Lucas e o cavalo-marinho. Foto: João Grou

Lucas, 7 anos, descobriu um cavalo-marinho em Aljezur

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Em Abril deste ano, Lucas, então com 7 anos, fez um achado que o surpreendeu e aos seus pais: um cavalo-marinho nas águas da ribeira de Aljezur, na Costa Vicentina. Seria mesmo? A Wilder contactou dois especialistas em cavalos-marinhos para comentarem esta descoberta.

João Grou contactou a Wilder esta semana porque gostaria de partilhar um achado espantoso que o seu filho Lucas fez e que entusiasmou todos.

A 30 de Abril, “quando nós – João, Cláudia e Lucas – fomos passar umas mini férias na Arrifana com intenção de apanhar umas ondas e explorar um pouco da Costa Vicentina”, o Lucas encontrou um cavalo-marinho na ribeira de Aljezur.

“Esta observação aconteceu quando estávamos os três a explorar a ribeira de Aljezur junto à praia (que na data não tinha ligação com o mar). O Lucas andava a apanhar pequenos camarões e peixes quando, de repente, diz ter apanhado um cavalo marinho. Nós os dois (os pais) estávamos distraídos e dissemos logo que não podia ser um cavalo marinho e só quando o vimos de perto é que percebemos que era mesmo e ficámos um tanto incrédulos com a situação. Já o Lucas ficou extremamente orgulhoso!”

“Ficámos todos muito surpreendidos pois nunca tínhamos visto esta espécie na natureza”, contou o pai à Wilder. Depois de verem o cavalo-marinho libertaram-no no mesmo local.

Segundo João, “enquanto família, tentamos passar o máximo tempo possível fora de casa, seja na praia ou no campo, a fazer skate ou surf ou simplesmente a apreciar a Natureza. Desde que viemos viver para o Algarve há cerca de 5 anos atrás que tentamos aproveitar ao máximo a Natureza, por norma mais próxima do mar”.

“O Lucas adora a Natureza e também é apaixonado por geologia. Nas deslocações à praia adora andar sempre a explorar e a tentar apanhar e identificar todo o tipo de ‘bichos’ (que são sempre devolvidos à Natureza no mesmo local).” 

“De facto, este registo é muito engraçado”, disse à Wilder Gonçalo Silva, biólogo marinho da unidade regional de investigação do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente no ISPA/Lisboa. Gonçalo Silva faz parte do projecto CavALMar, no qual uma equipa de investigadores está a tentar saber quantos são e onde vivem os cavalos-marinhos do concelho de Almada, da Cova do Vapor à Base Naval do Alfeite.

Os cavalos-marinhos pertencem à família dos singnatídeos. Em Portugal ocorrem duas espécies, o cavalo-marinho-de-focinho-comprido (Hippocampus guttulatus) e o cavalo-marinho-comum (Hippocampus hippocampus).

Segundo Gonçalo Silva e Miguel Correia, investigador ligado ao CavALMar e perito em cavalos-marinhos, a espécie que o Lucas encontrou é um cavalo-marinho-comum (Hippocampus hippocampus). É uma fêmea, mais concretamente.

“Apesar de ter filamentos cutâneos mais característicos do cavalo-marinho-de-focinho-comprido (Hippocampus guttulatus), alguns indivíduos de cavalo-marinho-comum também apresentam estes filamentos, sobretudo nas fêmeas. O formato da coroneta e as proporções do focinho são as características diagnosticantes desta espécie”, explicaram os dois investigadores.

Actualmente sabe-se que há cavalos-marinhos na Ria Formosa, onde está a população que tem sido mais estudada, mas também no estuário do Tejo e nos estuários do Sado, Arade, Mira, Mondego, entre outros.

Quanto aos cavalos-marinhos na Costa Vicentina “sabe-se muito pouco ou quase nada, apenas alguns registos muito esporádicos, isolados, de alguns animais arrojados na areia ou observados em mergulho, mas são observações raras”. “Não poderemos falar em populações, mas sim de indivíduos.”

Cavalo-marinho-comum (Hippocampus hippocampus). Foto: Hans Hillewaert/WikiCommons

Os cavalos-marinhos enfrentam várias ameaças à sua sobrevivência, entre elas a perda de habitat, a pesca acessória, a poluição química e sonora, as alterações climáticas e a apanha ilegal para o mercado da medicina tradicional asiática. 

“A apanha de cavalos-marinhos para o mercado da medicina tradicional chinesa está intimamente ligada à pesca de arrasto, uma pesca não-selectiva e que causa destruição no fundo marinho. Esta arte de pesca remove indiscriminadamente tudo por onde passa, incluindo vastas porções de habitat essenciais não só para os cavalos-marinhos, mas também para muitas outras espécies”, lembrou anteriormente à Wilder Miguel Correia.


Agora é a sua vez.

Se encontrar algum cavalo-marinho, o que deve fazer?

“Em primeiro lugar devemos evitar tocar nele, a menos que o animal esteja arrojado na praia ainda com vida, e nesse caso deverá ser devolvido ao mar. O registo por parte dos cidadãos destas espécies protegidas, cuja distribuição é pouco conhecida, é um contributo muito valioso para a Ciência. Assim, devemos fotografar o indivíduo, se possível de corpo inteiro, com uma escala de tamanho conhecido, como por exemplo uma moeda. Estas fotografias e/ ou vídeos poderão ser carregados em plataformas de ciência cidadã como o caso do iNaturalist ou o Biodiversity4all.”

Estes registos também contribuem para atualizar o estatuto da lista vermelha da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza) e, às vezes, ajudam-nos a identificar populações de cavalos-marinhos que não são conhecidas, podendo até levar à criação de zonas de proteção especial ou santuários para os cavalos-marinhos. Um exemplo de uma comunidade de cavalos-marinhos que nos foi transmitida pelos cidadãos foi o caso da Trafaria. Fomos alertados por pescadores que ali existia uma comunidade, e que temos estudado desde então ao abrigo do projeto CavALMar, uma cooperação entre a Câmara Municipal de Almada e o MARE-Ispa. Esta é uma comunidade de cavalos-marinhos muito relevante, uma vez que a densidade é por exemplo mais elevada que na Ria Formosa (dados do último censo Correia, 2022), e o comprimento médio desta população é o maior de toda a área de distribuição. Uma vez que no estuário do Tejo não há fronteiras, e que nos têm sido reportados outras observações de cavalos-marinhos ao longo de todo o estuário, é de extrema importância a cooperação entre todas as entidades que têm um papel fundamental na gestão e ordenamento costeiro, com as autarquias e as empresas, no sentido de estudar e preservar estas espécies.


Saiba mais aqui sobre cavalos-marinhos em Portugal e no mundo.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.