Sudan, deitado
Foto: OI Pejeta

Morreu Sudan, o último macho de rinoceronte-branco-do-norte do mundo

O desaparecimento desta sub-espécie de rinoceronte parece cada vez mais próximo, depois da morte ontem de Sudan, o único macho, num santuário no Quénia. Restam apenas duas fêmeas.

 

São cinco as espécies de rinocerontes no planeta – branco, preto, indiano, de Samatra e de Java – e todas estão ameaçadas. Poucos animais sobrevivem fora de áreas protegidas.

rinoceronte-branco (Ceratotherium simum), a espécie de maiores dimensões, é agora notícia porque morreu nesta segunda-feira o último macho da sub-espécie rinoceronte-branco-do-norte, Sudan, no santuário Ol Pejeta Conservancy, no Quénia. Tinha 45 anos.

 

 

Em comunicado, o santuário explica que Sudan sofria de complicações relacionadas com a sua idade, nomeadamente alterações degenerativas nos músculos e ossos e feridas na pele. “O seu estado de saúde deteriorou-se significativamente nas últimas 24 horas; não se conseguia levantar e estava a sofrer muito.” Perante esta situação, a equipa de veterinários do santuário, do Zoo Dvůr Králové e do Serviço de Vida Selvagem do Quénia tomou a decisão de o eutanasiar.

Sudan foi o protagonista de uma vida memorável e “conquistou o coração de todos com a sua dignidade e força”, relembra o santuário. Nos anos 1970 escapou à extinção da sua sub-espécie na natureza quando foi levado para o Zoo Dvůr Králové. “Ao longo da sua vida contribuiu significativamente para a sobrevivência da sua espécie ao ter tido duas fêmeas como descendência”, a sua filha Najin e a filha desta, Fatu. Ambas continuam em Ol Pejeta.

Além disso, ontem os veterinários recolheram material genético de Sudan, na esperança de vir a ser utilizado em futuras tentativas de reprodução, através de avançadas tecnologias celulares.

 

 

“Nós em OI Pejeta estamos muito tristes com a morte de Sudan”, disse Richard Vigne, director do santuário. “Ele era um grande embaixador da sua espécie e será recordado pelo trabalho que fez para sensibilizar o mundo para a luta dos rinocerontes e de muitas outras espécies que enfrentam a extinção, como resultado de actividades humanas insustentáveis.”

Actualmente, a única esperança para a preservação desta sub-espécie é o desenvolvimento da técnica da Fertilização In Vitro (FIV), usando ovos das duas fêmeas que restam, sémen de machos que foi anteriormente recolhido e guardado e fêmeas de rinoceronte-branco-do-sul como substitutas para a gestação.

 

Como chegámos a este ponto?

A caça furtiva nos anos 1970 e 1980, alimentada pela procura de corno de rinoceronte para a medicina tradicional chinesa e para fabricar punhais no Iémen, dizimou as populações de rinocerontes-brancos-do-norte no Uganda, República Centro Africana, Sudão e Chade. A última população selvagem – com 20 a 30 animais no Parque Nacional Garamba, na República Democrática do Congo – sucumbiu nos anos 1990 e no início de 2000. Em 2008, a maioria dos especialistas considerava o rinoceronte-branco-do-norte extinto na natureza.

Em 2009, os últimos quatro rinocerontes-brancos-do-norte férteis – dois machos e duas fêmeas – foram transferidos para OI Pejeta a partir do Zoo Dvůr Králové na República Checa, com o apoio da Fauna & Flora International e do Serviço de Vida Selvagem do Quénia. Esperava-se que o clima e as pastagens ricas do santuário, semelhantes ao habitat nativo destes animais, pudessem favorecer a reprodução.

À chegada a OI Pejeta, os quatro animais foram colocados sob vigilância 24 horas por dia, por guardas armados, e foi-lhes dada uma dieta com suplementos. “Contudo, apesar de terem sido observados a copular, não houve gravidezes com sucesso”, descreve o santuário.

 

 

Mais tarde soube-se que nenhuma das fêmeas era capaz de se reproduzir naturalmente e que apenas uma era fértil o suficiente para conceber artificialmente.

A morte do outro macho, Suni, de causas naturais em Outubro de 2014, enfatizou ainda mais a urgência em encontrar soluções alternativas.

 

E agora, que opções restam?

Os investigadores estão a tentar desenvolver “técnicas de reprodução assistida”, entre elas a FIV, para salvar esta sub-espécie. A Ol Pejeta Conservancy e o Zoo Dvůr Králové estabeleceram uma parceria com o IZW Berlin (Leibniz Institute for Zoo and Wildlife-Research), Avantea Cremona e o Serviço de Vida Selvagem do Quénia para, pela primeira vez, retirar óvulos das duas fêmeas que restam, fertilizá-los com o sémen previamente recolhido de machos e inserir os embriões que daí resultem em fêmeas de rinoceronte-branco-do-sul. “Isto nunca foi feito antes em rinocerontes e tem os seus riscos”, salienta o santuário.

“O Sudan foi o último rinoceronte-branco-do-norte a nascer na natureza. A sua morte é um símbolo cruel do desrespeito dos humanos pela natureza”, comentou Jan Stejskal, director para os projectos internacionais do Zoo Dvůr Králové. “Mas não devemos desistir. É preciso aproveitar esta oportunidade única, em que a tecnologia é utilizada em prol da conservação de espécies criticamente ameaçadas.”

Mas há um senão. O custo estimado da FIV pode ascender aos nove milhões de dólares (7,3 milhões de euros). O Ol Pejeta e o Zoo Dvůr Králové lançaram uma campanha de recolha de donativos para o conseguir.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.