Mamíferos selvagens aproximaram-se mais de nós durante confinamentos da Covid-19

Uma equipa internacional de cientistas concluiu que mamíferos selvagens como elefantes, girafas, ursos e veados percorreram distâncias mais longas e aproximaram-se mais das estradas durante os confinamentos impostos pela pandemia de Covid-19.

As restrições drásticas nos nossos movimentos e deslocações durante os confinamentos nos primeiros meses da Covid-19, na Primavera de 2020, resultaram em alterações comportamentais dos mamíferos terrestres, revelou um artigo publicado a 8 de Junho na revista Science.

Elefantes durante a travessia de uma estrada. Foto: Tempe Adams

Por exemplo, a habitual aversão dos pumas ou leões-da-montanha (Puma concolor) aos perímetros urbanos cesou, a abundância de porco-espinho-de-crista-africano (Hystrix cristata) em áreas urbanas aumentou, a actividade diurna do coelho-da-Florida (Sylvilagus floridanus) também aumentou e os ursos-pardos (Ursus arctos) exploraram novos corredores ecológicos.

No estudo – no qual participaram 174 investigadores, entre eles João Paulo Silva, do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (BIOPOLIS-CIBIO) da Universidade do Porto – foram recolhidos dados sobre os movimentos de 43 espécies de mamíferos terrestres de todo o mundo, monitorizados por dispositivos GPS. No total, foram incluídos mais de 2.300 indivíduos: desde elefantes e girafas a ursos e veados. 

Depois, os investigadores compararam os movimentos dos mamíferos durante o primeiro período de confinamento, de Janeiro a meados de Maio de 2020, com os movimentos durante os mesmos meses do ano anterior. 

Durante os confinamentos com mais restrições, os animais percorreram distâncias até 73% mais longas num período de 10 dias do que no ano anterior, revelou um comunicado do BIOPOLIS-CIBIO enviado à Wilder.

Também se verificou que os animais se encontravam, em média, 36% mais perto das estradas do que no ano anterior.

“Isto deve-se, provavelmente, ao facto de essas estradas estarem menos movimentadas durante os confinamentos rigorosos”, explicou Marlee Tucker, investigadora da Universidade de Radboud e primeira autora do estudo.

A existência de menos pessoas no exterior durante os confinamentos rigorosos deu oportunidade aos animais para explorar novas áreas.

Em contrapartida, nas zonas com confinamentos menos restritivos, os animais percorriam distâncias mais curtas. Isto pode ter a ver com o facto de, durante esses confinamentos, as pessoas serem encorajadas a irem para a natureza e algumas áreas naturais estavam mesmo mais ocupadas do que antes da COVID-19.

Alces a invadir locais limitados por cercas. Foto: Mark Gocke

“As restrições do COVID representaram uma oportunidade única para, à escala global, avaliar o efeito quotidiano que as atividades humanas têm no comportamento espacial dos mamíferos”, comentou João Paulo Silva. “A nossa investigação demonstrou que os animais respondem rapidamente às alterações da atividade humana, ocupando áreas que habitualmente são mais perturbadas.” 

Isso foi o que mais o surpreendeu nos resultados desta investigação, comentou à Wilder. “Estes resultados surpreenderam-me principalmente por constatar a ‘plasticidade’ dos animais em ocuparem habitats que habitualmente não estão disponíveis.”

Além disso, os investigadores salientam que esta é uma prova do nosso impacto, “variável mas substancial”, na mobilidade da vida selvagem por todo o mundo.

Para Marlee Tucker, “isto traz-nos esperança para o futuro porque, em princípio, significa que fazer alguns ajustamentos ao nosso próprio comportamento pode ter um efeito positivo nos animais selvagens”.

Actualmente algumas espécies selvagens estão a regressar a zonas de Portugal com menos pessoas.

Essa “é uma tendência que se regista principalmente nalgumas zonas fronteiriças como o Vale do Coa”, comentou João Paulo Silva à Wilder.

“Com o ‘Rewilding’ tem que se ter em atenção que para o ecossistema ser funcional isso vai requerer uma extensão muito considerável de habitat que ainda não tem”, advertiu o investigador. Na sua opinião, é preciso, pelo menos numa primeira fase, “uma gestão ativa para otimizar o potencial em termos de biodiversidade e de gestão de espécies ameaçadas”.

Contudo, alertou, “há também que ter em atenção que o abandono de áreas agrícolas extensivas poderá ter também impactos negativos, na medida em que se vão perder valores que se adaptaram ao Homem e suas práticas ao longo de muitas centenas de anos, constituindo inclusivamente hotspots de biodiversidade”.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.