Estuário do Tejo. Foto: Joana Bourgard/Wilder

Mais de 60% das espécies da Europa estão em declínio

Mais de 60% das espécies e de 80% dos habitats europeus estão em declínio, alerta um relatório da Agência Europeia do Ambiente revelado hoje e referente ao período entre 2012 e 2018.

O relatório “O Estado da Natureza na União Europeia”, feito com base em informações de cada Estado membro da União Europeia, mostra aquilo que, nas palavras da Liga para a Protecção da Natureza (LPN), é “o mau estado global dos ecossistemas europeus, dos quais depende a saúde das populações e o bem-estar da sociedade”.

Por exemplo, 39% das 463 espécies de aves que habitam na Europa estão num estado considerado pobre ou mau.

Das espécies avaliadas, apenas 6% estão a recuperar.

O estatuto mais crítico é o dos peixes e anfíbios: 38% das espécies de peixe têm um estado de conservação “mau” e 50% das espécies de peixe e anfíbios estão em declínio.

Em Portugal, apenas 24% dos habitas estão em bom estado de conservação, 72% estão em estado inadequado ou mau e 4% estão em situação desconhecida. Os habitats em pior estado de conservação são as florestas, com apenas 4% em bom estado, e os habitats costeiros com 12.5%.

Para os habitats com estatuto desfavorável ou desconhecido, Portugal apresenta a maior percentagem de habitats em declínio (quase 20%) de entre todos os Estados-Membros, sublinha a ANP-WWF.

“Para as espécies com estatuto desfavorável ou desconhecido, o nosso país tem uma elevada percentagem (mais de 60%) cuja condição é desconhecida, revelando a falta de investimento na monitorização das espécies”, acrescenta esta organização.

“Portugal também fica mal na fotografia por se encontrar no grupo de Estados-Membros que ainda só designaram menos de 20% das suas Zonas Especiais de Conservação, no âmbito da Diretiva Habitats.”

Este documento vem confirmar a “tendência de declínio identificada na última avaliação, há cinco anos”, alerta Catarina Grilo, Diretora de Conservação e Políticas da ANP|WWF.

As três principais causas deste declínio são a insustentabilidade da agricultura e exploração florestal intensivas, a expansão urbana e a poluição.

Além disso, há uma falta de implementação e cumprimento das directivas europeias pelos Estados- Membros.

A poluição do ar, da água e do solo, a sobre-exploração dos animais selvagens através da captura ilegal, caça e pesca, a obstrução de cursos de águas com barragens, a expansão das espécies invasoras, as alterações climáticas, o abandono das práticas agrícolas tradicionais, entre outras causas, impactam diretamente, diariamente, a biodiversidade e o funcionamento dos ecossistemas.

Para a Liga para a Protecção da Natureza, “as florestas portuguesas devem o seu mau estado de conservação, sobretudo, à ocorrência recorrente de incêndios, e ao avanço imparável, por ação humana ou regeneração natural, de espécies exóticas, como o eucalipto e as acácias”. “Já as pressões sobre os habitats costeiros, como as frágeis dunas, infelizmente são notícia frequente pelo apetite que têm gerado no sector hoteleiro, do turismo e da agricultura intensiva”.

A LPN considera que a situação poderá ser revertida com instrumentos como a agenda da Nações Unidas para a próxima década (a “Década do Restauro Ecológico”), da Comissão Europeia – com as novas Estratégias para a Biodiversidade e “Do Prado ao Prato” –, e nacionais e com os “fundos necessários”.

Mas este relatório denuncia que “a Europa está longe de cumprir os principais objetivos da sua Estratégia para a Biodiversidade para 2020, agora que o prazo final se aproxima”, recorda a ANP – WWF.

“Este relatório alerta-nos assim para a importância de salvar o que resta da Europa selvagem. É, por isso, essencial que os Estados-Membros reforcem a aplicação das leis de proteção da natureza e que garantam uma maior disponibilidade de recursos financeiros e humanos para essa missão.”

Nas próximas semanas, vários encontros políticos podem ser a resposta para inverter esta perda de biodiversidade. A elaboração em curso do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC), que irá determinar como Portugal irá aplicar os fundos neste setor, será determinante para mitigar os impactos negativos da agricultura sobre a biodiversidade. 

“Ignorar a ambição da ‘Estratégia Do Prado Ao Prato’ na elaboração do PEPAC, como Portugal está atualmente a fazer, é a receita para continuarmos num declínio vertiginoso da biodiversidade terrestre e dos ecossistemas de água doce, e para termos uma agricultura que não oferece aos seus cidadãos a possibilidade de adotarem uma dieta saudável que respeita o planeta”, defende Catarina Grilo.

O financiamento da Rede Natura 2000 em Portugal, que deverá brevemente entrar em consulta pública, é fundamental para proteger habitats e espécies nacionais de importância europeia, segundo a ANP-WWF.

A somar a isto, a consulta pública em curso sobre a Estratégia Nacional para o Mar 2020-2030 é também uma oportunidade para reforçar a ambição nacional de até 2030 proteger 30% das zonas marítimas sob jurisdição nacional.

A ANP – WWF apela aos decisores políticos para que, com base nos alarmantes dados do relatório “O Estado da Natureza na União Europeia”, apoiem e implementem estratégias sustentáveis de defesa da biodiversidade. “São precisas mudanças drásticas nas políticas ambientais da UE. Os dados do relatório falam por si: o tempo para atuar é agora. As próximas decisões podem mudar tudo.”


Saiba mais.

Consulte o relatório completo “O Estado da Natureza na União Europeia” aqui.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.