Foto: MNCN/CSIC

O que aconteceria se a Covid-19 afectasse baleias, pinguins ou focas na Antárctida?

Esta é a pergunta que fez uma equipa internacional de investigadores. A resposta foi agora publicada numa revista científica, bem como as medidas para evitar que a Covid-19 chegue à Antárctida.

Hoje, a Antárctida é o único lugar do planeta aonde a Covid-19 ainda não chegou. Mas os efeitos que este vírus poderá ter sobre a delicada fauna que ali vive são desconhecidos.

Foto: MNCN/CSIC

Uma equipa de investigadores do Comité Científico para a Investigação da Antárctida (SCAR) estudou esta questão e publicou a 24 de Novembro as suas descobertas na revista Science of the Total Environment.

Os primeiros dados sugerem que os cetáceos têm um grande risco de infecção, enquanto que o risco para as focas ou para as aves – como os pinguins-de-Adélia e os pinguins-imperador  – parece ser menor.

“Avaliámos o risco de transmissão inversa, de humanos para animais, na fauna antárctida, considerando a informação disponível sobre a susceptibilidade dos hospedeiros, as dinâmicas da infecção entre humanos e as interacções entre seres humanos e a fauna da Antárctida”, explicou Andrés Barbosa, investigador do Museu Nacional espanhol de Ciências Naturais (MNCN), que fez parte do estudo.

Segundo Barbosa, “as condições ambientais do continente são, a priori, favoráveis para a estabilidade e propagação do vírus”. Isto porque “as instalações fechadas das bases científicas onde convivem os investigadores ou as embarcações que usam, assim como os cruzeiros turísticos, poderiam favorecer a transmissão entre humanos e, em função dos seus movimentos entre diferentes localidades, o vírus poderia expandir-se facilmente por todo o continente”.

As análises feitas a partir do que se sabe da transmissão do vírus mostram que o grupo de maior risco é o das equipas de investigação que entram em contacto com a fauna. Os turistas ou os membros da tripulação apenas representam um risco significativo quando se aproximam a menos de cinco metros da fauna da Antárctida.

De acordo com os investigadores, são cerca de 5.000 os cientistas e equipas técnicas a trabalhar na Antárctida. A estes juntam-se os cerca de 55.000 turistas que visitam o continente gelado anualmente (dados de 2018/2019).

“Por tudo isto deve ser aplicado o princípio da precaução e ser-se extremamente cuidadoso até que futuras investigações demonstrem que a presença humana na Antárctida é segura que o ecossistema austral”, escrevem os investigadores.

Entre as medidas propostas está a realização de testes e a quarentena a pessoas que visitem o continente, o confinamento das pessoas com sintomas e o uso de álcool-gel e a desinfecção de todo o material têxtil e equipamentos de cada vez que se tenha contacto com a fauna (no âmbito de projectos científicos que impliquem o manuseamento de animais selvagens para, por exemplo, recolha de amostras ou colocação de transmissores de satélite).

Durante a interacção com animais deve ser obrigatório o uso de luvas, máscaras e material de protecção. O material de trabalho nunca deve ser deixado para trás, evitando que a fauna se possa aproximar dele. Além disso, deve limitar-se ao máximo o tráfego de pessoas entre as diferentes bases científicas ou entre os barcos.

“Desconhecemos o alcance que poderia chegar a ter a expansão deste vírus à fauna da Antárctida. Por isso é imprescindível ter as maiores das precauções”, conclui Barbosa.

Tanto mais que existe outra potencial via de transmissão do vírus: os animais migradores que possam entrar em contacto com a SARS-CoV-2 ao longo das suas rotas migratórias. Como por exemplo as espécies que nidificam na Antárctida e visitam as zonas costeiras da América do Sul, África, Austrália ou Nova Zelândia como a ave marinha Sterna vittata, os elefantes-marinhos e as baleias-jubarte. Ou os animais que nidificam na Antárctida mas passam o Inverno no Hemisfério Norte, como as skuas (Stercorarius maccormicki) e os que se reproduzem em outras regiões e que passem o Inverno na Antárctida, como as andorinhas-do-Árctico.

A 1 de Dezembro realiza-se um webinar sobre a Antárctida, no qual serão tratados este e outros temas relacionados com a investigação no continente gelado. A sessão pode ser seguida em directo aqui.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.