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Só tem quatro dias para ver as dezenas de cogumelos que estão à sua espera

Cogumelos de mais de 50 espécies estão cuidadosamente dispostos em mesas compridas que recriam os seus habitats de pinhal, sobreiral e matos mistos. Ireneia, José e João dão os últimos retoques a esta exposição relâmpago no Museu Nacional de História Natural e da Ciência. São colocadas as últimas etiquetas, por entre fungos, troncos, musgo e urze.

 

A variedade impressiona. Cogumelos brancos, amarelados, avermelhados e de infinitos tons de castanho tapam as mesas. Uns cheiram a aniz, outros a carne podre. Uns parecem estrelas, outros são mais tradicionais, com o seu pézinho e chapéu. Uns minúsculos, outros maior que a palma da mão.

Os cogumelos para a exposição “Cogumelos e outros fungos: amigos ou inimigos?” – de 5 a 8 Dezembro no Palmário do Jardim Botânico do Museu Nacional de História Natural e da Ciência, em Lisboa, estão ali para impressionar. Mesmo que seja só por quatro dias. Porque com os cogumelos não podia ser de outra maneira.

Ireneia Melo, 68 anos, e João Luís Baptista Ferreira, 72 anos, estão a acabar de dispor os cogumelos. João Cardoso, 63 anos, trata de os identificar e de colocar as etiquetas com o nome. Trabalham de bata branca, livros sobre cogumelos na mão. Estão todos reformados, depois de mais de 40 anos dedicados ao mundo natural. Organizam esta exposição sobre cogumelos desde 2008. Vão para o campo recolhê-los, montam a exposição, identificam-nos, explicam por que fazem falta.

 

 

Nenhum cogumelo está ali por acaso. Ireneia, José e João começaram a montar a exposição esta manhã. Recriaram o habitat de todos eles e todos estão no lugar certo. Agarrados a um tronco de pinheiro, em cima do musgo, sempre com a etiqueta que indica o seu nome e o grau de preocupação que devemos ter com ele: verde (comestível), amarelo (não faz mal mas não se come) e vermelho (não tocar).

 

 

Foram recolhidos na quarta-feira e na quinta-feira. “Estamos partidos”, desabafa Ireneia, de bata branca, com entusiasmo. Os olhos brilham. “Ninguém precisa de ginásio quando se anda no campo a baixar e levantar centenas de vezes.” Os cogumelos foram recolhidos nos arredores de Lisboa, desde Azeitão, a Sintra e a Escaroupim.

Noutros anos chegaram a ter mais de 100 espécies; hoje têm cerca de 50. “Este ano o tempo esteve muito mau para os cogumelos: seco e com vento”, explica a especialista em fungos da decomposição da madeira, reformada desde 2013. Entrou para o museu quando tinha 21 anos, como Auxiliar de Naturalista. Entretanto, uma vida.

“Este ano notou-se muito as diferenças no clima. Há espécies que não conseguimos encontrar. É que os cogumelos não gostam de frio; dão-se com temperaturas entre os 18 e os 25ºC. E com chuva”, acrescenta.

João Ferreira, antigo professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, especializado em Micologia, explica que “os fungos existem sempre no subsolo, acompanham as raízes das plantas”. Mas sem humidade ou chuva não têm força para vir ao de cima, crescer e atravessar as camadas da floresta. Os cogumelos que vemos – e que duram, em média, quatro a cinco dias – são uma estratégia dos fungos para espalhar os esporos (que funcionam como sementes).

 

 

 

Os cogumelos não são plantas nem animais; são fungos. Em Portugal há centenas de espécies e esta exposição quer mostrar essa grande variedade. “O que costuma ter muito sucesso, por aparecer nos livros de histórias, é o rebenta-boi (Amanita muscaria)”, explica Ireneia, apontando aquele cogumelo entre muitos outros. Já o Amanita phalloides é venenoso. É preciso ter muito cuidado.

Hoje em dia, “as pessoas só conhecem os fungos pela negativa, pelas doenças, por serem chatos ao atacar a nossa comida, as colheitas ou as nossas casas. Mas é preciso vê-los pela positiva também”, diz Ireneia, enquanto João, que começou a trabalhar no museu quando tinha 15 anos, procura entre as centenas de etiquetas dispostas numa mesa de trabalho. “São uma dádiva da natureza. Estão lá porque fazem falta. Fazem a manutenção dos ecossistemas. Sem eles as plantas não sobreviveriam. Eles ajudam a decompor a manta morta e transformam moléculas muito complexas nos seus elementos mais simples, para que as plantas consigam obter alimento.” E remata: “mais de 90% das plantas estão associadas a fungos para poderem viver”.

 

 

 

Lá fora ouvem-se piscos-de-peito-ruivo por entre as árvores. Cá dentro, nesta casa encostada às escadarias que levam à parte baixa do Jardim Botânico, varre-se e lava-se o chão, arrumam-se cadeiras, ajeitam-se cogumelos.

Estima-se que existam um milhão e 500 mil espécies de fungos em todo o planeta. Mas apenas estão descritas 100 mil. “Dependemos deles mas não os conhecemos. O problema é que faltam especialistas e os taxonomistas não se formam de um dia para o outro”.

Entretanto, debaixo do solo das florestas e dos campos, os fungos vão fazendo o seu trabalho, silenciosamente. “Eles não precisam de palmas, vão fazendo o que lhes compete sem os vermos. Só precisam que os respeitem.”

 

[divider type=”thin”]Saiba mais sobre a exposição aqui e no site do Museu.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.