Caranguejo azul fêmea no estuário do Guadiana, ainda imatura pela forma triangular do abdómen. Foto: João Encarnação/NEMA

Caranguejo azul: Este invasor delicioso é um predador indesejável

Início

No âmbito de uma série sobre espécies aquáticas invasoras publicada em parceria com o projecto LIFE Invasaqua, João Encarnação, investigador do CCMAR – Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve, apresenta-nos este caranguejo que já se encontra por toda a costa sul de Portugal.


Que espécie é esta?

O caranguejo azul (Callinectes sapidus) é facilmente distinguível de outras espécies de caranguejos em Portugal, seja pelas suas dimensões, podendo atingir 30 centímetros de largura e 700 gramas de peso, seja pela coloração azul das suas patas. Originário do Atlântico Oeste (desde a América do Norte até à Argentina), foi detetado pela primeira vez em Portugal em 1978, no estuário do Tejo.

Caranguejo azul ovado na Ria Formosa. Foto: Duarte Bagarrão/NEMA

Onde é que está presente em Portugal?

Sendo uma espécie que tolera extremamente bem diferentes gamas de salinidade, este caranguejo pode ser encontrado tanto na zona costeira como em estuários – mesmo em zonas de água salobra e baixas salinidades. Até 2016, apenas se tinham registado cinco indivíduos em todo o território português, mas entre 2016 e 2017 este cenário alterou-se drasticamente: houve uma escalada no número de registos no sul do país, em especial no estuário do Guadiana e na Ria Formosa.

A contribuição do cidadão comum foi também fundamental para a deteção e seguimento desta rápida expansão na costa do Algarve, através da campanha de ciência cidadã NEMA – Novas Espécies Marinhas do Algarve. Esta permitiu perceber que em 2019 a espécie já se encontrava em toda a costa sul do país, desde Vila Real de Santo António até Sagres, incluindo todos os principais sistemas estuarinos e lagunares desta costa.

Caranguejo azul fêmea no estuário do Guadiana, ainda imatura pela forma triangular do abdómen. Foto: João Encarnação/NEMA

E como é que chegou ao território português?

A chegada dos primeiros indivíduos é sempre difícil de identificar, sendo que durante a primeira metade do século XX foram poucos os registos em toda a Europa. Sendo uma espécie nativa do Atlântico Oeste, os primeiros indivíduos poderão ter chegado ainda em estado larval dentro de águas de lastro de navios transatlânticos que chegam frequentemente ao porto de Lisboa. Mas aparentemente, estas populações nunca se estabeleceram ou se conseguiram multiplicar em números expressivos.

No entanto, a recente vaga no sul do país poderá ter origem em Espanha, onde já existiam registos da espécie no golfo de Cádis – por exemplo no estuário do Guadalquivir, que fica próximo da fronteira portuguesa. Neste caso, terá havido uma expansão natural da espécie, quer de indivíduos adultos quer através do transporte de larvas por correntes costeiras.

Pesca de caranguejo azul no estuário do Guadiana. Foto: João Encarnação/NEMA

Mas afinal qual é o problema com o caranguejo azul?

Sendo uma espécie com uma elevada capacidade de reprodução, atingindo a maturidade em cerca de um ano, e tolerando uma elevada gama de condições ambientais, este caranguejo tem assim capacidade de colonizar diversos habitats em pouco tempo. Essas capacidades, somadas às dimensões que atinge e à agressividade e carácter oportunista na busca de alimento, tornam este caranguejo num invasor perfeito.

Por outro lado, em Portugal, pelas suas características singulares, esta espécie tem poucos predadores naturais, especialmente quando atinge a idade adulta. Sendo conhecido que prefere ambientes estuarinos, está em posição privilegiada como predador de estágios juvenis de muitas espécies de elevado interesse comercial, que nestas zonas procuram refúgio durante o seu desenvolvimento. No Algarve foram já inúmeros os relatos de danos em redes de pesca, bem como o consumo de espécies alvo da pesca profissional enquanto ainda se encontram nas artes de pesca, inviabilizando a sua venda.

Como é possível controlar ou erradicar as populações desta espécie? 

Estando presente desde as zonas costeiras marítimas até às zonas estuarinas, a erradicação é simplesmente impossível. Mas uma vez que tem valor comercial e gastronómico na sua área nativa, a pesca direcionada a este caranguejo poderá ter um papel importante para o controlo dos seus impactos negativos nas áreas invadidas. No entanto, esta opção terá de ser acompanhada por uma regular consciencialização sobre a problemática das invasões biológicas e pela promoção de boas práticas que evitem a disseminação deste invasor para mais ecossistemas. Isso para que seja possível manter-se o foco no controlo da dispersão desta espécie.

Pesca de caranguejo azul no estuário do Guadiana. Foto: João Encarnação/NEMA

E qual é a situação noutros sítios do mundo onde é invasora?

O caranguejo azul encontra-se hoje praticamente em todas as zonas costeiras da Europa, desde o Mar do Norte ao Mar Mediterrâneo. No Mediterrâneo Este, existe em elevadas abundâncias já desde há algumas décadas, suportando assim também uma pequena indústria dirigida ao mesmo. Nas zonas mais a norte do Mediterrâneo, à boleia do aquecimento das temperaturas médias do mar, tem sido detetado em vários novos locais e em quantidades cada vez maiores.

Um paralelismo com as costas portuguesas pode também ser feito, já que a costa sul, em média mais quente, pode assim ser uma fonte de indivíduos que podem vir a colonizar a costa oeste de Portugal. Este cenário, especialmente nos próximos anos à medida que as temperaturas médias do mar continuem a aumentar, podem assim tornar a costa oeste mais apetecível para o caranguejo azul.

Pesca de caranguejo azul no estuário do Guadiana. Foto: João Encarnação/NEMA

Uma curiosidade

Estudos preliminares no estuário do Guadiana indicam que uma das fontes de alimento que poderá estar a suportar o crescimento do caranguejo azul neste estuário é a medusa Blackfordia virginica, também ela uma espécie invasora em Portugal. Já em Espanha, no Delta do Ebro, na Catalunha, foi também identificada a predação de amêijoas de água doce do género Corbicula, também elas uma espécie invasora que ocorre em vários locais de Portugal, incluindo o médio e alto estuário do Guadiana. Parece assim haver uma espécie de “ciclo vicioso” entre espécies invasoras nesta zona do rio Guadiana.


Série Espécies Aquáticas Invasoras

Em parceria com o projecto LIFE Invasaqua, a Wilder dá-lhe a conhecer algumas das principais espécies aquáticas invasoras em Portugal. O LIFE Invasaqua é um projecto ibérico co-financiado por fundos comunitários que divulga informação acerca da ocorrência e combate a espécies invasoras.

Recorde o que se passa em Portugal com o siluro, o mexilhão-zebra, a rã-de-unhas-africana, o alburno, a amêijoa asiática, o caranguejo-peludo-chinês, a amêijoa-japonesa, a gambúsia, o lagostim-sinal, a medusa Blackfordia virginica e o lucioperca.


A secção “Seja um Naturalista” é patrocinada pelo Festival Birdwatching Sagres. Saiba mais aqui o que pode ver e fazer neste evento dedicado às aves.