Raposa do Árctico espanta cientistas com viagem épica de 3.500 quilómetros

Uma raposa do Árctico maravilhou os cientistas ao fazer uma viagem de 3.506 quilómetros através das zonas geladas do Árctico, desde o arquipélago de Svalbard até ao Canadá.

Esta jovem fêmea de raposa do Árctico (Vulpes lagopus) partiu de Spitsbergen (no Arquipélago norueguês de Svalbard) a 26 de Março de 2018 e chegou à Ilha de Ellesmere (em Nunavut, Canadá), 76 dias depois, no início de Julho.

Viajou uma distância acumulada de 3.506 quilómetros e instalou-se a cerca de 1.789 quilómetros (em linha recta) do sítio onde nasceu.

Esta viagem foi registada e acompanhada por dois investigadores noruegueses, graças a um dispositivo de localização por satélite colocado numa coleira.

Raposa do Árctico em Svalbard. Foto: Michael Haferkamp/Wiki Commons (arquivo)

Na verdade, esta raposa fez parte de um estudo sobre a espécie, iniciado em 2012 na costa oeste de Spitsbergen, a maior ilha de Svalbard. A raposa foi capturada pelos investigadores a 29 de Julho de 2017, provavelmente próxima da sua toca no glaciar Fjor-tende Julibreen, em Krossfjorden. Foi então pesada (tinha 1.900 gramas) e foi-lhe colocada a coleira com o dispositivo de seguimento por satélite.

O percurso desta jovem raposa, que na altura nem um ano de idade tinha, espantou os cientistas, que acabaram por publicar um artigo, a 26 de Junho, na revista científica Polar Research, a revista do Instituto Polar Norueguês.

Os investigadores descrevem esta como “a maior dispersão até agora registada de uma raposa do Árctico”. Esta foi uma viagem inter-continental, já que o animal viajou de Svalbard, na Europa, para a ilha de Ellesmere, na América do Norte.

De acordo com os cientistas, uma viagem semelhante foi registada com uma fêmea adulta de raposa do Árctico no Canadá, que fez 4.599 quilómetros, mas a distância foi percorrida num período mais longo, de 5,5 meses.

“O curto período de tempo gasto a percorrer uma distância tão grande salienta a excepcional capacidade de movimentação desta pequena espécie de carnívoro”, escrevem os autores do estudo.

O animal atravessou grandes extensões de mar gelado, tundra e glaciares, procurando alimento ao longo do caminho.

Raposa do Árctico. Foto: MatrixDiver/Pixabay (arquivo)

Os cientistas ficaram tão espantados com a odisseia deste animal que inicialmente pensaram que a raposa tivesse morrido e, de alguma forma, tivesse ido parar a um navio que depois a tivesse levado para o Canadá.

Não foi apenas a distância percorrida por esta pequena raposa que espantou os investigadores, mas também o ritmo a que fez a viagem, completando-a em apenas 76 dias, tendo chegado a fazer 155 quilómetros num único dia, quando estava na Gronelândia. Ainda assim, a distância média diária foi de 46 quilómetros.

“Ficámos verdadeiramente surpreendidos com a velocidade a que a raposa viajou”, comentou Arnaud Tarroux, investigador do Instituto norueguês ao jornal britânico The Telegraph.

Ao longo da viagem, a raposa teve de fazer alterações de dieta. No Norte da Noruega, esta espécie alimenta-se de aves marinhas, crustáceos e de algas, enquanto que no Canadá as raposas alimentam-se sobretudo de pequenos roedores.

Os investigadores acreditam que a raposa possa ter viajado à procura de novas fontes de alimento. “Uma possível razão (desta viagem) será a comida mas não temos a certeza. Outra explicação pode ser a competição com outras raposas em Svalbard, por isso esta jovem raposa poderá ter sido escorraçada.”

Infelizmente não se conhece o paradeiro da raposa porque o dispositivo de localização deixou de funcionar em Fevereiro deste ano. “Acreditamos que se tenha fixado no Canadá, foi lá que passou o último Verão e Outono”, disse Tarroux. “Muito provavelmente ainda estará lá.”

A ligação circumpolar entre populações de raposa do Árctico é bem conhecida. Esta é possível graças ao gelo sobre o mar que permite a ligação entre populações distantes, lembram os investigadores. Consequentemente, há muito poucas populações isoladas desta espécie.

Mas o aquecimento da temperatura no Árctico pode alterar este estado de coisas. “Nas águas em redor de Svalbard, o geral declínio da extensão de gelo marinho já está a afectar a ecologia espacial de várias espécies de mamíferos marinhos”, recordam.

Se Svalbard passar a ficar sem gelo todo o ano, isso irá implicar que as suas populações de raposas do Árctico ficarão isoladas, completamente afastadas das outras raposas do Árctico. Ainda assim, os cientistas acreditam que essas populações serão viáveis, como o que acontece com as raposas da Islândia, que subsistem num clima substancialmente mais quente.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.