Foto: Uoaei1/Wiki Commons

Leitores: Cristiano Berhanu filmou uma luta de dois machos de salamandra

Cristiano deparou-se com este episódio difícil de observar quando passeava ao final do dia num terreno baldio, no concelho de Sintra. Rui Rebelo, investigador na área dos anfíbios, explica o que estava a acontecer.

“Estou a escrever este email para partilhar um encontro recente que me surpreendeu, e que talvez possa interessar a outros leitores”, escreveu Cristiano Berhanu, numa mensagem enviada à Wilder.

Cristiano, que tem 27 anos e é engenheiro de profissão – “agricultor nos tempos livres” – contou que estava a passear ao fim do dia, por volta das 18h00, quando se deparou com “duas salamandras em aparente conflito, enquanto uma terceira permanecia quieta junto a elas”. “Eventualmente creio que a luz do telémovel as perturbou e ficaram as três paradas”, descreveu. 

Vídeo filmado por Cristiano Berhanu, no final de Novembro

Esta caminhada aconteceu em pleno concelho de Sintra, numa zona próxima de estradas e de urbanizações, “num terreno baldio utilizado para pasto, atravessado por um ribeiro torrencial, numa zona que tende a ficar alagada”, explicou também Cristiano. “O terreno fica na zona de Mem Martins/Abrunheira, ‘cercado’ por um novo bairro residencial, pela auto-estrada A16 e pela IC19.”

Trata-se de uma luta de dois machos de salamandra-de-pintas-amarelas (Salamandra salamandra), uma espécie que em Portugal acasala em Outubro e Novembro, em noites de chuva, explicou Rui Rebelo, investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, contactado pela Wilder. “Estas lutas são comuns na altura dos acasalamentos, especialmente em outonos ‘bons’ como este, que está a ser bastante chuvoso.”

“Os machos são os primeiros a aparecer à superfície e ficam à espera das fêmeas”, narra o investigador, que acrescenta que “o acasalamento destas salamandras faz-se em terra, ao contrário do que acontece com os tritões”.

As três salamandras observadas pelo leitor. Foto: Cristiano Berhanu

“Pelo vídeo não dá para perceber se o animal que não intervém é uma fêmea. Pode ser que eles estejam a lutar porque tentaram os dois acasalar com a mesma fêmea. Mas pode também ser que estejam a lutar só porque se encontraram.”

Na verdade, apesar de não ser fácil observar uma luta destas, trata-se de um acontecimento “normal” nesta época e que pode demorar mais tempo do que a cena captada, uma vez que a luz do telemóvel poderá ter interferido, indica Rui Rebelo. O investigador afirma também que os conflitos de salamandras que já observou nunca foram mais violentos do que o agora filmado por este leitor. “Os animais nunca se mordem ou ferem; é principalmente uma competição de ‘luta livre’ em que um macho tenta desequilibrar o outro.”

No final de contas, pode ser tudo em vão, pois “não é garantido que o ganhador conquiste a fêmea”. “Nas salamandras-de-pintas-amarelas o tamanho dos sexos é muito próximo e é sempre a fêmea que decide no fim com quem acasala.”

Como observar salamandras?

Rui Rebelo lembra que as salamandras-de-pintas-amarelas são “quase estritamente noturnas”, pelo que para se observarem, por exemplo em cenas de luta como esta, será necessário sair à noite – especialmente em noites com chuva. E por isso, confessa, “não é nada fácil vê-las em actividade”.

Quantos aos locais onde são mais comuns, esta espécie de salamandra “existe por todo o país, mas é muito mais frequente a norte do Tejo, onde pode ser procurada em zonas com algum relevo e floresta (qualquer tipo de floresta, mas é muito mais rara nos eucaliptais)”.

Salamandra-de-pintas-amarelas. Foto: Frank Vassen/Wiki Commons

“A sul do Tejo o padrão é igual: terrenos mais acidentados e com árvores são os preferidos, mas aí a espécie é mais rara – e em algumas zonas muito rara mesmo – e só se encontra à noite e quando chove.”

Quanto a Cristiano Berhanu, que costuma passear na natureza, já tem tido outros encontros com estes anfíbios: “Nesta altura do ano, com tempo húmido e chuvoso, principalmente ao cair da noite ou em dias particularmente escuros e de nevoeiro, por vezes encontro salamandras, embora geralmente mais perto da serra de Sintra”, explica.

O importante é andarmos atentos e mantermos acesa a curiosidade, pois nunca se sabe o que vamos encontrar, conclui. “Por hábito costumo prestar mais atenção às árvores e aos cogumelos, mas num dia bom qualquer criatura se torna extraordinária.”

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.