Cabra-montês. Foto: Miguel Dantas da Gama
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Lançamento: “Fronteira selvagem”, o livro que Miguel Dantas da Gama quis dedicar à Peneda-Gerês

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Miguel Dantas da Gama lança este mês “Parque Nacional da Peneda-Gerês: fronteira selvagem”, uma obra que demorou oito anos a completar, com centenas de espécies, mais de 1.200 fotografias, 50 desenhos e mapas. Nela explica por que razão o único parque nacional do país é tão especial.

Organizado em três partes – “O parque nacional das montanhas do noroeste ibérico”, “Santuários do Parque Nacional da Peneda-Gerês” e “Sinais das fronteiras do homem” -, o livro, com 392 páginas, fala da fauna e flora mas também das turfeiras, das cascatas e cursos de água, dos planaltos, dos corredores rupícolas e dos bosques autóctones. Entre estes, a Mata da Albergaria, a Mata do Cabril, a Mata do Ramiscal e a Mata do Beredo. Inclui ainda listagens das espécies de plantas e de animais que vivem no parque.

O livro será lançado às 17h00 de dia 11 de Outubro, no âmbito das comemorações do 52º aniversário da inauguração do Parque Nacional, no Centro de Educação Ambiental do Vidoeiro (Vila do Gerês).

WILDER: Para quem é este livro?

Miguel Dantas da Gama: Para aqueles que se deslumbram com a Peneda-Gerês mas, como eu, não se deixam iludir pela sua beleza, tendo a noção da realidade existente e do que o Parque Nacional poderia e deveria ser. É também um livro para a maioria dos que procuram esta área protegida, para lazer ou aventura, mas que não têm a noção do que realmente visitam. E, claro, para todos os que, por razões diversas, procuram informação sobre o único parque nacional português.

Posto de trabalho. Foto: Miguel Dantas da Gama

W: Quais os seus objectivos?

Miguel Dantas da Gama: Valorizar o património natural do Parque Nacional, divulgando-o, alertar para o que já se perdeu, para as ameaças que sobre ele pendem, para aquilo que se pode empreender no sentido de recuperar e preservar um território com um enorme potencial para projetos de preservação da natureza. Este livro insiste nos mesmos objetivos que me levaram a escrever os oito anteriores.

W: Porque decidiu escrever este livro?

Miguel Dantas da Gama: Porque o único parque nacional português, já com mais de 50 anos de vida, inexplicavelmente, não dispunha de uma publicação do género. Diga-se o que se disser, um livro continua a ser algo insubstituível, mais perene. No meu caso, à paixão pela Peneda-Gerês junta-se a paixão pelos livros. Há quem corra meio mundo à procura de um restaurante. Eu faço-o por um livro. Aconteceu recentemente em Katmandu, no Nepal, atrás de um épico sobre o leopardo-das-neves.

Cabra-montês. Foto: Miguel Dantas da Gama

W: Quanto tempo demorou a fazer este livro? Quais os maiores desafios e o que mais gozo lhe deu fazer durante este projecto?

Miguel Dantas da Gama: Iniciei-o em 2014 após concluir o livro das águias-reais. O maior gozo foi ir para o terreno com uma motivação acrescida. Escrever, fotografar e, mais recentemente, desenhar, para concretizar um objetivo desafiante. Gozo grande foi também idealizá-lo, estruturar os conteúdos. Com a intensidade com que o fiz, só o conseguiria sobre a Peneda-Gerês. Finalmente construí-lo, um vez que elaborei tudo. O livro foi pronto, na versão final, para as artes gráficas. O maior desafio foi condensar em 392 páginas o material de que disponho que daria para uma dúzia de álbuns idênticos. O processo de seleção foi desgastante. E não desistir, sabendo que o processo, solitário, iria ser demorado, acreditando que um dia chegaria ao fim. A pandemia atrasou-o um ano, desviando o lançamento do dia do 50º aniversário da criação do PNPG, em 8 maio de 2021.

W: Refere que este livro é mais do que um guia de campo. O que pretende ser?

Miguel Dantas da Gama: Um trabalho que transmita a vivência de quem o elaborou, algo agradável de apreciar mas, acima de tudo, um contributo para a preservação deste território. Começa logo com um apelo, feito por um lobo, em nome dos seus. O livro coloca o leitor do lado da natureza, dos seus animais e plantas selvagens, a sentir o mundo que é deles. 

Jipe utilizado nas visitas à Peneda-Gerês. Foto: Miguel Dantas da Gama

W: Qual a razão do título “Fronteira selvagem”?

