Foto: Andreas Trepte/Wiki Commons

O arroz do Tejo é alimento suficiente para os maçaricos-de-bico-direito?

Os maçaricos-de-bico-direito (Limosa limosa) viram-se obrigados a procurar alimento nos arrozais do Vale do Tejo devido à pressão humana sobre o seu habitat natural, o que deixou os cientistas preocupados com os efeitos desta mudança de dieta na energia das aves.

 

É que esta espécie ameaçada realiza todos os anos migrações de longo curso entre Portugal e o Norte da Europa, onde vai nidificar. Nas últimas cinco décadas, devido à destruição do habitat natural, a população de maçaricos-de-bico-direito decresceu 75 por cento.

Uma equipa de oito cientistas portugueses e espanhóis lançou-se então na procura de respostas para uma questão: será que a nova dieta destas aves, baseada em arroz, fornece energia suficiente para garantir o voo directo até ao destino final, ou pode colocar em risco o seu ciclo migratório?

Os resultados, publicados na revista científica Journal of Experimental Biology, indicam que este maçarico consegue obter do arroz energia bastante para voar sem interrupções.

“Estas aves conseguem usar o arroz, de forma eficaz, para armazenar gordura. E fazem-no através de várias vias metabólicas diferentes para assegurar a sua migração”, explicou Miguel Araújo, investigador da Universidade de Coimbra (UC) e um dos coautores do novo estudo, num comunicado desta universidade. “[Estas aves mostram] uma plasticidade fisiológica e metabólica impressionantes.”

 

Foto: Andreas Trepte/Wiki Commons

 

Os cientistas começaram por capturar maçaricos-de-bico-direito em campos de arroz do Tejo, durante o Inverno, na altura em que se estão a preparar para a migração. Separaram as aves em dois grupos, dando uma dieta diferente a cada um: o primeiro grupo foi alimentado à base de larvas, alimentação típica do habitat natural desta ave estuarina; o segundo grupo recebeu arroz.

Passados alguns dias, a equipa avaliou até que ponto as aves tinham transformado os bagos de arroz em energia (massa gorda). Além da Universidade de Coimbra, neste estudo participaram investigadores da Universidade de Aveiro e da Universidade de Extremadura, em Espanha.

Conclusão? Estas aves são “um excelente exemplo de adaptação a um habitat antropogénico”, criado pelos humanos. “Para garantir a sua sobrevivência, esta espécie ajustou-se com sucesso a um novo tipo de alimentação, conseguindo ‘combustível’ para efectuar o voo sem escalas até ao destino final”, simplifica Miguel Araújo.

 

Miguel Araújo. Foto: D.R.

 

O estudo aponta ainda para a importância de conservar este habitat. “Se se decidir converter os arrozais em pastagens ou algo similar, por exemplo, metade desta população de aves pode desaparecer, pois 50 por cento usa os arrozais do Tejo para adquirir o combustível necessário à sua migração”, avisa o investigador da Faculdade de Ciências e Tecnologias da UC.

A equipa incluiu membros do MARE (Centro de Ciências do Mar e do Ambiente), do Centro de Neurociências e Biologia Celular e do Centro de Ecologia Funcional, ligados à Universidade de Coimbra, do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da Universidade de Aveiro, e da Universidade de Extremadura, em Espanha.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.