Gaivota-de-patas-amarelas. Foto: Jörg Hempel / Wiki Commons

Gaivotas nas cidades: a “vizinhança” que veio para ficar

Ver gaivotas a circular nos céus ou simplesmente paradas num qualquer posto de eletricidade já não é sinónimo de tempestade no mar. Há um número crescente de gaivotas de patas amarelas (Larus michahellis) e gaivotas de asa escura (Larus fuscus) com hábitos mais cosmopolitas e prontas para apreciar uma refeição exótica ou pernoitar no telhado de um belo hotel na cidade.

Porém, a verdade, é que os especialistas dirão que este primeiro parágrafo é uma personificação romantizada destas aves… E com toda a razão!

Naturalmente, as gaivotas não se aproximaram dos centros urbanos movidas por um sentido intelectual, mas, tal como qualquer espécie com uma capacidade invejável de adaptação, seguiram um caminho que as levou a novas e previsíveis fontes de alimento, bem como a locais de nidificação mais seguros e menos povoados pelos seus congéneres. Em suma, desfrutam de estratégias de alimentação que carecem de menor dispêndio de energia e de menos competição comparativamente às típicas colónias onde se juntam milhares de indivíduos.

Assim, estas aves passaram a figurar no nosso quotidiano, fruto de uma vida mais facilitada.

E nós humanos, o que podemos esperar destas novas vizinhas?

Além do acordar com um som semelhante ao de estarmos de férias junto à praia, temos de considerar que as gaivotas estão, atualmente, estabelecidas e são perfeitamente capazes de viver em sincronia com os meios urbanos. De tal forma que na Área Metropolitana do Porto se avançou com um protocolo de cooperação para a criação de um plano de ação para reduzir o número de gaivotas nas áreas urbanas, expressando preocupações relativamente à Saúde Pública. Estas aves estão assinaladas como portadoras de agentes patogénicos capazes de causar doença a outros animais e aos humanos, pelo que são consideradas uma forma de dispersão e de risco na propagação destes mesmos agentes. 

Gaivota-de-patas-amarelas. Foto: Diego Delso / Wiki Commons

Além disso, em 2020, a ex-deputada Cristina Rodrigues apresentou o projeto de resolução Nº807/XIV/2º, defendendo junto do Governo a constituição de um grupo para endereçar o crescente conflito entre gaivotas e humanos nos meios urbanos. Este contaria com diversas entidades e teria o objetivo de reduzir o acesso dos larídeos a fontes de alimento, nomeadamente, provenientes da pesca e de aterros sanitários, numa perspetiva ética e consciente.

Contudo, apesar de alguns esforços, as gaivotas continuam presentes e as populações urbanas estão em franca expansão. Atualmente, sabe-se que se alimentam tanto de carne e bolos como de peixe fresco e que são avistadas a seguir embarcações, em estações de tratamento de águas residuais e aterros sanitários. Também tem sido reportado o aumento do número de “ataques” a pessoas, especialmente em zonas com restauração com área exterior.

Uma das medidas consensuais parece passar pela educação das comunidades, reforçando a necessidade de colocar os Resíduos Sólidos Urbanos nos locais destinados para o efeito e desencorajar a alimentação destes indivíduos. 

Numa outra perspetiva, não podemos desconsiderar que as gaivotas desempenham um papel importante como agentes de limpeza dos meios urbanos e suburbanos. É este perfil que possibilita que a gaivota de patas amarelas e a gaivota de asa escura sejam consideradas espécies com importante valor para as comunidades em que estão inseridas, já que podem ser valiosos indicadores biológicos.

Gaivota de asa escura Larus fuscus. Foto: Thermos at fi.wikipedia

A sua proximidade aos humanos, associada à sua longa esperança de vida e fácil identificação, permite uma colheita de dados consistente. Assim, as gaivotas têm sido utilizadas como modelo em diversos estudos, com especial ênfase aos que analisam a presença e concentração de metais pesados, poluentes provenientes das atividades agrícolas e plásticos.

As gaivotas não são as aves que reúnem mais simpatizantes, mas não podemos excluir a sua presença. No final de contas, é importante manter o número de indivíduos controlado, mas podem também ser vistas como uma forma de promover uma consciência ambiental, alertar para questões relativas ao respeito animal ou, quem sabe, criar nos novos entusiastas pelo birdwatching – nada como começar por distinguir uma gaivota de patas amarelas de uma gaivota de asa escura. Em menos de nada, percebemos que nem todas as gaivotas são iguais.

Raquel Antunes, Médica Veterinária, DVM, MSc