Foto: Epinheiro/Wiki Commons

Sado: cinco perigos das dragagens para o mundo natural

Saiba o que pode estar em perigo por causa das obras de alargamento e aprofundamento do canal marítimo de acesso ao Porto de Setúbal, segundo a Declaração de Impacto Ambiental (DIA).

 

Interferência com a comunicação e alimentação dos golfinhos roazes-corvineiros:

O Canal da Barra, uma das zonas a intervencionar, é usado com muita frequência pelos golfinhos. O ruído dos motores de sucção das dragas, ao longo de vários meses, e das operações de deposição de sedimentos, vai afectar os cerca de 30 golfinhos residentes no estuário. Isto porque estes animais usam emissões acústicas para comunicar e para se alimentar. O ruído das dragas pode mascarar os sinais de comunicação.

O Estudo de Impacto Ambiental do projecto refere que, durante operações de dragagem recentes no Porto de Aberdeen (Escócia), a comunidade local de golfinhos-roazes – a mesma espécie do Sado – alterou o seu comportamento, evitando a região por várias semanas.

O ruído antropogénico tem o potencial de afectar a capacidade de os golfinhos detectarem as suas presas, uma vez que os sons gerados por estas podem ser mascarados pelo ruído das dragas.

Resultado? Os roazes poderão alterar o padrão de utilização do habitat, procurando novas zonas de alimentação fora do estuário. Por seu lado, a saída do estuário pode influenciar a sobrevivência dos animais mais jovens, normalmente mais protegidos no interior desta área.

Segundo a DIA, prevê-se que a comunidade residente de roazes seja afectada pelo “ruído aquático de uma forma significativa, embora com magnitude moderada”, até um raio de cerca de um quilómetro das operações de dragagem.

 

Qualidade da água afectada:

As dragagens e deposição de sedimentos poderão provocar a suspensão de partículas e a turvação da coluna de água, afectando a qualidade da água. Receia-se que haja dispersão de contaminantes e dos poluentes presentes, ainda que de forma vestigial, nos sedimentos.

No entanto, a DIA refere que as amostras de sedimentos recolhidas na área de intervenção revelam que “os sedimentos são maioritariamente classificados como isentos de contaminação ou com contaminação vestigial e apenas pontualmente são identificados sedimentos de menor qualidade, devido à presença de crómio”.

 

Aterramento e asfixia de pradarias marinhas: 

As obras colocam também um risco para as quatro principais áreas de pradarias marinhas nas áreas adjacentes à intervenção. A DIA fala em risco de depósito/aterramento e asfixia destes habitats importantes, protegidos a nível europeu, e que têm um papel-chave para a biodiversidade marinha na região. Para as zonas do estuário do Sado e Arrábida são conhecidos povoamentos de Cymadoea nodosa, Zostera marina e Zostera noltii. Várias populações marinhas do Estuário do Sado – como os roazes-corvineiros e os cavalos-marinhos – dependem muito destas pradarias-marinhas.

 

Mortalidade de larvas e juvenis de peixes e de invertebrados marinhos: 

A suspensão de sedimentos afectará sobretudo as pradarias marinhas, zonas de sapal e vasa do Estuário do Sado e o Parque Marinho Luiz Saldanha. Nesses locais, serão afectadas comunidades bióticas fundamentais, nomeadamente bivalves (ostras), polvos e chocos. Prevê-se uma mortalidade elevada de larvas e juvenis de peixes, pela sua reduzida mobilidade, “considerando-se este impacte significativo”. O grupo faunístico mais afectado será aquele que vive no fundo subaquático do estuário, “devido ao facto de se tratar de espécies sésseis ou de mobilidade reduzida”. “Este impacte considera-se significativo na zona do canal a dragar, uma vez que a operação de dragagem remove/destrói os povoamentos e, pouco significativo, no delta”.

Serão ainda afectadas várias espécies de raias e tubarões, especialmente três espécies com estatuto de conservação Vulnerável – cação-liso (Mustelus mustelus), ratão-águia (Myliobatis aquila) e a uge (Dasyatis pastinaca) – e uma espécie Em Perigo, a raia-lenga (Raja clavata).

O desaparecimento de ovos, larvas e alevins de peixes “poderão ainda alterar a disponibilidade de presas para os golfinhos, embora se presuma que esses impactes devam ser temporários, reversíveis e de moderada magnitude”.

A DIA refere ainda que a deposição de areias “é passível de interferir com a atividade de apanha de bivalves e de pesca que é praticada nesta zona costeira, no entanto considera-se este impacte pouco significativo face à capacidade de dispersão deste material e à reduzida área afetada”.

 

Setúbal, turismo de natureza ou cidade portuária:

“Daqui a pouco tempo vamos estar numa feira de turismo em Macau e eu gostava de saber como vou vender a cidade de Setúbal: como destino de turismo de natureza ou como cidade portuária?” Pedro Narra, que lidera a empresa de turismo de natureza Vertigem Azul, e que trabalha há muitos anos no Estuário do Sado, está muito preocupado. Com o impacto das obras na vida marinha, em especial a médio e longo prazo, e com as empresas que ali criaram um destino de ‘turismo verde’.

“O que estivemos a trabalhar estes anos todos? Estes anos todos de investimento foram para quê? Setúbal tem-se vindo a desenvolver para o turismo e agora, de repente, estamos perante uma traição”, lamentou o responsável, contactado pela Wilder. “Apesar de todas as indicações dos estudos de impacte ambiental, no final aprovaram. Essas pessoas têm de ser responsabilizadas.”

 

[divider type=”thin”]Saiba mais.

Saiba porque é que os golfinhos são um sinal da grande riqueza do Estuário.