Miguel Dantas da Gama: O planeta está a ser vilipendiado pela espécie humana. A pouco e pouco fomos encurralando a vida selvagem para ilhas cada vez mais diminutas, criando fronteiras com que estrangulamos a natureza e a vida selvagem. Hoje são fronteiras inevitáveis, tal a profundidade do mundo artificial que construímos. As áreas protegidas foram criadas para evitar que o “nosso mundo”, implacável, tudo invada. E se não devem ser guetos, importa que quem delas desfruta, saiba que há uma linha para além da qual nos devemos conter. Pelo menos aí devemos saber respeitar os outros seres. Até porque deles dependemos totalmente. 

W: Quantas espécies constam no livro?

Miguel Dantas da Gama: Centenas. Todos os mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes presentes, estão listados. No vasto mundo das plantas vasculares, também são nomeadas todas as espécies com estatutos de proteção ou para as quais o Parque Nacional é importante a nível nacional.

Teixo. Foto: Miguel Dantas da Gama

W: Lembra-se da primeira vez que visitou o Parque Nacional da Peneda-Gerês? Com que ideia ficou?

Miguel Dantas da Gama: Era um miúdo, talvez com 12 ou 13 anos, no banco de trás do carro dos meus pais. Ficou-me a ideia de um espaço grandioso com um relevo impressionante. Só mais tarde dei conta do seu interesse singular, pela biodiversidade, pela importância de um território que devia manter-se íntegro, num país que eu não considero “um jardim à beira mar plantado”. 

W: Como tem sido a sua relação com o parque? O que significa para si?

Miguel Dantas da Gama: Um misto de paixão e angústia. O Parque Nacional da Peneda-Gerês é algo central na minha vida. Por ele consumi grande parte do meu tempo útil; essencialmente por ele, mas também por outras montanhas do mundo, abandonei a carreira profissional. As minhas idas ao Parque Nacional são sempre um misto de desfrute e de trabalho. Aprecio uma paisagem e no momento seguinte estou a pensar se era aquilo que deveria estar a ver. A Peneda-Gerês é um espaço único mas não (ainda) o que seria expetável.

Armeria humilis. Foto: Miguel Dantas da Gama

W: Escreveu que dedica o livro a tudo o que é bravio. Qual a importância do bravio nos nossos dias? E quanto de bravio ainda existe?

Miguel Dantas da Gama: O bravio é essencial, vital, para a nossa sobrevivência. A destruição da vida selvagem, dos equilíbrios por que se rege a natureza, está a encaminharmos para um desfecho do qual não sobreviveremos. Durante anos acusaram-me de ter uma visão radical, extremista. Agora ouço o Secretário Geral das Nações Unidas dizer o mesmo! Para nossa desgraça, estamos a perder tudo. Os esforços de uns quantos obstinados não chegam para inverter o rumo. 

Um discurso de quem já desistiu? Não. A prova é mais este livro, o mais abrangente de todos os que já editei.

Bravio é sinónimo de beleza, de uma beleza que o homem não consegue igualar. Embrenharmo-nos num ambiente verdadeiramente bravio, pristino, é uma experiência cada vez mais rara. Não concebo vivermos num mundo em que tudo tenha a mão do homem.

W: Quais as maiores diferenças entre o Parque Nacional da Peneda-Gerês de hoje e de quando o conheceu?

Miguel Dantas da Gama: O coberto vegetal do Parque Nacional continua a degradar-se. O fogo e as suas consequências estão presentes em todo o livro. Em termos de ordenamento, o Parque Nacional não é respeitado. Há parcelas essenciais que continuam a não ser devidamente salvaguardadas. O livro também retrata árvores centenárias que se foram perdendo nos grandes incêndios das últimas décadas.

Azevinho. Foto: Miguel Dantas da Gama

W: Qual a relevância do Parque Nacional no país?

Miguel Dantas da Gama: Fundamental. Para além das raridades botânicas e faunísticas, da diversidade de tipos de habitat que as abrigam, é um espaço precioso num país anarquicamente ocupado.

W: Como comenta o contributo do Parque para a conservação da natureza?

Miguel Dantas da Gama: Se se refere à gestão do Parque Nacional, diria que nos últimos anos tem havido algum investimento na área da conservação. Mas diminuto, face à grandeza dos desafios, dos estragos do passado. O problema é que, para quem decide, a natureza continua ser essencialmente um veículo de promoção turística. Pensar a natureza pela natureza não está na cabeça das elites, porque também não está na cabeça da maioria dos cidadãos. No caso em concreto, a maioria das pessoas que trilha o Parque Nacional está satisfeita com a realidade atual. 


PARQUE NACIONAL DA PENEDA-GERÊS: FRONTEIRA SELVAGEM

Por: Miguel Dantas da Gama

Canhões de Pedra

Preço: 45 euros

Data de lançamento: 11 de Outubro

À venda na rede da FNAC e online (contacto para [email protected]) após o lançamento.


Saiba mais aqui sobre o autor.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.