensis) que, sendo particularmente abundante em zonas agrícolas, talvez se estivesse a alimentar de pragas agrícolas, algo que conseguimos agora confirmar”, destacou Ricardo Rocha, investigador da Universidade de Oxford.

Os resultados desta investigação revelam um total de 110 presas de artrópodes na dieta destas espécies de morcegos.

Entre as espécies de presa consideradas pragas agrícolas destacam-se a traça-da-bananeira (Opogona sacchari) que afeta plantações de banana e pode ter impacto em várias espécies ornamentais como as estrelícias (Strelitzia reginae). 

“No Porto Santo existe apenas uma espécie de morcego (Pipistrellus maderensis), mas também aí os morcegos se alimentam de pragas agrícolas”, explicou Eva Nóbrega, co-autora do artigo e estudante de doutoramento do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa). “Além disso, num estudo que publicámos em 2023, detectámos que no Porto Santo consomem insetos vetores de doenças, incluindo mosquitos Culex”.

Em paralelo com este estudo, a Câmara Municipal do Funchal, através do Parque Ecológico do Funchal, e em colaboração com professores e alunos da Escola Dr. Horário Bento de Gouveia, desenvolveu um projeto de colocação de abrigos artificiais para morcegos, cujo principal objetivo foi sensibilizar a comunidade escolar e o público em geral para a importância da conservação dos únicos mamíferos nativos existentes na ilha, tendo sido criados painéis informativos e uma exposição itinerante sobre o tema.

Recentemente verificou-se que alguns dos abrigos já se encontravam ocupados, o que demonstra que abrigos artificiais podem ser uma forma fácil de recrutar os serviços de ecossistema fornecido pelos morcegos e ajudar na conservação destas espécies.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.