Duas histórias incríveis de sapos que, afinal, não estavam extintos

Seguindo o padrão evolutivo, saímos parcialmente da água para conhecermos histórias de anfíbios Lázaro.

 

Em 2010 foi lançada a campanha Procura Global por Anfíbios Perdidos (Global Search for Lost Amphibians, GSLA), organizada pela Conservação Internacional (Conservation International, CI). Desde o lançamento da campanha foram redescobertas 25 espécies oriundas da América Latina, África, Médio Oriente, Sul Asiático e Bornéu.

A nossa primeira história chega da República Democrática do Congo, país em guerra há mais de 20 anos. Talvez não seja de todo surpreendente que uma história de ressuscitação venha de um local tão bafejado pela morte…

Em 1979, Raymond Laurent descreveu uma espécie de pequeno sapo nas florestas do então Zaire. Este eminente herpetólogo de origem belga, autor de mais de 200 artigos científicos, trouxe então ao mundo o pequeno Hyperolius sankuruensis. Mas desde a sua descoberta e descrição no final da década de 1970, nunca mais foi observado qualquer espécime, levando a considerar a extinção da espécie.

 

Hyperolius sankuruensis. Foto: Jos Kielgast

 

Os anfíbios são particularmente sensíveis a alterações do seu habitat, bem como à presença de certos contaminantes, particularmente devido à sua pele nua que permite uma maior assimilação dos elementos químicos presentes no meio envolvente. Não seria de todo surpreendente que a longa guerra na República Democrática do Congo, bem como os diversos problemas de poluição associados à exploração massiva dos diversos e abundantes recursos naturais do país, pudesse ter causado o desaparecimento deste pequeno sapo.

Mas em 2010 o pequeno H. Sankuruensis revelou-se grande. Emergindo das cinzas num país destroçado e violentado diariamente, o pequeno sapo, com um máximo de 4 cm, mostrou toda a sua resiliência quando foi encontrado por Jos Kielgast, um estudante da Universidade de Copenhaga que fazia trabalho de campo numa região extremamente remota, cerca de 300 quilómetros a Oeste do local da descoberta de Laurent.

Explorando a região da floresta junto a um afluente do rio Congo durante a noite, o jovem escandinavo ouviu um coaxar diferente dos que conhecia. Seguiu o som durante mais de uma hora até encontrar o animal responsável pelo estranho canto. Quando examinou o exemplar, e trocando ideias com outros peritos, começou por considerar tratar-se de uma nova espécie. Só mais tarde, recorrendo ao trabalho de Laurent, compreendeu que, de facto, ele estava a participar num renascimento!

 

Hyperolius sankuruensis. Foto: Jos Kielgast

 

Esta espécie está activa apenas de noite e tem um coaxar curto e infrequente muito característico. Mas a grande curiosidade da espécie ocorre durante o dia. O pequeno sapo está de tal forma adaptado ao seu ambiente, graças a uma camuflagem perfeita, que é (quase) impossível de avistar no período diurno.

A segunda história leva-nos à ilha do Bornéu, na região de Sarawak pertencente à Malásia. O sapo arco-íris do Bornéu (Ansonia latidisca) foi descrito na década de 1920. O seu holótipo, um macho adulto, foi descrito por Johann Gottfried Hallier, um botânico assistente do Herbário de Bogor (Indonésia). A partir de 1924, ninguém mais viu esta espécie.

 

Ansonia latidisca. Foto: Indraeil Das

 

Aquando do lançamento da campanha GSLA, este sapo foi colocado na lista dos dez mais procurados no mundo, o que suscitou maiores esforços na sua procura.

Indraneil Das, professor da Universidade Malásia Sarawak, liderou a equipa que iniciou a procura desta espécie em Agosto de 2010. Durante meses de expedições nas regiões montanhosas de floresta no território malaio da ilha a pesquisa mostrou-se infrutífera. Até que em Julho de 2011 foi anunciada a redescoberta da espécie com três exemplares identificados.

Robin Moore da CI e responsável pelo lançamento da campanha GSLA disse que quando viu um email na sua caixa de correio com o assunto Ansonia latidisca não conseguia acreditar no que estava a ver. Subitamente a “espécie tinha-se transformado na minha mente de uma ilustração em preto e branco para uma viva, colorida criatura”.

Os três exemplares encontrados não podiam ser mais adequados à descrição da espécie nas suas diferentes fases da vida pós-metamorfose. Foi descrito um juvenil com 3 cm, um macho adulto com 4,3 cm e uma fêmea adulta com 5,2 cm. No macho, tanto o seu tamanho mais pequeno relativamente à fêmea, como o saco vocal e as calosidades nupciais não visíveis, estão de acordo com as descrições feitas no passado.

 

Ansonia latidisca. Foto: Frogs of Borneo

 

Depois do sapo Atelopus balios, redescoberto no mês anterior no Equador, esta tornou-se na segunda espécie da lista das dez mais procuradas a ser encontrada.

O exacto local onde os indivíduos foram colectados não foi divulgado pela equipa. Indraneil Das tem-se mostrado irredutível nesta questão pois receia que caçadores furtivos possam sentir-se atraídos por uma espécie rara e que apresenta as características tão procuradas no mercado de espécies exóticas, um padrão colorido e invulgar.

 

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Sobre o autor:

Gonçalo Prista é doutorando da Universidade de Lisboa, em Ciências do Mar, e membro da Sociedade de História Natural de Torres Vedras. Trabalha nas áreas de paleoceanografia e paleontologia.

Desde Fevereiro este investigador escreve para a Wilder sobre as Espécies Lázaro. Pode ler e reler aqui a sua série de crónicas “Extintas por engano”.