Morreu Otília Urbano, guardiã dos abutres e das águias do Tejo Internacional

Técnica de biologia do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), trabalhava no Parque Natural do Tejo Internacional há quase 20 anos.

Otília Urbano morreu aos 64 anos, no dia 11 de Dezembro, vitimada por um cancro. Em 1981 tinha ingressado no então Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza (hoje ICNF) na carreira de desenho, com formação da Escola de Artes Decorativas António Arroio.

Trabalhava desde 2001 no Parque Natural do Tejo Internacional, como membro da equipa do Instituto para a Conservação das Florestas e da Natureza (ICNF). Foi nessa área protegida que se dedicou a um trabalho que a apaixonava: a monitorização de espécies prioritárias, entre várias tarefas vigiando os ninhos de abutres-pretos e águias-imperiais. Ao mesmo tempo operava com sistemas de informação geográfica, actualizando as bases de dados dessas espécies.

Otília Urbano com um abutre-preto no Parque Natural do Tejo Internacional. Foto: DR

A Wilder publica este pequeno texto de homenagem enviado por Alfonso Godino, do Hawk Mountain Sanctuary, envolvido no estudo dos abutres-pretos no Tejo Internacional, e pelos veterinários e membros da equipa do ICNF que trabalhavam com Otília, como Anabela Simões e João Carvalhinho:

“Muitas vezes lutamos com veemência para conseguir as nossas ambições e desafios, mas outras vezes por uma casualidade, coincidência, destino – ou chamemos-lhe de qualquer forma – a vida oferece-nos experiências e pessoas que ultrapassam largamente a maior das nossas expectativas.

E este é o caso da Otília Proença Urbano, técnica do ICNF adscrita ao P.N. do Tejo Internacional, que infeliz e subitamente nos deixou no passado 11 de dezembro.

Lembro-me do meu primeiro encontro com a Otília, e o seu inseparável marido e companheiro Sérgio, no marco geodésico da Cabranosa, em Sagres. O seu entusiasmo, paixão e dedicação pelas aves rapinas do Tejo Internacional levaram-me, quase de forma impercetível, a este espaço e com uma das espécies que ela mais adorava, o abutre-preto.

A Otília dedicou grande parte destas últimas duas décadas a monitorizar, estudar e conservar as populações de rapinas do Tejo Internacional, especialmente os abutres-pretos, a águia-imperial-ibérica e também a águia-de-bonelli, entre outras.

O seu conhecimento, afinco e dedicação, acompanhados de uma enorme modéstia e humildade, foram o grande motor necessário para a realização do projeto com o abutre-preto no P.N. Tejo Internacional, que já está no seu terceiro ano de vida e que, desde o nada, conseguiu somar diversas entidades publicas e privadas de Portugal assim como de outros países, aprofundando enormemente o conhecimento da maior colónia de abutre-preto do país.

A Otília fez com que as coisas difíceis que surgem ao longo deste tipo de projetos fossem ultrapassadas sem que nos apercebêssemos, para que pudéssemos chegar ao terreno com uma grande quantidade e qualidade de informação, com a qual todos ficávamos surpreendidos: localização dos ninhos, idade das crias de abutre-preto, acessos ao local, proprietários de herdades, autorizações, etc. Informação que obteve ao longo de todos estes anos de monitorização das grandes aves do Tejo Internacional e uma dedicação absoluta que ultrapassava os horários do seu trabalho e o esforço físico de horas, dias, meses e anos de dedicação a esta área protegida.

Nunca deixou de chegar até qualquer um dos ninhos de abutre-preto que estudámos durante estes três anos, ainda que para alguns destes ninhos o escarpado do terreno, o denso mato e o calor do fim de junho e início de julho no Tejo Internacional não facilitassem em nada esta tarefa. Somente neste último verão de 2020, a Otília decidiu não nos acompanhar a alguns dos ninhos, muito provavelmente limitada fisicamente pela sua situação, de que ninguém sabia. Ainda assim, foram apenas dois dos dez ninhos estudados aos quais não nos acompanhou.

Com a sua partida, um fundo pesar ficou na totalidade da equipa do projeto do abutre-preto no P.N. do Tejo Internacional, deixando um enorme vazio, impossível de preencher e convertendo a nossa volta para o Tejo Internacional numa difícil tarefa, pela imensa marca que a Otília deixou em cada um de nós, assim como em cada esteva, cada azinheira, rocha e ave desta zona transfronteiriça.

A conservação do património natural de Portugal, e mais concretamente as grandes rapinas do Tejo Internacional, tal como foi dito por um amigo e colega próximo no dia da sua partida, perderam a sua principal guardiã. 

A equipa do projeto do abutre-preto no P.N. do Tejo Internacional, o Hawk Mountain Sanctuary, veterinários e os colegas do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas no P.N. Tejo Internacional, desejam expressar o seu mais sincero reconhecimento ao inestimável trabalho da Otília Urbano em prol da conservação das rapinas ao longo destes anos, agradecendo-lhe a oportunidade que nos ofereceu para desfrutarmos dos seus conhecimentos, companhia e da sua amizade. 

E expressar as nossas mais profundas condolências para toda a sua família, e em especial, ao seu mais estreito e permanente companheiro, amigo e marido, Sérgio Saldanha. 

Muito obrigado por tudo Otília.”

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.